Correio braziliense, n. 20466, 03/06/2019. Política, p. 2

 

Senado retarda nomes para embaixadas

Jorge Vasconcellos

03/06/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Poder » Num reflexo da falta de articulação do governo com o Congresso, a Comissão de Relações Exteriores da Casa avaliou, até agora, apenas três dos 18 indicados pelo Executivo para chefiar representações diplomáticas. MRE minimiza lentidão do parlamento

Em mais um reflexo da falta de articulação entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional, o governo só conseguiu a aprovação, na Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado, de três dos 18 nomes indicados pelo presidente Jair Bolsonaro para chefiar embaixadas e outras representações diplomáticas. A lentidão no processo mantém indefinidos os comandos de alguns postos estratégicos, como a Missão junto às Nações Unidas (ONU), em Nova York, e as embaixadas de Lisboa e de Paris. Consultada, a CRE informou que está pronta para sabatinar todos os candidatos, mas alegou que depende do envio das indicações pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Procurado pela reportagem, por meio da assessoria de imprensa, o parlamentar não deu retorno até o fechamento desta edição.

Bolsonaro indicou os primeiros quatro embaixadores por meio de mensagens enviadas à Mesa Diretora do Senado e que foram publicadas no Diário Oficial da União (DOU) de 11 de abril. Até o momento, foram sabatinados e aprovados na CRE os ministros de primeira classe Pedro Fernando Brêtas Bastos, indicado para a Missão junto à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP); Henrique da Silveira Sardinha Pinto, para a embaixada no Vaticano; e Hélio Vitor Ramos, escolhido para a representação em Roma. Os nomes deles precisam agora ser confirmados pelo plenário do Senado, mas ainda não há previsão para a votação.

Por sua vez, aguardam na fila das sabatinas os indicados para as missões junto à ONU e à Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e para as embaixadas em Assunção, Cairo (Egito + Eritreia), Nassau, Doha, Amã, Atenas, Rabat, Sófia (Bulgária Macedônia), Georgetown, Bucareste, Budapeste, Paris e Lisboa.

O presidente da CRE, senador Nelsinho Trad (PSD-MS), não quis comentar a demora na tramitação das indicações nem opinar sobre as negociações entre o Palácio do Planalto e a Presidência do Senado. Segundo a assessoria dele, “de parte do senador, na Comissão, todas as indicações têm a maior agilidade possível, tanto na leitura das mensagens presidenciais, assim que chegam, como na realização das sabatinas”. Na Comissão, a informação é de que não há qualquer previsão de novas sabatinas.

Durante café da manhã com jornalistas, em março, Bolsonaro havia anunciado que pretendia substituir 15 embaixadores. Ele disse, na ocasião, que as mudanças seriam importantes para melhorar sua imagem no exterior, e reclamou do fato de ser visto como autoritário, racista e homofóbico. O presidente também declarou que era necessário eliminar o que chamou de “viés ideológico” da política externa brasileira.

A questão das indicações diplomáticas não é a única dificuldade enfrentada pelo Palácio do Planalto na relação com Davi Alcolumbre. Na quarta-feira, o presidente do Senado anunciou que não colocaria em votação a MP que flexibiliza o Código Florestal Brasileiro e sentenciou que a matéria perderá a validade hoje. Ele disse que houve um acordo de lideranças, que estariam insatisfeitas com o prazo para o exame de uma matéria de tamanha complexidade.

Em nota, o Itamaraty disse que “a troca de titulares de postos no exterior é fato corriqueiro, especialmente em início de novos governos” e que “não comentará troca de comando de embaixadas brasileiras no exterior”. “O processo de nomeação de embaixadores segue seu rito no Congresso Nacional. As embaixadas que terão suas chefias alteradas funcionam normalmente, algumas comandadas pelos atuais titulares, outras, por encarregados de negócios pertencentes aos quadros do Serviço Exterior Brasileiro”, concluiu.

