O globo, n. 31356, 13/06/2019. País, p. 4

 

A amplitude das invasões

Lauro Jardim

Chico Otavio

Jaiton de Carvalho

13/06/2019

 

 

Hackers se infiltraram em celulares de delegados, juízes e forças-tarefas

A Polícia Federal e o Ministério Público Federal já reuniram indícios de que os ataques de hackers que expuseram diálogos do ministro Sergio Moro tiveram amplo alcance e foram muito bem planejados. Eles atingiram integrantes da força-tarefa da Lava-Jato em dois estados e no DF, além de delegados federais e juízes. A Polícia Federal e o Ministério Público Federal (MPF) têm indícios de que o ataque hacker que expôs mensagens privadas do então juiz Sergio Moro e de procuradores foi muito bem planejado e teve alcance mais amplo do que se sabe até agora. Entre os alvos, estiveram integrantes das forças-tarefas da Lava-Jato de ao menos dois estados (Rio e Paraná) e do Distrito Federal, delegados federais de São Paulo, juízes do Rio e de Curitiba.

Além do atual ministro da Justiça e do procurador Deltan Dallagnol, foram alvo de ataques a juíza substituta da 13ª Vara Federal Gabriela Hardt (que herdou processos de Moro temporariamente), o desembargador Abel Gomes (relator da 2ª instância da Lava-Jato no Rio), o juiz Flávio de Oliveira Lucas, do Rio, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, os procuradores Januário Paludo, Paulo Galvão, Thaméa Danelon, Ronaldo Pinheiro de Queiroz, Danilo Dias, Eduardo El Haje, Andrey Borges de Mendonça, Marcelo Weitzel e o jornalista do GLOBO Gabriel Mascarenhas.

O vereador Fernando Holiday (DEM-SP) e o deputado estadual Arthur do Val (DEM-SP) também foram alvos, segundo o Jornal Nacional. Outros dois procuradores, ambos ex-auxiliares de Janot, relataram ao GLOBO também terem sido vítimas de ataques de hackers, mas pediram para não terem os nomes publicados.

A força-tarefa da Lava-Jato em São Paulo confirmou que dois procuradores sofreram tentativa de invasão de seus celulares em maio, mas o ataque foi percebido e bloqueado. Na época, os dois já não integravam a equipe.

Na força-tarefa da Lava-Jato no Rio, integrantes também evitaram a invasão, já que tinham controles mais rígidos, em especial a verificação em duas etapas para acesso remoto ao aplicativo de mensagens Telegram. A empresa informou ontem ter sido alvo de um “poderoso” ataque virtual, mas que conseguiu estabilizar seus sistemas. Usuários do Telegram nos Estados Unidos e no Brasil foram os mais afetados por problemas de conexão.

As mensagens, publicados pelo The Intercept Brasil e atribuídas a Moro e a Dallagnol, indicam uma atuação combinada em determinados momentos da Lava-Jato, inclusive no processo que resultou na condenação do ex-presidente Lula, expondo a operação a inédito desgaste. Segundo o Código de Ética da Magistratura, o juiz deve ser imparcial e manter, ao longo de todo o processo, uma distância equivalente das partes, evitando “todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito”.

Durante o dia, a força-tarefa da Lava Jato do MP no Paraná divulgou nota na qual diz ser impossível saber se os diálogos são verdadeiros. Segundo os procuradores, a divulgação “torna impossível aferir se houve edições, alterações, acréscimos ou supressões no material alegadamente obtido”. Para a força-tarefa, “diálogos inteiros podem ter sido forjados pelo hacker ao se passar por autoridades e seus interlocutores”.

Invasor em grupo

Mesmo após a revelação do caso pelo site, o esquema criminoso continuou em atuação. Na noite de terça-feira, um hacker entrou em contato com José Robalinho, ex-presidente da Associação Nacional de Procuradores, se fazendo passar pelo procurador militar Marcelo Weitzel, que teve seu celular invadido, como revelou a revista Época.

Na noite de terça-feira, o grupo do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) no aplicativo de mensagens Telegram também foi invadido por um hacker se passando por Weitzel, despertando desconfiança dos colegas. Conforme informou o blog de Bega Megale, o invasor ironizou os conselheiros afirmando que acessa “quem quiser e quando quiser” e que o procurador militar já poderia “resgatar” sua conta no Telegram.

