O globo, n. 31359, 16/06/2019. Economia, p. 27

 

Levy está com a 'cabeça a prêmio', diz Bolsonaro

Amanda Almeida

Geralda Doca

Bruno Rosa

Rennan Setti

16/06/2019

 

 

Presidente exige do chefe do BNDES demissão de diretor, que deixa o cargo

O  presidente Jair Bolsonaro criticou e ameaçou demitir o presidente do BNDES, Joaquim Levy. Bolsonaro disse estar “poraqui” como chefe do banco, que estaria “com a cabeça a prêmio”. Desde o início do governo, a relação entre os dois foi marcada por divergências.

O episódio mais recente foi a escolha de Marcos Barbosa Pinto para a diretoria da área de Mercado de Capitais, do BNDES, responsável pelos investimentos da BNDES Par, braço de participações acionárias do banco de fomento, que administra carteira superior a R$ 100 bilhões. O presidente exigiu que Levy demita o diretor. Na noite de ontem, Barbosa Pinto entregou uma carta de renúncia ao cargo, informou o G1.

— Levy o nomeou (Marcos Pinto) para uma função no BNDES. Já estou por aqui com o Levy. Falei para ele: demita esse cara na segunda-feira ou eu demito você sem passar pelo Paulo Guedes (ministro da Economia) — afirmou Bolsonaro, ao sair do Palácio da Alvorada.

— Governo tem de ser assim. Quando coloca gente suspeita em cargos importantes e essa pessoa, como o Levy, já vem há algum tempo não sendo leal ao que foi combinado e ao que ele conhece a meu respeito, ele está com a cabeça a prêmio já tem algum tempo. Perguntados e Levy já estaria demitido do banco, porém, Bolsonaro negou.

As declarações do presidente ocorrem dias depois do nome de Barbosa Pinto aparecer associado ao PT em blogs da direita. Barbosa Pinto foi chefe de gabinete de Demian Fiocca, na presidência do BNDES, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Ele também foi sócio na na Gávea Investimentos, gestora de recursos fundada pelo ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga,e foi diretor da Comissão de Valores Mobiliários(CVM).O próprio Levy também participou de governos petistas. Foi secretário do Tesouro no governo Lula e ministro da Fazenda, na gestão de Dilma Rousseff.

Guedes entende 'angústia'

Levy foi indicado à presidência do BNDES pelo ministro da Economia. Ontem, Guedes disse ao blog do jornalista Gerson Camarotti, no G1, que entendia a “angústia” de Bolsonaro: “Entendo a angústia do presidente. É algo natural ele se sentir agredido quando o presidente do BNDES coloca na diretoria do banco nomes ligados ao PT”.

No banco, Barbosa Pinto é considerado um executivo de perfil técnico. O nome dele havia sido aprovado pelo Conselho de Administração do BNDES. Sua função seria tocar o programa de vendas de participações da BNDES Par, cuja velocidade vinha sendo considerada lenta. Segundo fontes, o principal empecilho era o tamanho da carteira do braço de participações. Por isso, a nomeação era vista pela diretoria como sinal de que o programa de venda de ações começaria a avançar. O banco tem fatias do capital de empresas como Petrobras, Vale e JBS.

O BNDES anunciou uma reestruturação interna, dividindo as atribuições da diretoria de Investimentos, que abrange privatizações, concessões e mercado de capitais. Barbosa Pinto ficaria responsável pelas participações do banco em empresas. A nomeação foi considerada a gota d’água na relação com Levy. Fontes do banco relatam episódios anteriores de atrito, nos quais Bolsonaro cobrava que Levy fizesse críticas às linhas de financiamento a exportações em países como Cuba, Angola e Venezuela, aprovadas no governo do PT, destacando que a garantia das operações era do governo brasileiro.

