O Estado de São Paulo, n.45908, 27/06/2019. Política, p. A12

 

Militar preso com cocaína constrange governo 

Amanda Pupo

Tânia Monteiro 

Teo Cury 

27/06/2019

 

 

Presidente em exercício. Em uma das declarações sobre o caso, Mourão disse que o sargento foi uma ‘mula qualificada’

Preso anteontem na Espanha com 39 kg de cocaína na bagagem, o segundo-sargento da Aeronáutica Manoel Silva Rodrigues realizou, desde 2015, pelo menos 29 viagens oficiais e, em uma delas, atuou no transporte do presidente Jair Bolsonaro, quando o chefe do Executivo voou a São Paulo para fazer exames médicos. A prisão do militar causou constrangimento ao Palácio do Planalto e levou o presidente a comentar o episódio nas suas redes sociais duas vezes em menos de 24 horas.

Rodrigues, que é comissário de bordo, fazia parte da comitiva de 21 militares que acompanha a viagem de Bolsonaro a Tóquio, no Japão, onde participará da reunião do G-20. O avião da Força Aérea Brasileira (FAB) em que estava o militar é usado como reserva da aeronave presidencial e, portanto, a comitiva da qual o sargento fazia parte não estava no mesmo voo que transportou o presidente e decolou na noite de anteontem de Brasília. A droga foi encontrada em sua bagagem ao desembarcar em Sevilha, na Espanha, a primeira etapa da viagem presidencial.

“Apesar de não ter relação com minha equipe, o episódio de ontem (anteontem), ocorrido na Espanha, é inaceitável. Exigi investigação imediata e punição severa ao responsável pelo material entorpecente encontrado no avião da FAB. Não toleraremos tamanho desrespeito ao nosso país!”, escreveu Bolsonaro na rede social.

O sargento será investigado em um inquérito policial-militar pela FAB. Um dos focos da investigação é o embarque e o transporte da droga na aeronave militar. De acordo com uma fonte das Forças Armadas ouvida pelo Estado, o episódio deve levar a uma revisão das normas de embarques em aviões militares e da comitiva presidencial. Atualmente, a fiscalização de bagagens é feita de maneira aleatória nas aeronaves.

Também militar e presidente da República em exercício, o general Hamilton Mourão chegou a afirmar que o sargento faria parte da tripulação do voo de volta de Bolsonaro ao Brasil. Mais tarde, se corrigiu. “Ele estaria somente na equipe de apoio, não estaria em momento algum na aeronave do presidente”, declarou o vice.

Mourão também afirmou que o militar estava trabalhando como uma “mula qualificada”, por causa da quantidade de droga carregada. “Ele estava trabalhando como mula, e uma mula qualificada”, disse o vice-presidente, citando o termo usado para pessoas pagas por traficantes para transportar drogas. Segundo informações da polícia espanhola à agência France Presse, a cocaína encontrada na bagagem de Rodrigues estava dividida em 37 pacotes.

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, foi ao Twitter afirmar que o caso será investigado. “O militar preso com drogas em Sevilha é uma ínfima exceção em corporação (FAB) que prima pela honra. Os fatos serão devidamente apurados pelas autoridades espanholas e brasileiras”, disse Moro.

Desgaste. No Congresso, a oposição vai tentar usar o episódio para desgastar o governo. Os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Weverton Rocha (PDT-MA) apresentaram requerimento para que o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, preste esclarecimentos à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado sobre o caso envolvendo o sargento preso.

No Supremo Tribunal Federal, o assunto foi tratado durante uma sessão de julgamentos da Corte, a partir de um questionamento feito pelo ministro Celso de Mello. O decano afirmou estar preocupado com a construção de “santuários de proteção de criminosos comuns”, com relação a espaços institucionais reservados a autoridades com prerrogativa de foro privilegiado.

Outras viagens. Segundo informações do Portal da Transparências, o sargento preso na Espanha esteve em voos de outros presidentes, além de Bolsonaro. Em janeiro do ano passado, quando o então presidente Michel Temer embarcou para a Suíça para participar do Fórum Econômico Mundial em Davos, há registro do serviço do sargento no transporte do chamado escalão avançado da Presidência.

