Correio braziliense, n. 20465, 02/06/2019. Política, p. 4

 

Ex-chefes da PGR em defesa da lista tríplice

Leonardo Cavalcanti

02/06/2019

 

 

Diante da incerteza se o presidente Jair Bolsonaro reconhecerá a lista tríplice para a chefia do Ministério Público Federal, ex-procuradores da República defendem a votação interna da categoria como democrática e independente. Em entrevista ao Correio, Claudio Fonteles, Roberto Gurgel e Rodrigo Janot — escolhidos em votação interna dos integrantes da carreira — acreditam que o método de seleção para o cargo fortalece o trabalho dos investigadores, contribuindo com a própria sociedade. A convergência dos antigos comandantes da Procuradoria-Geral da República (PGR) acaba aí. Fonteles, Gurgel e Janot têm avaliações distintas sobre o processo de votação.

Entre as últimas quarta e quinta-feira, o Correio conversou com os três procuradores, todos aposentados, e que foram indicados, a partir de 2003, pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, tendo como referência a lista tríplice da categoria. Deles, apenas Antonio Fernando de Souza, que ocupou o cargo entre 2005 e 2009, prefere não comentar o processo de votação e a possibilidade de Bolsonaro não indicar um da lista. “Estou advogando e fora do dia a dia da PGR, sem contar que a lista virou um assunto controverso”, limitou-se a dizer. Raquel Dodge, atual chefe do MP, indicada por Michel Temer, também foi procurada, mas, até o fechamento desta edição, não respondeu aos questionamentos da reportagem.

Na opinião de Fonteles, que comandou a PGR entre 2003 e 2005, a lista é fundamental para a democracia. “É a forma de preservar a independência do MP como a voz da sociedade”, afirma. Segundo ele, o método não é perfeito, mas garante o trabalho da PGR de preservar a Constituição. “O fato de o presidente pinçar alguém por conta própria me parece algo da ditadura. A lista dá um equilíbrio, até porque o indicado ainda passa por um aval do Senado, com toda a liberdade dos senadores.” Fonteles diz lamentar as manifestações de Bolsonaro. O presidente declarou algumas vezes que não estaria comprometido com a votação da categoria. “A lista é parte do processo democrático. Quem não tem compromisso com ela, não tem compromisso com a democracia.”

Histórico
A formação da lista tríplice ocorre desde 2001, mas acabou ignorada no mandato de Fernando Henrique Cardoso. Apenas a partir de 2003, com Lula, ela começou a ser seguida, quando o petista e a sucessora, Dilma, confirmaram a indicação dos primeiros da lista: Fonteles, Antonio Fernando, Gurgel e Janot. Temer, por sua vez, escolheu a segunda colocada, Raquel Dodge. O presidente, entretanto, não é obrigado a seguir a lista, podendo escolher um nome entre os integrantes da carreira com mais de 35 anos. O mandato é de dois anos, podendo haver a recondução. A campanha para a vaga de Dodge está na rua, com debates em seis capitais promovidos pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Ao todo, 10 candidatos disputam a eleição interna este ano — a data da votação é 18 de junho.
“O cargo de PGR é um dos mais difíceis da República. Para exercê-lo, o titular precisa estar ciente de uma série de fatores: externos e internos”, ressalta Janot, que ocupou a chefia do MP entre 2013 e 2017. “Para estabelecer uma liderança, o PGR deve estar próximo e disponível para receber as demandas institucionais que surgirem. A lista tríplice atribui legitimidade interna ao chefe da instituição e o aproxima dos demais membros, permitindo, de um lado, o exercício da liderança e, de outro, a prática do diálogo institucional.” Para ele, um nome de fora da lista seria visto com desconfiança. “Assumiria a chefia da instituição com a incerteza de poder efetivamente liderar, além de certamente ter dificuldades no diálogo interno. Haveria um sério risco de isolamento institucional.”
Independência
Comandante da PGR entre 2009 e 2013, Gurgel defende a lista. “É uma garantia de independência do MP.” O ex-procurador-geral não vê como certa a recusa de Bolsonaro em seguir a lista. “Isso não está claro até agora.” Apesar de defender a votação interna, ele assiste com preocupação ao crescimento do corporatismo dentro da categoria, nas disputas por assuntos como garantias e salários. “A dificuldade é submeter essa discussão a temas corporativos, o que dá argumentos a quem é contrário à adoção da lista”, frisa. Para ele, a eleição atual tem aspectos inéditos, como o número de postulantes, incluindo procuradores regionais; um período longo entre a eleição e a posse do indicado pelo presidente — apenas em setembro, com o fim do mandato de Dodge —; e a candidatura de Robalinho, que deixou a presidência da ANPR no início de maio, uma semana antes de anunciar a candidatura. “Também fui presidente da associação (1987/1989), mas só recebi a indicação para a chefia da PGR 10 anos depois, quando já era subprocurador”, conta.
Em resposta a Gurgel, Robalinho diz que apenas anunciou a candidatura ao deixar a presidência da ANPR. “Não participei de nenhuma decisão sobre o processo eleitoral, ao contrário”, afirma. “Respeito e sempre vou respeitar muito Roberto Gurgel, mas é preciso considerar a qualificação dos quase 1.200 eleitores da lista tríplice, que conseguem avaliar todos os aspectos do processo eleitoral e a importância dele.”
Robalinho lembra que Gurgel foi eleito procurador-geral sem se licenciar do cargo de vice-procurador-geral e também era integrante do Conselho Superior do MPF — neste caso, como todos os últimos eleitos na lista. “E nem por isso ninguém questionou a candidatura dele ou a própria eleição.” Gurgel ressalta não ver problema na indicação de Dodge, mesmo ela estando fora da disputa da lista tríplice. “Ela esteve na lista ao ser indicada, não vejo problemas em não estar numa eventual recondução.”
Não é a mesma avaliação do ex-procurador Claudio Fonteles: “Ao contrário das críticas infundadas à lista, o processo de votação interna estabelece um processo de independência do Ministério Público. O adesista está fora da lista, quer ganhar a indicação a partir de uma sedução ao Executivo, que não é prudente”. Ao falar diretamente de uma eventual indicação de Raquel Dodge por Bolsonaro para passar mais dois anos no cargo, Fonteles afirma: “Isso seria delicado para ela, refiro-me ao fato de ser reconduzida fora da lista, mas cada um sabe da própria vida”. Em 2017, Dodge assinou uma carta-compromisso com a lista tríplice. Procurada pela reportagem, a assessoria da procuradora disse que ela não se pronunciaria sobre uma eventual indicação de Bolsonaro fora da lista.
Os concorrentes
Na disputa,estão: Antônio Carlos Fonseca Silva (subprocurador-geral da República), Blal Dalloul (procurador regional da República), José Bonifácio de Andrada (subprocurador-geral da República), José Robalinho Cavalcanti (procurador regional da República), Lauro Cardoso (procurador regional da República), Luiza Frischeisen (subprocuradora-geral da República), Mário Bonsaglia (subprocurador-geral da República), Nívio de Freitas (subprocurador-geral da República), Paulo Eduardo Bueno (subprocurador-geral da República), e Vladimir Aras (procurador regional da República). Fora da lista, o subprocurador Augusto Aras fez movimentos para ganhar a simpatia do Planalto — o mesmo pode ser dito de aliados de Dodge, que tentam emplacá-la, mesmo com ela fora da disputa da lista interna.