Correio braziliense, n. 20466, 03/06/2019. Economia, p. 7

 

Com retração do PIB, reação de curto prazo fica urgente

Augusto Fernandes

03/06/2019

 

 

Conjuntura » Especialistas avaliam que números do primeiro trimestre apontam para fraco desempenho da economia para o resto do ano e estão pessimistas quanto à eficácia de “medidas paliativas”, como liberação do FGTS

Estatísticas negativas sobre o mercado de trabalho e a confiança dos empresários, além da lentidão de estratégias para recuperação econômica em sair do papel, são algumas das evidências de que a economia vai seguir como a principal pedra no sapato do governo Jair Bolsonaro, avaliam especialistas. Se o desafio já era grande, com a retração do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre, o Planalto agora terá que redobrar esforços para, além de reativar a economia, impedir que o Brasil entre em recessão.

Na última semana, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que o Produto Interno Bruto (PIB) recuou 0,2% de janeiro a março em relação ao trimestre anterior, de outubro a dezembro. A indústria e a agropecuária puxaram o resultado ao encolher 0,7% e 0,5%, respectivamente, em comparação ao fim do ano passado. Também pesou a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) — responsável por registrar a ampliação da capacidade produtiva futura da economia por meio de investimentos correntes em ativos —, que caiu 1,7% ante o último trimestre de 2018.

Em meio às turbulências, economistas ouvidos pelo Correio disseram que o país precisa urgentemente de medidas a curto prazo para aquecer a economia. “É necessário um choque monetário para reavivar o coração da economia do país. Do jeito que estamos hoje, as reformas são apontadas como única salvação, mas elas resolveriam as pendências daqui a mais de cinco anos. Portanto, o governo tem que tomar medidas mais imediatas”, opina o professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), José Luís Oreiro.

Na avaliação do professor, uma das alternativas urgentes para a atividade econômica do país seria a redução da taxa básica de juros (Selic), que já está na mínima histórica, de 6,5% para 5%. “Com isso, o governo diminuiria o custo de rolagem da dívida pública. Seria uma redução capaz de gerar economia de cerca de R$ 30 bilhões, quase o mesmo valor contingenciado do orçamento da União em março. Essa medida também seria importante para o governo evitar ainda mais as reduções no investimento público”, sugere.

Para Oreiro, o contingenciamento foi um erro do Executivo. Há três meses, o governo federal segurou gastos de  R$ 29,7 bilhões do orçamento para conseguir cumprir a meta fiscal este ano. “É preciso rever a meta de resultado primário para 2019 dos atuais R$ 139 bilhões, de deficit, para algo em torno de R$ 169 bilhões de deficit (negativo). Se ele se mantiver nos atuais números, teremos um choque fiscal ainda mais negativo no segundo semestre”, alerta. “Para que o presidente não cometa crime de responsabilidade fiscal, isso só vai ser possível mediante aprovação do Congresso Nacional. Sendo aprovado, o pior ainda pode ser evitado. Tudo está nas mãos do Executivo e do Legislativo”, diz.

Curto prazo

Considerados os primeiros meses de 2019, dificilmente o ano terá um crescimento expressivo na economia. Especialistas consultados pelo Banco Central baixaram em 1,25 ponto percentual a projeção de expansão do PIB este ano: de 2,48%, a estimativa caiu para 1,23% em 13 semanas.  “A média mundial é de 4%. Estamos muito distantes daquilo que seria desejável para manter as condições de competitividade no cenário internacional. Só uma injeção de recursos pode salvar a economia ”, alerta Otto Nogami, professor de economia do Insper.

Com a política fiscal comprometida pelo endividamento, o que impede o governo de mexer nos gastos e na arrecadação para gerar um movimento anticíclico na economia e resgatar o processo de crescimento, além da baixa confiança do empresariado para investir na produção e melhorar a competitividade, resta ao Executivo apostar no consumo das famílias, diz Nogami.

“O consumo das famílias pesa em 64% do PIB. Dada essa representatividade, o governo pode agir de alguma maneira para estimular o consumo e evitar que o marcador da atividade econômica de 2019 seja desastroso”, observa. No entanto, ele lembra que “qualquer estratégia do governo com o objetivo de incrementar o consumo seria paliativa e de curta duração.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, admitiu que o governo estuda liberar “muito em breve” recursos do PIS-Pasep e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para estimular o consumo.  Com a medida, a estimativa é de que R$ 22 bilhões sejam injetados na economia. No entanto, ele mesmo avisou sobre o curto alcance das medidas. “Se você abre essas torneiras sem as mudanças fundamentais, é o voo da galinha”. Faz uma liberaçãozinha aqui, baixa artificialmente os juros para reativar a economia. Nós não vamos fazer truques nem mágicas, vamos fazer as reformas sérias”, afirma o ministro.

