Correio braziliense, n. 20465, 02/06/2019. Economia, p. 9

 

É arriscado delirar

Antonio Machado

02/06/2019

 

 

O resultado do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre narra, mais uma vez, nas palavras do economista  André Lara Resende, a “crônica de uma morte anunciada, lenta e dolorosa”. Ou a agonia das boas intenções em meio a ações mal concebidas e mal-executadas.

O PIB recuou 0,2% em relação ao último trimestre de 2018. E murcha no acumulado em 12 meses desde o terceiro trimestre, vindo de 1,4% para 1,1% no período seguinte e 0,9% até o fim de março. Ainda hoje, se encontra 5,3% abaixo do nível pré-recessão, no início de 2014. O consumo das famílias está 3% menor. O investimento, 27% abaixo.

Assim estamos, e já entrando no terceiro ano: com o PIB abaixo do necessário para reocupar a ociosidade da produção e da mão de obra, pondo o investimento para andar. Depois de dois anos em queda de 6,9% (2015 e 2016), o PIB cresceu 1,1% em 2017 e em 2018 e, no melhor dos cenários, fará igual este ano. O provável é que faça pior.

O importante a registrar é que a decadência da economia não é casual nem recente. Tome-se o PIB a preços de 1995: o maior patamar ocorreu no terceiro trimestre de 2013. Hoje, encontra-se 7,6% abaixo do nível recorde da série do IBGE. É tempo de cogitar novas concepções.

Tenta-se desde Dilma-II um arrocho fiscal com parco impulso positivo para a economia. Mas que asfixiou a máquina pública e a manutenção do que lhe é afim, como estradas, viadutos, hospitais etc. Tem sido o jeito de gerar fundos para manter o gasto obrigatório por lei (como salário de servidores, aposentadorias públicas e o deficit do INSS).

Nunca se foi à raiz do que tornou o Estado ingovernável, a causa do gasto incontrolável, que é o que se tenta reverter com a reforma da Previdência ora em discussão. Ela deveria ter vindo antes da emenda à Constituição, aprovada no governo Temer, limitando à inflação anual a expansão do grosso do gasto público. Foi como se um obeso confiasse em sua força de vontade e trocasse o guarda-roupa antes da dieta.

É leviano, por isso, culpar o governo de Jair Bolsonaro pelo que vem a ser a outra face do desemprego e subemprego envolvendo 28,4 milhões de pessoas, 27% da força de trabalho, ou seja, o PIB estagnado. A economia perde tração desde 1994, com a reforma monetária inacabada.

O otimismo dilapidado

Há uma fila de governantes antes dele para responsabilizar pelo PIB anêmico. Uma regressão profunda como a que está em curso, e que não é apenas da economia, requer método e tempo para ser “bem-sucedida”.

Mas, exatamente por conhecer a gravidade que lhe aguardava, Bolsonaro não está isento. Ele se permitiu dilapidar o otimismo criado pela sua eleição já no sexto mês de seu mandato, fazendo um governo sem visão.

Ninguém mais espera que o PIB escale 2,5% este ano, como acenavam as projeções de mercado monitoradas pelo Banco Central ao fim de 2018.

O equívoco foi o ministro da Economia, Paulo Guedes, jogar a sorte do governo na reforma da Previdência com “potência fiscal de R$ 1,2 trilhão”, como insistia, ameaçando com o inferno qualquer frustração.

Como tática de convencimento, tinha lá suas razões. Mas desde que não pusesse a perder os ganhos herdados do governo Temer (Selic de 14,25% ao ano para 6,5%, PIB de -3,8% para +1%, inflação de quase 11% para menos de 4%, além de toda a modelagem das concessões assumidas na cara dura pelos ministros atuais como mérito desta gestão).

Me engana que eu gosto

A parte mais radicalizada fechada com Bolsonaro aceita o que escuta, tal como o bordão do “nunca antes neste país” recitado por Lula era aceito como verdade absoluta pelos petistas. Só que vivemos a era da informação instantânea e os factoides tendem a ter vida curta.

Faz mais bem ao país entender por que o modelo econômico tentado por governos mais à direita e à esquerda não impediu o nosso declínio.

A renda per capita era duas vezes a da Coreia do Sul em 1960, já era igual em 1980 e hoje a coreana é o triplo da nossa, como registra o economista Guilherme Magacho, da FGV. Em relação à China, nossa renda era o triplo em 1960, cinco vezes maior em 1980 e hoje é igual. China bate de frente com os EUA, enquanto nos enganamos há 30 anos que damos a ênfase devida ao crescimento, à educação e ao ataque à pobreza.

A maioria invisível

Onde fracassamos? Guedes dá aula sobre o tema. Mas sua receita para romper com um sistema que trata burocrata como classe especial, vis-à-vis a patuleia que lhes sustenta e enriquece amigos da corte, não foi suficiente, até agora, para superar o marasmo e bombar o PIB.

Talvez devesse se esforçar mais na redenção educativa de Bolsonaro. Ou não, pois bastaria expor que os adversários da reforma, em grande maioria, estão entre parlamentares próximos a Bolsonaro. São eles que patrocinam a maior parte das 276 emendas que pedem ou a manutenção de privilégios a burocratas ou a extensão das exceções a quem está fora.

Querem mamatas à custa de quem se espreme na condução, mora em ruas sem saneamento, é vítima de balas perdidas. Esse Brasil não é visto em manifestação de bacanas nem da esquerda até porque não é chamado. Enquanto esse país continuar invisível, a crise jamais acabará.

A transformação em cena

O cenário parece ruim, e é, mas a constatação tem pouca serventia. É mais promissor avaliar que o regime parido pela Constituição de 1988 se exauriu, e será transformado. Cedo ou tarde, será reformada a enorme autonomia orçamentária de certas corporações, que reagem, visando pôr em xeque o Poder Legislativo, único que pode mudar o status quo.

Por razões várias, incluindo contrapor-se à radicalização de grupos próximos a Bolsonaro, a direita moderada deverá aglutinar-se e se afastar do fisiologismo, impondo-se como o que tem sido desde 1989: a força política majoritária no país. É ela que já lidera as reformas.

Seu sucesso dependerá do quanto isso seja percebido pela sociedade e se assumir o protagonismo das políticas sociais e de outra forma de gestão da macroeconomia. O deputado Rodrigo Maia é o nome a observar.