O Estado de São Paulo, n.45854, 04/05/2019. Política, p. A4

 

Receita limita investigação própria a crimes tributários 

Adriana Fernandes 

04/05/2019

 

 

A Receita Federal vai restringir suas investigações e focará apenas em crimes tributários. A orientação do comando do órgão é para que auditores não “avancem a linha”, usando as fiscalizações para investigações policiais. O novo enfoque ocorre após uma série de vazamentos de informações sigilosas que abalaram a imagem do Fisco, como procedimentos abertos contra ministros de Cortes superiores.

Um dos documentos vazados, por exemplo, atribuía ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, “possíveis fraudes de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio ou tráfico de influência” – não cabe à Receita investigar esses crimes. Com papel fundamental em grandes operações, como a Lava Jato, a intenção da cúpula é evitar que a Receita parta para ações de investigação criminal de “modo próprio”. Pela legislação atual, quando os auditores veem indício de crime não tributário, devem enviar uma representação ao Ministério Público.

Internamente, servidores temem que a nova orientação enfraqueça equipes de combate a fraudes, principalmente da área de inteligência. A corregedoria do órgão chegou a enviar um alerta de que a mudança poderia comprometer o trabalho de “combate à corrupção”.

Diante das desconfianças, a cúpula do órgão tenta tranquilizar os auditores e avisa que o grupo especializado de combate à fraude, a EPP Fraudes, vai continuar seu trabalho normalmente. A equipe, criada no ano passado, funciona como uma espécie de “tropa de elite” formada por auditores fiscais especializados em detectar irregularidades tributárias envolvendo agentes públicos.

Reestruturação. A orientação da Receita de limitar investigações coincide com a maior reestruturação no órgão em 50 anos – serão cortados cerca de mil dos 4 mil cargos comissionados; o número de superintendências será reduzido de 10 para 5 e as diversas delegacias do órgão serão transformadas em agências. Na prática, as medidas concentram poder de decisões na cúpula do Fisco.

A perda de poder das superintendências que serão cortadas e a disputa pelos cargos de chefia que restarão depois do corte alimentam o clima de insegurança entre os servidores.

A expectativa é de que 50 delegacias sejam atingidas pela mudança, que terá de estar concluída até o fim de julho. No início do governo Jair Bolsonaro, a Receita ganhou um prazo maior do que os demais órgãos da Esplanada dos Ministérios para passar a tesoura nas funções gratificadas. O Ministério da Economia aproveitou esse período adicional para fazer uma ampla reestruturação sob o comando do secretário especial do órgão, Marcos Cintra.

O presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais (Sindifisco), Kleber Cabral, considera que a Receita Federal está sob forte pressão depois dos vazamentos e de procedimentos abertos pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelo Supremo para apurar ofensas criminosas à Corte e a integrantes do tribunal.

Além dos vazamentos, outro episódio recente motivou críticas ao Fisco. Funcionários do órgão acessaram, sem autorização, dados do presidente Jair Bolsonaro.

Inspeção. Nos dois casos, a Receita apura se os servidores cometeram irregularidades. O órgão também passa por um pente-fino do TCU, que abriu uma inspeção para apurar desvios de finalidade e mira na atuação da EEP Fraude. O TCU viu indícios de que o órgão estaria extrapolando a suas funções.

Para Cabral, a reestruturação, que vai mexer também na forma de trabalho da Receita, é radical e está sendo feita de maneira muito rápida. “A reestruturação tem facetas boas e outras que temos dúvidas. É a maior mudança da Receita e está sendo feita sem muita discussão com as bases. Isso estressa”, disse ele, admitindo que muitos gestores vão perder poder e dinheiro com o fim da comissão.

Procurado, o Ministério da Economia não quis comentar.

Por meio de nota, a Receita afirmou que “vem debatendo internamente proposta de reestruturação organizacional visando adequar a estrutura do órgão às exigências do decreto que impôs cortes a todo o governo federal”. “O referido decreto extinguiu cerca de mil funções gratificadas/cargos em comissão, somente na Receita, e obrigou a instituição a rever o seu funcionamento e implementar ações de modernização da estrutura”, afirma a nota.

_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Para Raquel, inquérito do STF é 'sistema inquisitorial'

Rafael Moraes Moura 

Luiz Vassallo 

04/05/2019

 

 

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, se manifestou pela procedência de ação movida pela Rede Sustentabilidade contra o inquérito conduzido pelo Supremo Tribunal Federal para apurar supostas ofensas contra ministros da Corte. Raquel disse que a investigação, como foi concebida, é “compatível com o sistema inquisitorial”.

“A investigação por ministro do STF previamente escolhido, de fatos genéricos, de modo sigiloso, sem a participação do Ministério Público, é prática compatível com o sistema inquisitorial, mas não com o sistema acusatório”, disse a chefe do MPF.

O inquérito foi aberto em março pelo presidente do Supremo, Dias Toffoli, com o fim de apurar “notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares, extrapolando a liberdade de expressão”.

A investigação está sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, que chegou a determinar a retirada do ar de reportagem que faz ligação entre Toffoli e a Odebrecht, além de duas medidas de buscas e apreensões contra críticos suspeitos de ofender integrantes do STF. O ministro recuou, dias depois, da decisão de excluir a reportagem – publicada pela revista Crusoé e o site O Antagonista.

Contra a investigação, o partido Rede moveu uma ação em que compara o procedimento ao Ato Institucional n.º 5, de 1968 – que instaurou a censura, proibiu manifestações políticas e fechou o Congresso. Para os advogados da legenda, o inquérito visa “intimidar” quem eventualmente criticar a postura dos ministros da Corte.

Em parecer, Raquel escreveu que o conteúdo crítico de mensagens contra ministros do STF “está autorizado pela liberdade de expressão garantida a todos pela Constituição, que abrange o direito de crítica”.