Sem plano B

Em meio às turbulências, o governo segue apostando na agenda de reformas. Nos corredores do Planalto, a informação é de que não há um plano B. O governo trata as reformas como o grande trunfo para começar algo maior, já que espera que elas gerem impacto alto nas finanças públicas e no ânimo dos brasileiros.

Para “abrir os portões do crescimento”, como defende Paulo Guedes, a reforma da Previdência continua sendo a mais decisiva — aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a proposta de emenda à Constituição (PEC nº 6/2019) ainda precisa passar pela Comissão Especial e pelo plenário da Câmara antes de ir para o Senado. “Os investimentos de fora vão começar a entrar à medida que o Brasil implemente essas medidas. Estamos absolutamente seguros de que, fazendo essas reformas estruturais, o país vai retomar o crescimento sustentável”, garante Guedes.

Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Carlos von Doellinger reforça que a aprovação da reforma será a base para tudo. “É a medida fundamental. A partir dela, o governo poderá trabalhar com a agenda microeconômica. O setor privado terá melhores condições. Com o capital estrangeiro à disposição, poderemos reativar a economia com mais exportações”, pontua.

Para Doellinger, aumentar a taxa de investimentos é mais um ponto chave para a recuperação da economia. “Estamos com um indicador muito baixo, de 15%. Isso não ativa economia nenhuma. Seria importante que estivesse entre 18% e 19%. Só isso vai garantir a absorção de mão de obra dos mais de 13 milhões de desempregados e reduzir o efeito da estagnação da economia.”

Frase

“Redução dos juros de 6,5% para 5% diminuiria o custo de rolagem da dívida pública, o que gerararia uma economia de cerca de R$ 30 bilhões, quase o mesmo valor que foi  contingenciado do orçamento em março”

José Luís Oreiro, professor de Economia da UnB

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Crédito encolheu

 

 

 

 

 

Hamilton Ferrari

03/06/2019

 

 

 

A fraca atividade econômica e a queda da demanda para o consumo fizeram desaparecer R$ 365 bilhões do mercado de crédito. Segundo o Banco Central (BC), de dezembro de 2014 a abril de 2019, o saldo de financiamentos caiu de R$ 3,632 trilhões para R$ 3,267 trilhões, tanto para as empresas, quanto para os consumidores. O desempenho dos empréstimos também influenciou o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) no trimestre. De acordo com o BC, o volume de crédito caiu de 52,3% para 47% em  relação ao PIB  no período,  sinal de fraqueza para retomar o crescimento.

Para o economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes,  boa parte das perdas estão relacionadas à diminuição da carteira do BNDES. Entre 2014 e 2018, o saldo da estatal passou de R$ 220 bilhões para R$ 70 bilhões . “A redução do crédito direcionado se deve ao BNDES, que está abrindo espaço para o crédito livre e  para a emissão de debêntures e outros instrumentos de mercado de capital”, comunicou a estatal, em nota.

Os dados do crédito em proporção do PIB mostram que, em 2019, os financiamentos voltaram a perder força. Em dezembro, a porcentagem chegou a atingir 47,7%, mas recuou para 47% em abril. O IBGE mostrou que o PIB recuou 0,2% nos três primeiros meses do ano, frente ao quarto trimestre de 2018. A última vez que o índice havia ficado no vermelho foi no quarto trimestre de 2016. Conforme dados do BC, o volume de crédito cresceu apenas 0,3% entre janeiro e maio, com  queda de 2,8% para os financiamentos das empresas e avanço de 2,9% para os consumidores.

Guilherme Macêdo, sócio da Vokin Investimentos, afirma que a redução dos empréstimos do BNDES  impacta bastante no mercado. Tanto é que, em recursos direcionados — aqueles que são empréstimos subsidiados, principalmente pela estatal — , o saldo tombou 4,2% para Pessoa Jurídica. “A economia tem demonstrado recuperação, mas a mudança de perfil do BNDES mostrou que a iniciativa terá um protagonismo maior no mercado de crédito. Só que ainda não há oferta dos bancos porque a economia ainda está se recuperando de forma lenta.  A sinalização é de que a iniciativa privada tenha mais espaço para realizar essas operações e a taxa deva cair pela concorrência mais para frente”, diz.

O economista Daniel Xavier explica que o mercado de crédito tem ritmo determinado pela atividade. “Mas quando olhamos para o que os principais bancos estavam esperando, creio que os financiamentos estão surpreendendo para baixo. Lembro que apontavam uma expansão do crédito em torno de 10% e 11% em 2019, isso com o PIB rondando um crescimento de 2,5%.”