Correio braziliense, n. 20460, 28/05/2019. Opinião, p. 11

 

Segurança pública no Brasil

Reis Friede

28/05/2019

 

 

Não há como deixar de reconhecer que o problema da segurança pública no Brasil está entre os mais graves do mundo. Os números sobre a violência assustam. Segundo dados divulgados no Atlas da Violência 2018, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em colaboração com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em 2016, o Brasil alcançou a marca histórica de 62.517 homicídios. Isso equivale a uma taxa de 30,3 mortes para cada 100 mil habitantes, que corresponde a 30 vezes a taxa da Europa.

Nos últimos 10 anos, 553 mil pessoas perderam a vida devido à violência. Quando os números são vistos desmembrados, a situação se mostra ainda mais grave: das 62.517 vítimas de homicídio, 33.600 tinham entre 15 e 29 anos — entre os jovens, o risco de morrer assassinado é maior e se torna entrave ao desenvolvimento do país; 4.645 mulheres perderam a vida, ou seja, 4,5 homicídios para cada 100 mil brasileiras. Entre 2006 e 2016, a taxa de homicídios de negros cresceu 23,1%, segundo os dados do Atlas.

As taxas tão elevadas confirmam a existência de um problema que ainda não foi enfrentado pelos governos com políticas que busquem saná-lo a longo prazo. Tampouco foi combatido levando-se em conta a gravidade. Um dos agravantes para compreender a questão é a baixa credibilidade das estatísticas oficiais (que são reconhecidas, à unanimidade, pouco confiáveis) relativas a crimes praticados no Brasil e, especialmente, pelo número recorde de assassinatos (certamente muito maior do que os divulgados). Especialmente, após o advento da difusão das estatísticas como fator primordial de mensuração da produtividade das diversas instituições associadas à segurança pública, as autoridades responsáveis pelo combate à criminalidade passaram a ostentar maior (e incentivado) interesse por números, em detrimento de resultados reais, passando, por natural via de consequência, a priorizar a busca por um culpado (artigo indefinido), em lugar do culpado.

Essa realidade (que, em certa medida, sempre existiu no Brasil) foi substancialmente ampliada (em todas as suas modalidades exteriorizantes) nos últimos anos, coincidindo com as iniciativas (pouco ponderadas) que objetivavam, em última análise, aumentar a eficiência operacional do aparato policial. Com efeito, diferentemente de outros países (Estados Unidos, Alemanha e França), cumpre reconhecer que o Estado brasileiro não tem conseguido impedir que o apenado continue se comunicando com o exterior, liderando a perpetração de uma série de crimes.

Como se não bastasse a ousadia da criminalidade contemporânea, que cada vez mais insiste em aterrorizar a sociedade, a ausência de integração e de sintonia entre os entes (União, estados, Distrito Federal e municípios) que fazem parte do sistema denominado Constitucional da Segurança Pública (art. 144 da Lei Maior) é flagrante, sendo apontada como uma das muitas causas para o quadro atual. De fato, no Brasil, mata-se por qualquer motivo. Ceifa-se a vida humana por um aparelho de celular ou um par de tênis de qualquer modelo ou marca, independentemente do custo aquisitivo legal. Isso tudo diante do atual cenário de tragédia e de violência com o qual infelizmente nos acostumamos a conviver.

Pode-se afirmar que o quadro de violência no Brasil é caracterizado por não distinguir a classe social de suas vítimas — posto não atingir, como no passado, apenas as camadas menos favorecidas da sociedade (tal como sempre ocorreu e vem repetidamente acontecendo com os moradores das inúmeras comunidades nas quais o Estado oficial não se faz presente e, por conseguinte, impera o Estado paralelo). (...)

REIS FRIEDE

Desembargador federal e presidente do TRF2