O Estado de São Paulo, n.45907, 26/06/2019. Política, p. A10

 

'Se fosse parlamentar, Moro estaria cassado'

Andreza Matais 

26/06/2019

 

 

Vazamentos. Para Davi Alcolumbre, CPI para apurar conduta de Moro não é prioridade

O presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), disse que, se as mensagens divulgadas pelo site The Intercept Brasil forem “verdade”, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, “ultrapassou o limite ético” ao se relacionar com os procuradores da Lava Jato enquanto era juiz do caso em Curitiba. “Se fosse deputado ou senador, estava no Conselho de Ética, cassado ou preso. Nem precisava provar se tinha hacker”, comparou.

O site tem divulgado uma série de mensagens que atribui a Moro e a procuradores supostamente trocadas pelo aplicativo Telegram. Nos diálogos, não reconhecidos pelos envolvidos, há conversas sobre as investigações. A Polícia Federal apura ataque de hacker aos telefones das autoridades. O The Intercept Brasil alega que recebeu o material de fonte anônima.

“Em sendo verdade, são muito graves. Muito graves. Ultrapassou o limite ético. Não era para ter tido conversa naquele nível entre julgador e acusador. Se isso for verdade, terá um impacto grande em relação a procedimentos”, afirmou Alcolumbre durante jantar promovido anteontem pelo jornal digital Poder360 para executivos e jornalistas. O Estado participou como convidado.

O Presidente do Senado observou, contudo, que não é possível dizer que o conteúdo das mensagens reveladas pelo site seja verdadeiro. E relatou experiência pessoal. Disse que recentemente foram atribuídas a ele declarações feitas por um perfil fake no Twitter, quando aprendeu que é preciso ter cautela no julgamento. O microblog já cancelou a conta falsa.

Apesar das observações, Alcolumbre afirmou que não vê motivos para anular a Lava Jato. A operação desbaratou um esquema de corrupção na Petrobrás envolvendo grandes empreiteiras, servidores públicos, doleiros e políticos. Entre os presos está o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acusado de receber da OAS um triplex em troca de favorecimento da empresa em contratos com a petroleira. A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu ontem manter Lula preso até uma decisão sobre a suspeição de Moro.

Alcolumbre disse que trabalhou pessoalmente para convencer senadores a desistirem de propor uma CPI para investigar a conduta de Moro quando juiz. Argumentou que essa não é a agenda de um País que tem “desempregados, pessoas precisando de hospital, médico”. A prioridade do Congresso é a reforma da Previdência. “Convenci várias pessoas a não fazer isso.” Nessa empreitada, o senador contou com o apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também contrário à comissão de inquérito.

A força-tarefa dos dois políticos deu resultado. A oposição tentou coletar assinaturas para apresentar um pedido de CPI, mas até hoje não conseguiu reunir as 171 necessárias na Câmara ou as 27 no Senado para propor a abertura da investigação.

‘Besteira’. Durante o jantar, Alcolumbre rebateu críticas do ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, aos senadores que questionaram Moro de forma mais dura em audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na semana passada.

“O general Heleno falou besteira”, disse, complementando que foi Moro quem se ofereceu para ir ao Senado prestar esclarecimentos. Heleno afirmou, na ocasião, que “alguns protagonistas desse criminoso projeto de poder (desbaratado pela Lava Jato) e enriquecimento ilícito participaram, com a cara mais lavada do mundo, dessa inquisição ao ministro Moro”.

O ex-juiz tem recebido apoio de militares e do próprio presidente Jair Bolsonaro, que tem reiterado confiança nele.

Na audiência pública com os senadores, Moro disse que não tem “apego ao cargo” e admitiu a possibilidade de deixar o governo caso seja constatada ilegalidade. Justificou que agiu de acordo com a lei e cobrou que o The Intercept Brasil divulgue de uma vez todo o conteúdo a que teve acesso. O site tem publicado as conversas em capítulos.

Dos 40 senadores que falaram na audiência pública, 27 evitaram polêmica – vários manifestaram apoio ao trabalho do ministro enquanto era juiz. Outros 13 concentraram o discurso em críticas a Moro – entre eles, parlamentares de PT, PDT, Rede, PSB e MDB. O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), sugeriu a Moro que tivesse a “humildade” de pedir demissão. O ministro disse que não responderia ao petista por considerar a pergunta ofensiva.

