O globo, n. 31359, 16/06/2019. País, p. 7

 

No papel de vidraça, Moro engrena persona política

Jailton de Carvalho

Thiago Herdy

Bruno Góes

Jussara Soares

16/06/2019

 

 

Após desgaste da divulgação de mensagens privadas, ex-juiz deixa de lado perfil técnico ao testar sua popularidade em estádio de futebol e marca até participação em programa popular de televisão

Quando o ministro da Justiça, Sergio Moro, chegou ao seu gabinete na última segunda-feira, dia seguinte à divulgação de mensagens trocadas entre ele e o procurador Deltan Dallagnol, estava com o semblante preocupado. Moro não é dado a grandes sorrisos, mas tampouco é comum vê-lo tenso, como estava na ocasião. Não só a exposição de sua privacidade o preocupava, mas outro problema suscitou apreensão em seu entorno: até aquele momento, o presidente Jair Bolsonaro não havia feito gesto público de apoio. Moro enfrentava o papel de vidraça sozinho.

A partir daí, em menos de 24 horas, o ex-juiz da LavaJato que, até poucos dias atrás, tinha popularidade superior à do presidente, passou de quadro técnico a ministro político. Ao receber aceno de Bolsonaro, Moro andou de barco para as lentes dos fotógrafos, passou no teste do estádio de futebol e terminará sua peregrinação no programa do Ratinho, no SBT, onde seu chefe também compareceu quando quis defender a reforma da Previdência para a população. No papel de ministro mais popular do governo, o ex-juiz parecia fora do alcance dos críticos. Agora se transformou em alvo, como um político comum. Na última terça-feira, em meio ao batalhão de repórteres e fotógrafos que acompanhava sua chega ao Senado, um manifestante disparou:

— Qual é o seu partido ? Juiz corrupto!

O grito reflete o clima de animosidade que cresceu em relação a Moro desde domingo passado, quando o site Intercept divulgou trechos de conversas em que ele orienta Dallagnol a incluir uma testemunha em um dos processos contra o ex-presidente Lula. Ao falar com auxiliares, Moro minimizou a importância das mensagens. As conversas estariam dentro de um determinado padrão de conduta entre procuradores e juízes, na avaliação do ministro.

Nas primeiras horas após a divulgação das conversas, Bolsonaro e os ministros do Palácio do Planalto entraram em compasso de espera. Moro teria se sentido entregue às feras. O clima só começou a mudar na terça. Depois de uma conversa no Palácio da Alvorada, Bolsonaro levou Moro de lancha até uma solenidade no Grupamento de Fuzileiros Navais.

O ato foi interpretado como o primeiro gesto de apoio do presidente. No dia seguinte, enquanto crescia a onda de críticas, Bolsonaro chamou Moro para um almoço no Alvorada e, depois, o convidou para assistirem juntos ao jogo do Flamengo contra o CSA de Alagoas, no estádio Mané Garrincha, em Brasília. A ideia foi do próprio presidente, para comprovar que a popularidade de Moro ainda passaria no chamado teste do estádio.

No intuito de blindar seu ministro, Bolsonaro orientou auxiliares que não comentassem o conteúdo das mensagens e nem possíveis novas conversas. Na sexta, sugeriu que Moro o acompanhasse na abertura da Copa América, em São Paulo. Mas o ministro não quis.

Punição a hackers

Em uma tentativa de estancar a crise, Moro seguiu conselho do presidente do Senado, Davi Alcolumbre(DEM-AP), e marcou para a próxima quarta-feira uma ida à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa para dar explicações sobre as mensagens trocadas com Dallagnol. Ele também tomou a iniciativa de comparecer na CCJ da Câmara no dia 26.

Em outra frente, o ministro recebeu na última quarta-feira o deputado Celso Russomanno (PRB-SP), que tem como uma das bandeiras de seu mandato a proteção de dados. Eles conversaram sobre possíveis alterações na legislação para endurecer as penas contra quem comete invasões virtuais.

Moro também buscou apoio em grupos mais conservadores do Congresso. Almoçou com senadores do DEM, PR e PSC, e reuniuse com expoentes da bancada evangélica. Líderes do centrão, de olho na possibilidade de enfraquecimento do ministro, já preparam uma série de medidas para regular a atividade do Poder Judiciário, como dar prosseguimento ao projeto de abuso de poder e alterar a lei de delação premiada.

O sentimento desses líderes é que não há mais clima político para uma possível indicação de Moro ao Supremo Tribunal Federal (STF), já aventada pelo presidente da República, Jair Bolsonaro.

— Estava em um voo com dois senadores que votaram a favor do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) com Moro. Eles me falaram que não votam mais o nome dele para o Supremo. Um deles posso falar porque já é público: o Randolfe (Rodrigues, Rede-AP)—diz o líder do DEM, deputado Elmar Nascimento (BA). No Planalto, contudo, o apoio segue firme e forte.

— Ele não cai. O ministro tem a absoluta confiança do presidente —disse ao GLOBO o porta-voz da Presidência , general Otávio Rêgo Barros.

Em Curitiba, há preocupação com eventual avalanche de novas mensagens e mais constrangimento para os procuradores, principalmente em função da forma bem-humorada e irônica como costumavam se referir, internamente, a autoridades e outros personagens da operação.