O Estado de São Paulo, n.45908, 27/06/2019. Política, p. A4

 

Com Moro sob desgaste, Senado aprova lei de abuso 

Renato Onofre 

Daniel Werteman

27/06/2019

 

 

Plenário. Senadores discutem durante sessão; projeto aprovado ontem na CCJ estava parado na Casa havia dois anos

O Senado aprovou ontem a criminalização do abuso de autoridade. A proposta prevê punição a juízes e investigadores em uma série de situações e é considerada uma reação da classe política às operações recentes contra corrupção, como a Lava Jato. O texto, agora, deverá passar por nova análise da Câmara, uma vez que houve alteração ao que havia sido aprovado pelos deputados em 2017.

A votação do projeto no Senado ocorreu a toque de caixa. Num intervalo de sete horas, a proposta, parada na Casa havia pelo menos dois anos, foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e no plenário.

A decisão foi criticada por membros da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba e por senadores “lavajatistas”, que classificaram a proposta como uma reação à divulgação de mensagens atribuídas ao então juiz e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, e a procuradores, pelo site The Intercept Brasil. Conforme o site, as conversas indicariam que Moro orientou ações do Ministério Público no caso. O ministro nega irregularidades e diz não ser possível comprovar a autenticidade das mensagens.

“O projeto de abuso de autoridade surgiu como uma reação de pessoas que, à época, não concordavam com o que a Lava Jato estava fazendo. Votar isso é pedir para ser execrado pela opinião pública”, afirmou o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR).

O coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, disse que o projeto aprovado tem “pegadinhas” e pode levar a ataques a investigadores. “Somos, sim, a favor de punição adequada do crime de abuso de autoridade, consistente, como aquela prevista no projeto de lei apresentado em 2017 no Senado, que não tem pegadinhas”, disse, em referência a outro projeto aprovado na Casa, mas que parou na Câmara.

Associações ligadas à magistratura e ao Ministério Público criticaram a proposta, mas admitiram que a versão final do texto do Senado suavizou o que havia sido aprovado pelos deputados. “O relator (senador Rodrigo Pacheco, do DEM-MG) aceitou parte das nossas sugestões, como a necessidade de comprovar o dolo e retirada da possibilidade de o investigado processar o investigador”, disse o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Fernando Marcelo Mendes.

A principal crítica das entidades é tratar como crime a violação dos direitos e prerrogativas do advogado. Por outro lado, Pacheco rejeitou a criminalização da interpretação de juízes, o chamado crime de hermenêutica, e passou a exigir a existência de dolo específico, ou seja, é preciso que haja vontade de praticar o abuso para que haja punição.

Um outro item suavizado foi a pena prevista para quem cometer abuso de autoridade. Se antes a previsão era de reclusão, agora é de detenção de seis meses a dois anos, podendo começar em regime aberto ou semiaberto, além de multa.

“O que fizemos aqui foi um amadurecimento do texto para torná-lo o mais equilibrado possível. O que não se pode é deixar de punir o abuso de autoridade”, disse Pacheco. Ele negou, contudo, que a votação seja uma reação ao caso envolvendo Moro. Ontem à noite, o ministro da Justiça jantou com senadores na residência oficial de Marcos do Val (Cidadania-ES).

‘Mordaça’. Uma das polêmicas é o item batizado como “lei da mordaça”. De acordo com a proposta, juízes não podem expressar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento.

No caso dos membros do MP, a regra foi flexibilizada para, no lugar de “opinião”, proibir “juízo de valor indevido sobre procedimento ou processo em andamento”. Os procuradores teriam de se restringir a se manifestar com o “dever de informação e publicidade”, além de se limitar a fazer críticas nos autos, em obras técnicas ou em aulas. O projeto classifica como abuso atitudes de juízes e procuradores “com evidente motivação político-partidária”./ COLABOROU BRENO PIRES __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Projeto também criminaliza o caixa 2 e a compra de voto 

27/06/2019

 

 

No mesmo projeto aprovado ontem sobre abuso de autoridade, o Senado recuperou proposta do pacote “10 medidas contra a corrupção” e decidiu criminalizar o caixa 2 eleitoral. A proposta também torna crime a compra de votos. Atualmente, as duas condutas são consideradas ilícitos eleitorais.

O texto pune com reclusão, de dois a cinco anos, quem “arrecadar, receber ou gastar o candidato, o administrador financeiro ou quem de fato exerça essa função, ou quem atuar em nome do candidato ou partido, recursos, valores, bens ou serviços estimáveis em dinheiro, paralelamente à contabilidade exigida pela lei eleitoral”.

A mudança não vale para crimes cometidos antes de a lei entrar em vigor, ou seja, casos relacionados a eleições passadas não poderão ser enquadrados na esfera penal. Para o relator do texto, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), caixa 2 e compra de votos são os maiores problemas eleitorais.

A criminalização do caixa 2 é uma das propostas do pacote anticrime apresentado pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, e encaminhado à Câmara. A proposta de Moro ganhou uma versão idêntica no Senado que deve ser votada na próxima semana na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O relator do pacote de Moro no Senado, Marcos do Val (Cidadania-ES), votou contra o projeto ontem.

Mesmo com a criminalização do caixa 2, senadores contrários ao projeto afirmaram que o Senado será alvo de crítica por colocar na mesma proposta o abuso de autoridade. “Por que oferecemos munição para atirarem contra nós numa hora em que se invertem, sim, prioridades?”, questionou Alvaro Dias (Pode-PR). / D.W. e R.O.