O globo, n. 31363, 20/06/2019. País, p. 4

 

No ringue do Senado

Daniel Gullino

Jailton de Carvalho

20/06/2019

 

 

Durante 9 horas, Moro rebate ataques e promete sair se houver irregularidade

Esclarecimento. O ministro da Justiça, Sergio Moro, foi ao Senado após ser alvo de vazamento de mensagens atribuídas a ele com procuradores da Lava-Jato: mais elogios do que críticas na comissão

Em um depoimento de quase nove horas à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, o ministro da Justiça, Sergio Moro, negou que tenha cometido qualquer irregularidade em conversas com o procurador Deltan Dallagnol, mas afirmou que deixa o cargo se for comprovada alguma falha de conduta dele na Operação Lava-Jato.

Num ambiente marcado pela presença destacada de aliados, ele ficou à vontade para repetir o discurso que tem adotado sobre o caso, de que as mensagens divulgadas foram obtidas de forma ilegal por um grupo de criminosos interessados em destruir a Lava-Jato e atrapalhar o combate à corrupção. De 40 senadores que discursaram, 28 adotaram uma postura favorável a Moro. Alguns deles nem mesmo faziam perguntas, apenas elogios.

Num dos momentos mais tensos do debate, ao responder o senador Jaques Wagner (PT-BA), Moro cobrou que o site “The Intercept Brasil” divulgue de uma vez todo o conteúdo das supostas conversas para que a sociedade julgue se houve ou não impropriedade da parte dele.

— Então, estou absolutamente tranquilo quanto a isso, mas, se é esse o problema, então o site apresente tudo. Aí a sociedade vai poder ver, de pronto, se houve alguma incorreção da minha parte. Eu não tenho nenhum apego pelo cargo em si. Apresente tudo. Vamos submeter isso, então, ao escrutínio público. E, se houver ali irregularidade da minha parte, eu saio, mas não houve —disse o ministro.

Diante dos senadores, o exjuiz disse não reconhecer a autenticidade de trechos de supostos diálogos entre ele e Dallagnol divulgadas pelo site nas duas últimas semanas. O ministro argumentou que não pode comprovar a veracidade dos textos porque não lembra deles e por não ter mais o aplicativo Telegram. Moro levantou a possibilidade de adulteração dos diálogos. Mesmo assim, disse que não há qualquer crime nas conversas divulgadas:

— Sobre as mensagens que foram divulgadas, não posso afirmar a autenticidade, mas ali não há nada, não é só a minha opinião, mas de várias pessoas já citadas aqui, que denote qualquer quebra de imparcialidade ou de anormalidade.

Em outro momento, Moro foi mais incisivo, em resposta ao senador Fabiano Contarato (Rede-ES):

— Pelo que eu entendi da sua fala, o senhor defende a anulação de tudo então, todas as condenações, todas as denúncias, devolver o dinheiro para Renato Duque, Paulo Roberto Costa?

O ministro, no entanto, deixou perguntas sem respostas, entre elas se autorizaria o Telegram a fornecer a íntegra das conversas dele com Dallagnol. Moro se limitou a dizer que ele apagara o aplicativo e que, portanto, o acesso é impossível. No entanto, a política de privacidade do aplicativo informa que, mesmo quando as mensagens são apagadas, continuam disponíveis para o interlocutor, nesse caso, Deltan. No fim do dia, a força-tarefa da Lava-Jato divulgou nota informando que os procuradores deletaram seu histórico de mensagens após serem alvos da hackers.

Temperatura quente

A oposição tentou aumentar a temperatura da sessão. O senador Humberto Costa (PT-PE) perguntou se Moro estaria ali na condição de investigado ou de testemunha. A presidente da CCJ, Simone Tebet (MDB-MS), reagiu e informou que Moro estava ali como um ministro, não como testemunha e muito menos como investigado. O ministro disse que não responderia Costa por considerar “agressivos” os comentários do senador.

Em outro momento, chegou a dizer, em tom de advertência, que o senador Rogério Carvalho (PT-SE) estava fazendo acusações graves, falsas e que deveria se informar melhor. Depois de sugerir relacionamento de Moro com desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que endossaram a condenação do ex-presidente Lula, Carvalho quis saber quem teria pago supostas despesas de Moro com uma empresa de comunicação to para o ministro enfrentar um dia inteiro no Senado. Moro reagiu:

— O senhor está, de novo, fantasiando. Talvez o senhor tenha lido aí esses blogues fantasiosos, como esse que está fazendo essas ilações em cima dessas supostas mensagens, e está tirando conclusões precipitadas.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Um dia de ‘pavão misterioso’, robô e alô para Anne Kelly

Daniel Gullino

Jailton de Carvalho

20/06/2019

 

 

Filho do presidente, Flávio Bolsonaro cita teoria alvo de chacota nas redes e senador pede mensagem personalizada para irmã

Durante a audiência do ministro da Justiça, Sergio Moro, no Senado, Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, usou uma teoria de que o criador do site “The Intercept Brasil”, Glenn Greenwald, teria contratado um hacker russo para invadir o celular de autoridades brasileiras. A especulação foi divulgada no fim de semana por uma conta no Twitter chamada “Pavão Misterioso”, que foi contestada e alvo de chacotas na internet, entre outros motivos, por exibir um suposto extrato de criptomoeda com erros de grafia, além da ausência da identificação obrigatória para checagem de transferências desse tipo.

Flávio não citou a fonte e admitiu não saber se a história era verídica:

—Insisto aqui não há nada de comprovação, mas eu queria perguntar se a Polícia Federal está apurando esse caso.

A teoria também inclui a compra de mandato do ex-deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) por Glenn, para beneficiar seu marido, David Miranda. O ministro limitou-se a responder que a PF é responsável pelo caso e que nenhuma hipótese pode ser descartada.

O clima amistoso em relação a Moro entre a maioria dos integrantes da comissão rendeu momentos descontraídos e inusitados. Jorge Kajuru (PSB-GO), por exemplo, divulgou o número do seu celular, pedindo que fosse hackeado.

Em outro momento, Selma Arruda (PSL-MT) elogiou Moro dizendo que não parava de receber em seu celular elogios ao ministro, que estariam sendo enviados pelos “robôs do Major Olímpio”. No dia anterior, durante a votação do decreto das armas, o senador Otto Alencar (PSD-BA) usou essa expressão para reclamar de mensagens pedindo a manutenção do decreto.

Houve muitos elogios rasgados a Moro. Styvenson Valentim (Podemos-RN) iniciou sua fala dizendo que sua família toda, incluindo ele, é fã do ministro. O ministro pediu que seus agradecimentos fossem transmitidos aos familiares do senador, que, nesse momento, fez questão de citar nominalmente sua irmã:

—Senador, agradeço inicialmente as palavras gentis. Peço que transmita os meus agradecimentos aos seus familiares.

—Anne Kelly o nome da minha irmã.

—Como?

—Anne Kelly. —Anne Kelly. Transmita a ela. Muito obrigado.