Fila de espera

Veja quem são os indicados do governo para assumir embaixadas

Aprovados em sabatina

Pedro Fernando Brêtas Bastos

• Missão junto à CPLP

Henrique da Silveira Sardinha Pinto

• Embaixada no Vaticano (Santa Sé Ordem de Malta)

Hélio Vitor Ramos Filho

• Embaixada em Roma

Aguardando a sabatina

Ronaldo Costa Filho

• Missão junto à ONU

Santiago Irazabal Mourão

• Missão junto à Unesco

Carlos Alberto Simas Magalhães

• Embaixada em Lisboa

Flávio Soares Damico

• Embaixada em Assunção

Antônio de Aguiar Patriota

• Embaixada no Cairo (Egito Eritreia)

Cláudio Raja Gabaglia Lins

• Embaixada em Nassau

Luiz Alberto Figueiredo Machado

• Embaixada em Doha

Ruy Pacheco de Azevedo Amaral

• Embaixada em Amã

Roberto Abdalla

• Embaixada em Atenas

Júlio Glinternick Bitelli

• Embaixada em Rabat

Maria Edileuza Fontenele Reis

• Embaixada em Sófia (Bulgária Macedônia)

Maria Clara Duclos Carisio

• Embaixada em Georgetown

Maria Laura da Rocha

• Embaixada em Bucareste

José Luiz Machado e Costa

• Embaixada em Budapeste

Luís Fernando de Andrade Serra

• Embaixada em Paris

Frases

"As embaixadas que terão suas chefias alteradas funcionam normalmente, algumas comandadas pelos atuais titulares, outras, por encarregados e negócios pertencentes aos quadros do Serviço Exterior Brasileiro”

Trecho da nota do Itamaraty

“Os embaixadores têm a função de representar o Estado brasileiro. É com a imagem do país, não com a do presidente, que eles devem se preocupar”

Günther Mros, professor de Relações Internacionais da UFSM

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Especialistas veem gestão preocupante

03/06/2019

 

 

 

Günther Mros, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), afirmou que, além de uma deficiente articulação com o Congresso, a política externa do governo pode estar enfrentando resistências também em razão de seu autodirecionamento, sob o comando do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Na opinião de Mros, é uma contradição do próprio presidente Bolsonaro, que, durante a campanha eleitoral, criticava o “viés ideológico” da diplomacia dos governos passados.

“Anteriormente, havia, nas escolhas de chanceleres e de embaixadores, um cálculo que ultrapassava a agenda de governo. Eram decisões de Estado”, disse o docente. Ele criticou também a ideia do presidente de contar com os serviços dos embaixadores para melhorar a sua imagem pessoal. “Os embaixadores têm a função de representar o Estado brasileiro. É com a imagem do país, não com a do presidente, que eles devem se preocupar. Essa preocupação dele demonstra que a atividade dos embaixadores sofrerá um direcionamento inadequado à função que eles deveriam exercer”, argumentou. “Essa não é a postura de um estadista, porque o presidente confunde, propositalmente ou não, questões de Estado com seus interesses pessoais. Um clima de constante campanha eleitoral.”

Para o professor Juliano da Silva Cortinhas, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (Irel/UnB), a existência de postos diplomáticos importantes sem titulares é “mais um sinal da incapacidade política e de gestão” do governo Bolsonaro e, mais especificamente, do ministro Ernesto Araújo. “A diplomacia brasileira vive um período assustador com a gestão do ministro Ernesto Araújo, um diplomata que não tinha status anterior para ocupar a função de chanceler brasileiro, que era e continua sendo uma figura cercada de um obscurantismo intelectual, pois crê em um mundo que não tem respaldo na realidade”, analisou. “A ideia de que todo o sistema internacional continua vivendo sob a égide da Guerra Fria e que há uma disputa entre capitalismo e o comunismo, que os comunistas alimentam o globalismo para se sobrepor aos ideais liberais e ocidentais, enfim, é uma crença que está totalmente desconectada da realidade das relações internacionais.” Para o especialista, o chanceler brasileiro tem um “descompromisso total com o conhecimento científico e com as tradições históricas da política externa brasileira”.

Cortinhas também disse que, em contato com diversos diplomatas brasileiros, tomou conhecimento de que há uma celeuma interna no Itamaraty, em que servidores mais experientes tentam demover o ministro Araújo de ideias nada condizentes com a tradição diplomática do país. “Ele é um ministro que não tem capacidade de conduzir os seus pares, porque não tem sabedoria, não tem experiência para isso e também porque vejo poucos diplomatas com intenção de serem comandados por ele”. (JV)