O globo, n. 31359, 16/06/2019. Economia, p. 29

 

'A previdência é o desafio mais urgente, mas não é panaceia'

Cássia Almeida

Rennan Setti

Maria Fernanda Delmas

16/06/2019

 

 

O ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, um dos pais do Real, diz que a questão fiscal é de ‘curto, médio e longo prazos’ no Brasil. Para ele, o regime de repartição é ‘bomba de efeito retardado’

O ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, um dos pais do Plano Real, cuja estabilização monetária completa 25 anos no mês que vem, vê a reforma da Previdência como o desafio mais urgente entre os que o país enfrenta hoje, mas observa que o desequilíbrio fiscal é uma questão de “curto, médio e longo prazos”. Em entrevista ao GLOBO na última quarta-feira, após dar uma palestra em evento da RB Capital, no Rio, ele previu “uma enorme pedreira pela frente, não só uma pedra no meio do caminho”. A seguir, os principais trechos da conversa:

Desafios do país

Dos desafios que temos hoje, o mais urgente é a reforma da Previdência, minimamente robusta agora. Assim como a derrota da hiperinflação não era um fim em si mesma, mas uma condição para que outros objetivos tão ou mais importantes pudessem ser alcançados. Estamos numa crise que estará conosco durante muito tempo. Crescemos, na média, 0,6% ao ano nos últimos oito anos. O resto do mundo em desenvolvimento nesses mesmos oitos anos cresceu 4,8%, 4,9%, pelo menos. Essa situação agora é a mais séria da nossa história recente.

Nó fiscal

O imbróglio que nós temos na área fiscal no governo federal e em estados e municípios não será resolvido rapidamente. Quando o Real foi lançado, teve uma agenda que se impôs que era resolver o problema financeiro público e privado e o problema de dívidas de estados e municípios, o que foi feito nos anos 1990. Durante muito tempo parecia que isso estava resolvido. Vamos voltar a ter que fazer a mesma coisa agora em condições não muito favoráveis, mas é inexorável. O grande desafio está na área fiscal. Este 2019 vai ser o sexto ano de déficit fiscal primário, 2020 será o sétimo, 2021 provavelmente o oitavo e talvez 2022, dependendo da tração fiscal da reforma da Previdência. Todo mundo é a favor do aumento de despesas, para acomodar vários interesses. Todo mundo é contra aumento de impostos e todo mundo acha que dívida se rola, se reestrutura, se posterga, se adia. Não é uma combinação saudável, principalmente quando temos esse crescimento de gastos com Previdência.

Regime de repartição

Nenhum cálculo atuarial resiste a uma conta como essa: 11% de contribuição e se aposentar com 49, 50 anos. A média é 55. Quem chega aos 55 hoje vai viver até os 80, ganhando um salário que é um múltiplo de sua contribuição. As pessoas não se dão conta de que nosso sistema é de repartição. Quem está pagando os aposentados de hoje é quem está na força de trabalho. A população cresce a 0,7% ao ano e a de aposentados, a 3,5%. No fim dos anos 2040, só a faixa etária com mais de 60 anos vai crescer. Essa aposentadoria terá de ser paga por essa população que está trabalhando e que está diminuindo. É uma bomba de efeito retardado.

Capitalização

A discussão (sobre a introdução do sistema previdenciário de capitalização) é interessante porque o sistema de repartição está baleado de morte, do jeito como está estruturado.

Relação com o Congresso

O Congresso tem uma antena muita fina sobre qual é a opinião de seu eleitorado e o grau de convicção com o qual o governo encaminha sua agenda ao Congresso. Isso explica por que coesão e convencimento são importantes. O fato é que, de vez em quando, o governo dá sinais de um comprometimento que deixa um pouco a desejar para a gravidade do momento. O problema fiscal é de curto, médio e longo prazos. É uma enorme pedreira pela frente, não é só uma pedra no meio do caminho.

Falta de investimento

Uma das razões do baixo crescimento tem a ver com os investimentos que não fizemos no passado, não só na infraestrutura física, mas em infraestrutura humana, em distribuição de oportunidades. E também os que fizemos, que foram ineficientes. A avaliação deveria mostrar que um programa ficou aquém e, portanto, deve ser reduzido ou alterado ou descontinuado. A lista de exemplos é enorme. Há o Fies, o Ciência Sem Fronteiras, o Pronatec, a Sete Brasil. Foram cinco anos sem ter qualquer tipo de leilão de exploração de petróleo.

Além da reforma

A reforma (da Previdência), por si só, não é uma panaceia, não vai mudar todos os cenários de formação de expectativas sobre os investimentos. Mas, sem ela, as expectativas serão revistas para baixo. Ela é imprescindível, assim como era o Real, mas ele não era um fim em si mesmo. A agenda do Brasil é muito mais ampla.

Saída para crescer

A recuperação gradual do investimento vai depender da reativação do investimento público e privado, principalmente privado, doméstico e internacional. Infraestrutura é o candidato natural. Temos de pensar em como é possível criar condições para ele. Isso tem a ver com o contexto regulatório estável, previsível, sem intervenções de governo em matérias que deveriam ser da competência da agência reguladora ou da empresa.

Ambiente de negócios

No Doing Business do Banco Mundial, o Brasil está na 109ª posição. A China, que estava na casa da 70ª, conseguiu em um ano baixar 20 e tantas posições. A China criou uma unidade totalmente focada nisso. Nós podemos sair da 109ª posição para uma muito melhor, mas é preciso ter foco, concentração, gente voltada para aquilo. Eu não acho que nada está sendo feito, mas acho que é preciso mais foco na área micro. Isso vale para União, estados e municípios.

Educação

Nosso problema fundamental chama-se educação, formação de gente, nos vários níveis. Felizmente, a consciência disso tem aumentado. No ensino médio, que é uma carnificina no Brasil, quase 40% dos alunos entre 15 e 17 anos que deveriam estar no ensino médio não estão. Estamos falando de alguns milhões de pessoas. É um desperdício monumental.