Correio braziliense, n. 20460, 28/05/2019. Política, p. 4

 

Relações seguem travadas

Rodolfo Costa

28/05/2019

 

 

Poder » Parlamentares avaliam que manifestações pró-Bolsonaro não alteram relacionamento entre o Congresso e o Planalto

As manifestações a favor do governo foram representativas, mas não farão o Congresso se curvar ao presidente Jair Bolsonaro e aceitar imposições do Palácio do Planalto. O Correio ouviu cinco deputados federais — sendo três novatos e dois reeleitos —, um de cada região do país, e o consenso entre eles é de que o relacionamento e a articulação entre Legislativo e Executivo continuará do jeito que está, sem harmonia e sem maioria para a votação de matérias. Cada dia será uma “agonia” diferente, o que vai impor desafios diuturnos à interlocução governista. O principal deles, no momento, diz respeito à Medida Provisória nº 870, da reforma administrativa. Se o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) permanecer no Ministério da Justiça, como pleiteia o PSL no Senado, o texto voltará à Câmara, às vésperas de caducar, em 3 de junho.

A opção de Bolsonaro por permanecer em confronto com o Parlamento gerou desconforto. Ontem, em culto religioso na Igreja Batista Atitude, no Rio de Janeiro, o presidente classificou as manifestações como recado “para aqueles que, com suas velhas práticas, não deixam que o povo se liberte”. Deputado de primeiro mandato, Celso Sabino (PSDB-PA), vice-líder do partido na Câmara, questiona a declaração. “Preciso que ele me diga o que são ‘velhas’ e ‘novas’ práticas. De um relacionamento em nível de 0 a 10, daria 0. Não há diálogo, e a pauta do governo é a pauta única, como quando editou o decreto das armas”, criticou.

O parlamentar ressalta que, de 30 deputados do PSDB, 25 votaram pela permanência do Coaf na Justiça. “Mas não se tem abertura para o diálogo, e o grupo que vota minimamente contrário é criticado, atacado e colocado em vala comum. Não se pode criminalizar o diálogo e a democracia e colocar quem não é do PSL e do Novo na mesma vala”, ponderou Sabino. O deputado Ronaldo Santini (PTB-RS), também de primeiro mandato, partilha do posicionamento. “O governo não se mostra favorável a sentar e conversar. Acha que todos querem cargos e espaços, e não é esse o clima”, alertou.

As manifestações darão mais tranquilidade para os deputados discutirem a reforma da Previdência e o pacote anticrime do ministro da Justiça, Sérgio Moro. Mas não constroem sinergia nem interferem nos trabalhos da Câmara, analisa Santini. É aí que reside o problema principal, uma vez que, no momento, pela inflexibilidade e falta de agenda do governo, é difícil prever a convergência entre Congresso e Planalto depois de aprovadas essas matérias. “O governo não se deu o trabalho de construir uma agenda positiva, então, não conseguimos ter a percepção de qual objetivo vem depois. Mas a Câmara estará lá para dar ritmo às pautas essenciais ao país”, sustentou.

Na falta de pautas robustas, à exceção das apresentadas pelo governo até o momento, da qual a Previdência é a prioritária, a Câmara prepara uma agenda própria costurada pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e líderes partidários. Será capitaneada pelas reforma política e tributária, além de pautas de convergência com o pacto federativo. Deputado de primeiro mandato, Luis Miranda (DEM-DF), presidente da Frente Parlamentar Mista da Reforma Tributária, protocola hoje um projeto de lei que atualiza a tabela do Imposto de Renda. É uma medida que o governo declarou que faria e, até o momento, não saiu do papel. “Na falta de pauta e agenda do governo, vamos ocupar os espaços e fazer o que o país precisa”, destacou.

Tragédia anunciada

O governo e o Congresso não saíram maiores ou menores depois das manifestações, avalia o deputado Fausto Pinato (PP-SP), vice-líder do bloco vencedor das eleições na Câmara. No entanto, em decorrência da estagnação econômica e do desemprego elevado, ele avalia que esses fatores podem, com o tempo, desestabilizar o Planalto. “A falta de alimentos na mesa dos brasileiros certamente resultará em revolta e grave desajuste social. Temos que trabalhar para evitar essa tragédia anunciada. O resto é picuinha de guerrilheiros de internet, pessoas que nada acrescentam para o bem-estar do povo”, analisou.

Também vice-líder do bloco, Hildo Rocha (MDB-MA) lamenta que o governo retribua com manifestações que colocaram Maia como vilão do país — alguém que, para ele, vem contribuindo com gestos de pacificação e melhoria do país. “Os protestos não mudam em nada a nossa relação. Além de um relacionamento ruim, o governo não sabe perder e não tem atuado para melhorar a presença do Estado onde precisa”, avaliou. O parlamentar diz que o programa Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, está parado. “Se persistir desse jeito, as pessoas começarão a ir às ruas contra ele. A distribuição de recursos de emendas impositivas para os municípios também está parada. É bom o governo dizer a que veio”, acrescentou.

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Dias Toffoli oculta agenda

28/05/2019

 

 

 

 

Alvo das manifestações de domingo, o Supremo Tribunal Federal (STF) comunicou ontem que não vai mais divulgar antecipadamente no site oficial a agenda do presidente da Corte, ministro Dias Toffoli. A assessoria de comunicação informou, em nota, tratar-se de uma medida baseada em avaliações internas de segurança. Pessoas próximas confirmam que o magistrado lida com ameaças há algum tempo e que a medida se tornou inadiável depois dos protestos.

O ministro vinha sendo alvo de ameaças desde que instaurou inquérito — por conta própria, sem a participação do Ministério Público — para investigar injúrias e ameaças virtuais contra ministros. Na última quinta-feira, depois que a maioria do STF julgou a favor da criminalização da homofobia, a decisão incendiou de vez os ânimos entre o público conservador, fato que se materializou nas cobranças contra a Corte durante os protestos a favor do governo.

Ontem, o presidente do STF cumpriu pela manhã compromisso no Conselho da Justiça Federal (CJF), mas a divulgação da agenda no site da Corte ocorreu apenas após o início do evento. “Por questões de segurança, a Presidência do STF avalia o melhor momento de publicação dos compromissos ao longo do dia. Importante destacar que a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527) ou qualquer outro normativo não impõe prazo e/ou horário para a divulgação da agenda da autoridade”, informou, em nota, a assessoria. (RC)