O Estado de São Paulo, n. 45853, 03/05/2019. Política, p. A6

 

Moro evita isentar quem atira contra invasores

Breno Pires

03/05/2019

 

 

Para ministro, é ‘prematuro’ discutir perdão a produtores rurais, como quer Bolsonaro

Coletiva. O ministro da Justiça, Sérgio Moro, participou de entrevista para tratar de ações da Polícia Rodoviária Federal

Promessa de campanha reiterada nesta semana pelo presidente Jair Bolsonaro a representantes do agronegócio, a isenção da punição a produtores rurais que atirarem contra invasores de terra ainda precisa ser mais discutida pelo governo, de acordo com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. A questão é o mais recente ponto de descompasso entre presidente e ministro.

“É prematuro discutir essas questões sem que nós tenhamos ela ainda como uma política pública absolutamente delimitada”, disse Moro, sem esconder o desconforto com o assunto. “Existem políticas públicas que são formuladas dentro do governo, com interação das diversas pastas envolvidas, do Ministério da Justiça e Segurança Pública quando há essa pertinência temática, e essas políticas públicas são gestionadas, discutidas, há idas e vindas, avanços e recuos”, afirmou.

O comentário de Moro, que não quis se aprofundar no tema, foi feito durante uma entrevista coletiva à imprensa marcada para tratar de ações da Polícia Rodoviária Federal (PRF). O ministro não informou, por exemplo, se o presidente já pediu um parecer jurídico ou a própria elaboração da proposta de um projeto de lei.

Segundo um auxiliar de Moro ouvido pelo Estado, até ontem nenhum documento havia chegado ao ministério relacionado à isenção de punição para proprietários rurais que atirarem em invasores de terras. Os dois, porém, já tinham conversado sobre o tema.

Anteontem, Moro disse que a discussão sobre esse assunto era “prematura”. “Antes de ter no papel exatamente o que vai se propor, quais são os limites do que vai se propor e tal, é muito prematura essa discussão”, disse, durante entrevista à rádio Jovem Pan. “Eu, sinceramente, não me sinto confortável em discutir esses assuntos. São questões que eu ainda tenho que falar com o presidente, ouvi-lo, discutirmos e colocar algo sólido no papel.”

A promessa de Bolsonaro, feita ainda quando ele era candidato à Presidência, foi reforçada na segunda-feira passada, em um dos mais importantes eventos do agronegócio do País. “Vai dar o que falar”, reconheceu Bolsonaro, durante o discurso de abertura da Agrishow, em Ribeirão Preto (SP), ao afirmar que encaminharia projeto de lei para ajudar a combater a violência no campo. “A propriedade privada é sagrada e ponto final”, declarou no evento.

Em seguida, detalhou a proposta. “É fazer com que, ao defender a sua propriedade privada ou a sua vida, o cidadão de bem entre no excludente de ilicitude, ou seja, ele responde, mas não tem punição. É a forma que nós temos que proceder para que o outro lado, que teima em desrespeitar a lei, tema vocês, tema o cidadão de bem, e não o contrário”, disse.

Diálogo. Sempre que um decreto ou uma alteração legislativa pretendida pelo governo afeta a área de trabalho de um ministério, o normal é que essa pasta seja ouvida e se manifeste sobre a legalidade das propostas.

Foi feito assim, por exemplo, no decreto que facilitou as regras para obtenção de posse de armas – o Ministério da Justiça e Segurança Pública foi ouvido. Na ocasião, Moro propôs um limite de duas armas de fogo por pessoa. Bolsonaro, no entanto, ampliou para quatro.

DESENCONTROS

• Excludente de ilicitude

Na mesma semana em que o presidente Jair Bolsonaro anunciou na maior feira de agronegócio do Brasil, a Agrishow, que pode isentar produtores rurais que atirarem contra invasores, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, disse que ainda “era prematuro” discutir essa questão.

• ‘Desconvite’ a Ilona Szabó

A cientista política Ilona Szabó, que dirige o Instituto Igarapé, especializado em estudos sobre segurança pública, foi convidada por Moro para integrar, como suplente, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Após protestos da base de Bolsonaro nas redes sociais, a cientista foi desconvidada.

• Mudança do Coaf

Moro tem reiterado publicamente o desejo de que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) permaneça no Ministério da Justiça. As declarações vêm após Bolsonaro afirmar que não se opunha a retirar o Coaf de Moro e deixá-lo com o ministro Paulo Guedes, da Economia, para obter apoio no Congresso.