Segundo conselheiros do CNMP, antes de se apresentar, o hacker usou o perfil de Weitzel para divulgar áudios de procuradores da Lava-Jato no grupo. O material fez com que um dos conselheiros questionasse se o interlocutor era mesmo o procurador. Logo depois, o invasor se apresentou:

— Hacker aqui. Adiantando alguns assuntos que vocês terão de lidar na semana, nada contra vocês que estão aqui, mas ninguém melhor que eu para ter acesso a tudo né. — respondeu o suposto hacker, para depois acrescentar. —Eu acesso quem eu quiser, quando eu quiser. (...) Eu apenas acessei a Lava-Jato pois havia irregularidades que a população incluindo vocês deveriam saber —escreveu.

Após a invasão, parte dos conselheiros abandonou o grupo do CNMP e desinstalou o aplicativo Telegram de seus telefones. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, informou aos conselheiros que pediu para a Polícia Federal investigar o ataque .

Em meio à crise deflagrada pelas invasões hackers, procuradores discutem entre sites sobre as origens dos ataques. Alguns levantam suspeitas até sobre invasões de origem russa,o que não está comprovado. Mas, se os autores ainda são desconhecidos, entre os alvos prevalece a ideia de que os ataques são uma ação orquestrada contra a Lava-Jato.

A PF investiga os ataques dos hackers com duas turmas de agentes e delegados, em quatro cidades. A Procuradoria Geral da República também abriu um procedimento para acompanhar o trabalho da polícia. A apuração desse tipo de crime é tida como complexa.

As suspeitas iniciais apontam para um mandante com capacidade financeira de bancar esquema aparentemente sofisticado. Uma das hipóteses

é a de utilização de equipamentos que custam entre US$ 2 milhões e US$ 3 milhões, segundo uma fonte da cúpula da PF . Há diversas empresas sediadas no leste europeu e no Oriente Médio que oferecem serviços por esses valores.(Colaboraram Cleide Carvalho, Gustavo Schmitt e Bela Megale).

Passo a passo em um ataque

Segundo apuração do MPF, hacker fazia telefonemas para obter dados de celulares
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Fux é citado em conversa entre Moro e Dallagnol

13/06/2019

 

 

Novas mensagens mostram os dois elogiando ministro do Supremo: ‘In Fux we trust’, disse o então juiz da Lava-Jato

Outro trecho de conversas atribuídas ao procurador da Lava-Jato Deltan Dallagnol e o então juiz Sergio Moro foi divulgado, agora pelo jornalista Reinaldo Azevedo, que recebeu informações do The Intercept Brasil. As novas mensagens teriam sido trocadas em 22 de abril de 2016. Em um grupo, Dallagnol relata contato com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, quando conversaram sobre uma “queda de braço” entre ex-ministro Teori Zavascki, morto em 2017, e Moro, quando Teori “viu que se queimou”, nas palavras de Dallagnol.

Em 22 de março de 2016, um mês antes, Teori, então relator da Lava-Jato no STF, determinou que Moro enviasse à Corte todas as investigações que envolviam o ex-presidente Lula. A decisão veio após o juiz ter levantado o sigilo do áudio em que a então presidente Dilma Rousseff e Lula conversavam sobre a nomeação dele para a Casa Civil

Nas mensagens, Deltan reproduz supostas falas de Fux: “Disse para contarmos com ele para o que precisarmos”. Moro recebe o texto e responde: “Excelente. In Fux we trust”. (Confiamos em Fux).

Em outro trecho divulgado ontem,Moro,entãojuizda13ª Vara Federal, teria avisado a Deltan que o processo envolvendo o caso do tríplex, que levou Lula à prisão, deveria continuar em Curitiba na véspera de a decisão ser efetivamente oficializada por outra magistrada. Moro ficou com o caso depois de, no dia 14 de março de 2016, a juíza Maria Priscilla Veiga Oliveira, da 4ª Vara Criminal da Justiça de São Paulo, ter declinado sua competência. O texto foi encaminhado às 20h 50m do dia 13 de março.

“Nobre, isso não pode vazar, mas é bastante provável que a ação penal de SP seja declinada para cá se o LL (Lula) não virar Ministro antes”, diz o texto atribuído a Moro. Dallagnol agradece.

Dois dias depois da decisão da juíza, em 16 de março, Dilma anunciou a nomeação de Lula como chefe da Casa Civil. Às 12h44m desse dia o procurador questiona Moro se ele mantinha a decisão de retirar o sigilo de um grampo telefônico feito no aparelho do ex-presidente.

Moro questiona a posição do MPF e Deltan responde “abrir”. Perguntada sobre a divulgação das novas mensagens, a assessoria do Ministério da Justiça reiterou que “são supostas mensagens adquiridas de forma ilegal e criminosa, sob investigação da Polícia Federal.” Dallagnol e Fux não se manifestaram.