O presidente do BNDES divulgou detalhes dos financiamentos, mas não condenou os empréstimos, pois não queria se indispor com o quadro de funcionários, segundo o relato de fontes do banco. Bolsonaro cobrava, como relatou o colunista do GLOBO Lauro Jardim, em seu blog, que Levy falasse publicamente sobre a necessidade de “abrir a caixa-preta” do BNDES. Recentemente, há relatos de desgaste

entre Levy e Guedes em razão do cronograma de devolução de recursos do banco ao Tesouro. Guedes pressionava para que, neste ano, R$ 126 bilhões fossem pagos. A perspectiva de fim dos repasses do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ao banco, incluída pelo relator da reforma da Previdência no texto, representou nova ameaça ao ritmo de pagamentos, embora a proposta ainda precise ser analisada pelo Congresso. Guedes confirmou ao G1 os sinais de insatisfação: “O grande problema é que Levy não resolveu o passado nem encaminhou uma solução para o futuro”. O passado seria uma referência à caixa preta do banco.

'Orgulho da carreira'

Na noite de ontem, Barbosa Pinto afirmou que decidiu deixar o cargo em razão do descontentamento de Bolsonaro, segundo o G1. “Tenho muito orgulho da carreira que construí ao longo dos anos, seja na academia, no governo ou no mercado financeiro. Dada minha experiência, achei que poderia contribuir para implementar as reformas econômicas de que o país precisa”, escreveu.

Levy enfrenta situação delicada. No mês passado, já havia cedido à pressão do ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, pela demissão da gestora do Fundo Amazônia. Se o novo diretor não tivesse deixado o cargo, ele enfrentaria críticas sobre sua autonomia, caso optasse por mandá-lo embora.

A nova crise pode precipitar a demissão de Levy ou fazer com que ele opte por deixar a presidência do banco. Arminio Fraga classificou como lamentável a decisão de Bolsonaro de pedir a demissão de Barbosa Pinto do BNDES. Para ele, é um sinal preocupante de um governo que vem buscando a polarização:

—Marcos Pinto é um profissional de mão cheia e com um currículo invejável. Toda essa decisão de demiti-lo aconteceu em função de ele ter trabalhado no governo do PT. Ele poderia fazer um ótimo trabalho e dar uma excelente contribuição. E recebe essa bala perdida na testa —disse Fraga.

— O governo está apostando na polarização. O caminho tem de ser outro. É lamentável. Marcos é uma pessoa de ideias liberais e progressistas. A Associação de Funcionários do BNDES divulgou nota em defesa de Levy. Procurados, Levy e BNDES não responderam até o fechamento desta edição.

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Presidente minimiza divergências entre Guedes e Maia.

Amanda Almeida

16/06/2019

 

 

Bolsonaro diz que reforma da Previdência está agora com o Parlamento e que não existe obediência cega do Congresso

O presidente Jair Bolsonaro minimizou, ontem, as divergências entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sobre a reforma da Previdência.

— A bola está com o Parlamento. A nossa bancada do PSL, a gente orienta de uma forma. Se perder no voto, paciência. Vamos respeitar — respondeu ao ser perguntado sobre a troca de farpas. Na sexta-feira, Guedes reclamou do relatório do deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) sobre a Previdência, dizendo que o texto cede ao lobby do funcionalismo —numa referência à criação de nova regra de transição, particularmente favorável aos servidores que ingressaram antes de 2003. Guedes disse que o relatório pode ter “abortado” a Nova Previdência, a chamada capitalização.

Neste regime, cada trabalhador poupa para sua própria aposentadoria. Maia rebateu e disse que o governo virou uma “usina de crises” e que o Parlamento aprovará a Previdência, “apesar do governo”. O presidente da Câmara disse que a democracia não é o que um quer, mas a vontade do coletivo.

—É natural, em casa a gente briga, às vezes, com filhos — afirmou Bolsonaro, ao ser questionado sobre a irritação no Congresso com as declarações de Guedes.

— Ninguém duvida da capacidade do Paulo Guedes, o que eu entendo nele, e me inclinei a aceitar suas teses, é que ele está dando números para que o Brasil possa sairda crise. Com essa reforma proposta que está aí, que o Paulo Guedes tem restrições em parte, o meu governo está garantido.

A crise virá a partir de 2023, 2024. A gente não quer deixar para o futuro governo, que vai nos suceder, a dor de cabeça da Previdência. Perguntado se o Congresso não se convenceu disso, ele respondeu que não “há obediência cega” à Presidência:

—Não se pode falar em Congresso quando apenas eu, Guedes, (presidente do Senado, Davi) Alcolumbre, Maia falam. O Congresso é um corpo, passei por lá 28 anos. Não tem obediência cega a quem quer que ocupe a Presidência.