Na gestão Bolsonaro, Rodrigues fez mais duas viagens. Em 24 de maio, voou de Brasília ao Recife e fez o retorno no mesmo dia, período em que o presidente visitou a capital pernambucana. Em março, o sargento fez voos entre os dias 18 e 19, com destino às cidades de Porto Alegre e São Paulo. Na data, no entanto, Bolsonaro estava em viagem aos Estados Unidos. Ainda de acordo com o Portal de Transparência do governo, Rodrigues tem remuneração bruta de R$ 7.298.

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Seleção exige 'ficha limpa' para trabalhar com a Presidência 

27/06/2019

 

 

Militares das Forças Armadas são submetidos a um processo de seleção rigoroso quando pretendem trabalhar em órgãos como o Ministério da Defesa, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e a Presidência da República. A vida do candidato é vasculhada e sua folha de alterações – onde ficam registradas as punições que ele recebe durante a carreira – são verificadas no processo de seleção. O “filtro” pode demorar até um ano antes de o militar receber o sinal verde para servir fora da Força à qual ele pertence.

No Exército, esse sistema é conhecido como Plano de Movimentações e estabelece critérios rigorosos para oficiais e praças, especialmente nesses casos. Além de preservar as instituições, o objetivo é evitar a chamada “peixada”, o compadrio que poderia favorecer quem não merece ocupar uma função de prestígio. Antes, o candidato já havia passado pelos exames nos processos seletivos para a entrada na Força.

A investigação sobre o caso do segundo-sargento Manoel Silva Rodrigues deve começar pela verificação se essas normas foram seguidas. Depois, os responsáveis pela apuração devem verificar duas circunstâncias: se o fato foi um crime de oportunidade ou se havia assiduidade no transporte de drogas.

Como uma andorinha sozinha não faz verão, também serão investigados possíveis comparsas do militar no tráfico de drogas e será feita uma nova verificação de antecedentes de todos os que trabalham com o segundo-sargento. A pior coisa que pode acontecer agora para a imagem da Força Aérea Brasileira é o raio cair duas vezes no mesmo lugar. Rodrigues era da equipe de bordo de um dos aviões do grupo de transporte da Presidência da República. Uma de suas funções era cuidar da bagagem da cabine do avião. A aeronave militar da Presidência lhe dava o disfarce perfeito para o papel de “mula qualificada” e para os criminosos que o cooptaram.

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Crime é o 2º mais comum na pauta da Justiça Militar

Rafael Moraes Moura 

27/06/2019

 

 

O consumo ou tráfico de drogas é o segundo tipo de crime mais comum analisado pela Justiça Militar da União, representando 11,03% de todos os casos, de acordo com os dados mais recentes do Centro de Estudos Judiciários da Justiça Militar. Fica atrás apenas do crime de deserção (33,6%), que é cometido quando o integrante das Forças Armadas se ausenta do local de trabalho por um período superior a oito dias. Completam o ranking de crimes mais frequentes furto (7,48% dos casos), estelionato (6,13%) e peculato (o desvio de recursos públicos, que é 5,40% do total).

O estudo dos crimes militares, divulgado em 2014 pelo Superior Tribunal Militar (STM), já alertava para a necessidade de “uma política preventiva que busque ao menos conscientizar seus integrantes, e por que não dizer também os seus familiares, enfim, a sociedade em geral” sobre a questão das drogas.

“Pois, a presença de drogas ilícitas nas Forças Armadas fatalmente comprometerá a sua espinha dorsal, que é exatamente a hierarquia e a disciplina militares. As drogas ilícitas são absolutamente incompatíveis com a vida militar”, diz ainda o documento.

Código Penal. Os militares estão sujeitos a punições, por tráfico, bem inferiores às reservadas aos civis. O Código Penal Militar prevê pena de reclusão de até cinco anos para quem “receber, preparar, produzir, vender, fornecer, ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, ainda que para uso próprio, guardar, ministrar ou entregar de qualquer forma a consumo substância entorpecente”. A Lei de Drogas, por outro lado, reserva pena máxima três vezes maior para casos envolvendo civis.

“Uma razão para essa diferença é que normalmente as mudanças da legislação penal costumam ocorrer sempre com foco nas leis aplicadas aos civis e o Código Penal Militar ficou praticamente com a mesma redação desde 1969 e com as mesmas penas previstas naquela época”, disse o criminalista Fabrício Campos.

O estudo não considera casos de policiais militares, que são julgados pela Justiça Militar estadual, e não a federal, como acontece com os integrantes das Forças.