Correio braziliense, n. 20467, 04/06/2019. Política, p. 2

 

Senado aprova MP nos instantes finais

Simone Kafruni

Rodolfo Costa

04/06/2019

 

 

Poder » Medida provisória do “pente-fino” no INSS foi votada depois de acordo para incluir na reforma da Previdência gatilho para renovar cadastro de trabalhadores rurais. Prejuízos com as atuais falhas no sistema chegam a R$ 500 milhões por ano

Foi no limite do prazo, mas o governo conquistou mais uma vitória ontem com a aprovação do Projeto de Lei de Conversão 11/2019, proveniente da medida provisória 871/2019, que cria um programa de combate a fraudes no Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) e exige cadastro dos trabalhadores rurais. Aprovada em plenário pela Câmara em 29 de maio e enviada ao Senado no último dia 30, a MP corria o risco de caducar se não fosse votada. Após acordo, houve quórum de 68 senadores, e a MP passou com 55 votos a favor e 12 contra.

Apesar de os senadores estarem insatisfeitos com o prazo exíguo que a Casa teve para avaliar a MP 871, uma vez que a tramitação na Câmara consumiu quase a totalidade dos 120 dias (veja quadro), o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), conseguiu alinhavar um acordo com o líder da oposição, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), e evitar que a medida perdesse validade. Até as 16h30, a Casa tinha apenas 23 senadores presentes em plenário e a necessidade de 41 para votar a medida. O entendimento dos líderes foi decisivo para a vitória do governo ao garantir o quórum. “Depois do diálogo, com a presença do secretário da Previdência, Rogério Marinho, conseguimos as presenças necessárias”, disse Bezerra. Pelos termos do acordo, segundo Randolfe, a oposição viabilizou a votação, liberando senadores para votarem favoráveis ou contrários, sem pedido de verificação para não obstruir a apreciação.

Em contrapartida, o governo se comprometeu em acatar um destaque apresentado pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), para instituir um gatilho no prazo de validação dos dados de cadastro rural. Se ao longo de cinco anos não for viabilizado o cadastramento de, pelo menos, 50% dos trabalhadores rurais e pescadores do país, o prazo será renovado até ser exequível. “Queremos o combate a qualquer tipo de fraude. O que reivindicamos foi que não prejudicasse os mais pobres. Compreendemos que o prazo, seja de um ou cinco anos para cadastro nacional de trabalhadores rurais, é insuficiente para um sistema que tem quase 98% dos trabalhadores rurais e pescadores ainda sendo validados por sindicatos”, diz Randolfe.

O requerimento de Vieira não foi apresentado na MP, a fim de evitar que a proposta fosse alterada, retornasse à Câmara e perdesse validade. Os termos do acordo serão apresentados por Marinho ao relator da reforma da Previdência na Câmara, Samuel Moreira (PSDB-SP), para incorporação ao substitutivo. O acordo foi feito pelo bloco independente que responde pela oposição no Senado, composto por Rede, PDT, Cidadania e PSB — sem a participação do PT. Os entendimentos com o PT foram feitos na Câmara. “Essa matéria interessa ao Brasil, não divide os partidos. Todos estão a favor do combate à fraude”, disse Bezerra.

Desde que a MP 871 foi editada, em janeiro, a equipe econômica calcula avanços. “A concessão dos benefícios de forma virtual pelo INSS ultrapassa mais de 50%. São mais de 90 serviços analógicos oferecidos pela Previdência. A partir de 8 de junho, serão digitais”, destacou Marinho. Após apresentação do pedido, a liberação do serviço ocorrerá imediatamente se estiver dentro do parâmetro. “O governo tem obrigação de, em 45 dias, responder o pedido de concessão de benefício, mas isso não tem sido atingido. Temos prejuízo anual de R$ 500 milhões dada a ineficiência do sistema. A MP conseguiu um aumento de 1.400% na identificação de equívocos e ilícitos dentro do sistema e isso, certamente, será aprofundado com a ratificação da medida provisória.”

Problemas

A vitória aos “48 minutos do segundo tempo” do governo não apaga os problemas na articulação política. Enquanto Bezerra mostrou jogo de cintura e traquejo para costurar o acordo com a oposição, o mesmo não se pode dizer dos titulares da articulação política do governo na Câmara e no Congresso, lideradas pelos deputados Major Vitor Hugo (PSL-GO) e Joice Hasselmann (PSL-SP). Para deputados e senadores, é preciso afinar a interlocução e construir unicidade no diálogo.

As últimas MPs votadas na Câmara duraram quase os 120 dias de prazo. O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse no Twitter que a Comissão Mista Especial da MP 871 foi instalada em abril, mas apenas em 8 de maio o texto foi aprovado. O demista, no entanto, elogiou o relator da matéria no colegiado, deputado Paulo Eduardo Martins (PSC-PR). “Ficou 98 dias na comissão. Só chegou ao plenário dia 14/5, quando foi lida. Levou 11 dias úteis para ser votada e aprovada”, destacou, ressaltando que não faltaram esforços para aprovar uma “medida tão importante.”

Os comentários de Maia são recados claro à articulação governista na Câmara. Vitor Hugo carece de liderança junto às bancadas partidárias a ponto de, até hoje, ainda tentar construir uma relação com Maia. Hasselmann tenta maioria dialogando com partidos da centro-direita, mas é criticada por “tratorar” os próprios líderes e Vitor Hugo. Alinha-se às deficiências na interlocução a liberação de R$ 10 milhões em emendas parlamentares e cargos em troca de apoio à reforma da Previdência, algo que tem dificultado a construção de apoio. “Primeiro se aprova a Previdência e depois se discute o tamanho da base. Ninguém quer muita proximidade com o governo sob risco de ser acusado de fazer ‘toma lá da cá’ que o próprio presidente jurou combater”, disse um líder.

Para o líder do Podemos na Câmara, José Nelto (GO), será importante que as lideranças do governo criem uma sintonia harmônica e complementar. “Cada líder tem que cuidar da articulação que compete a si”, avaliou. Preocupado com a melhora na interlocução, o próprio presidente Jair Bolsonaro pediu que o deputado José Rocha (PL-BA), um dos vice-líderes governistas, trocasse a liderança no Congresso pela da Câmara, para auxiliar Vitor Hugo, confirmou ontem a deputada Bia Kicis (PSL-DF), uma das vice-líderes no Parlamento. “Os diálogos vão se acertar com o tempo”, ponderou.

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Desafios diários

04/06/2019

 

 

 

 

O relacionamento entre Câmara e Senado passa por um processo de aprimoramento que, na prática, vai impor desafios ao governo. Sob o comando do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), deputados devem votar amanhã, em plenário, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 70/2011, que altera as regras de prazos de tramitação de medidas provisórias (MPs) no Congresso. A matéria está parada desde 2015, mas um acordo costurado nas duas últimas semanas entre os presidentes das duas Casas vai dar prosseguimento ao texto.

A costura feita por Maia e pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), tem por objetivo evitar que os senadores sejam meros “carimbadores” do que é aprovado na Câmara. Atualmente, as MPs ficam em fase de apreciação na Câmara por quase a integralidade do período de vigência já somada a prorrogação das propostas, que contabiliza 120 dias. Sem tempo para analisar, o Senado tem se limitado a chancelar. A PEC 70 muda isso.

O texto original da Emenda à Constituição, proposta pelo ex-senador José Sarney, prevê o prazo de 80 dias para a Câmara votar, com trancamento da pauta da Casa após 70 dias transcorridos. O Senado teria 30 dias, com sobrestamento após 20 dias. Os deputados teriam mais 10 dias para analisar emendas apresentadas. Os deputados poderão votar a PEC original do Senado ou o relatório aprovado em comissão especial, que amplia os prazos para verificação de destaques.

A inserção da PEC 70 na pauta será discutida hoje, na reunião do colégio de líderes. Mas a articulação do demista vem sendo feita há mais tempo, e as lideranças partidárias mostram propensão em apoiar a pauta. A liderança do governo no Congresso se reúne hoje para discutir a agenda da semana e, consequentemente, a proposta. A articulação governista não planeja ir contra um acordo conjunto entre Maia e Alcolumbre, mas vai tentar alinhar o melhor texto para o Palácio do Planalto.

Afinal, com o prazo de MPs vencerem em 80 ou 70 dias na Câmara — a depender do texto da PEC votado em plenário —, serão menos dias para a interlocução do governo fechar acordo com as bancadas partidárias. Caso não seja votado dentro do período, caducaria já na Câmara. Nenhuma das últimas MPs apreciadas tramitou por menos de 80 dias. Maia “lavou as mãos” e se eximiu ontem de responsabilidade, ressaltando que a Câmara teve 12 dias para analisar a MP 871. “A matéria chegou muito tarde, e acho que esse é um bom exemplo que precisamos melhorar a tramitação das MPs”, destacou. (RC e SK)