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Raquel vê 'efeito paralisante' em lei do abuso 

Fausto Macedo 

Pepita Ortega 

26/06/2019

 

 

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, afirmou que pontos de um projeto de lei da Câmara que caracterizam como crime de abuso de autoridade infrações disciplinares cometidas por promotores de Justiça e procuradores da República e juízes podem ter “um efeito paralisante sobre a atuação dessas autoridades no combate ao crime organizado e na apuração de irregularidades eleitorais”.

Raquel se reuniu anteontem com dirigentes de associações do Ministério Público e do Judiciário para tratar do Projeto de Lei da Câmara (PLC) 27/2017 (10 medidas contra a corrupção). “Tais medidas, se aprovadas pelo Congresso, vão fortalecer o crime organizado, prejudicar o combate à corrupção e destruir o sistema penal acusatório”, afirmou a Procuradoria. Na reunião, representantes do Ministério Público e do Judiciário ressaltaram que a legislação já prevê punições aos integrantes dessas instituições que cometem infrações disciplinares.

Para o presidente da Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas), Ângelo Farias da Costa, a maior preocupação é que “o projeto criminaliza as prerrogativas funcionais atribuídas a juízes, procuradores e promotores pela Constituição Federal”.

Atribuição. Além disso, na avaliação da Procuradoria, ao permitir que a Ordem dos Advogados do Brasil assuma a ação penal caso discorde de arquivamento promovido pelo Ministério Público, “o projeto destrói o sistema penal acusatório brasileiro”. “Permitir que a defesa assuma o papel de acusação representa quebra desse tripé definido pela Constituição, que atribui ao Ministério Público o papel exclusivo para acusar e pedir o arquivamento de processos.”

As associações elaboraram nota que será enviada às lideranças do Senado apontando “os riscos que a aprovação do PLC traz para o combate à corrupção e ao crime organizado”.

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Oposição pede saída de ministro durante depoimento de jornalista

Renato Onofre 

26/06/2019

 

 

Audiência. Greenwald é editor do site The Intercept Brasil

A oposição aproveitou ontem a presença do jornalista Glenn Greenwald, editor e fundador do site The Intercept Brasil, em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, para pedir a demissão do ministro da Justiça, Sérgio Moro, e defender a soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso por ele quando juiz da Lava Jato.

A bancada do governo tentou esvaziar a sessão ao não se inscrever para falar. O jornalista foi convidado a se manifestar sobre a publicação de supostas mensagens trocadas entre Moro e procuradores da Lava Jato extraídas do aplicativo Telegram. Nelas, teriam combinado o passo a passo da investigação.

Com a ausência da bancada pró-Moro, Glenn foi mais elogiado do que questionado. Os petistas, na maioria das vezes, tentaram usar a revelação como justificativa para o pedido de liberdade de Lula. Ontem, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal negou o pedido de liberdade do petista. “O juiz Moro violou o ordenamento jurídico brasileiro, violou a nossa Constituição Federal e comandou uma operação política que tinha como objetivo chegar ao poder”, disse o líder do PT, José Guimarães (CE).

A deputada Policial Katia Sastre (PL-SP) questionou Greenwald sobre uma suposta negociação para que seu companheiro, Davi Miranda (PSOL-RJ), assumisse o mandato do ex-deputado Jean Wyllys, que renunciou antes de assumir a vaga para a qual foi eleito. “Quem deveria ser julgado e sair daqui preso pelo crime teria que ser o jornalista que cometeu um crime com o hacker”, afirmou a deputada. O The Intercept Brasil sustenta que recebeu o material de fonte anônima. A Polícia Federal investiga ataque de hacker aos telefones de Moro e de procuradores.

O clima esquentou quando o deputado José Medeiros (Podemos-MT) questionou o jornalista sobre seu “parceiro sexual”. Greenwald respondeu que é casado com Davi Miranda e lembrou que homofobia é crime. O termo foi retirado das notas taquigráficas.

Aos deputados, o jornalista voltou a afirmar que as supostas mensagens entre Moro e procuradores da Lava Jato mostram que houve “conluio”, o que é vedado pela Constituição. “O material já mostrou e vai continuar mostrando que Moro era o chefe da força-tarefa da Lava Jato, que era o chefe dos procuradores. Ele (Moro) está o tempo todo mandando o que os procuradores deveriam fazer e depois entrando no tribunal e fingindo que era neutro. Vai ter muito mais material ainda”, afirmou. Em entrevista ao Estado, o ministro disse não reconhecer a autenticidade das mensagens.

‘Punição’. Greenwald defendeu o sigilo a fonte como um fator inalienável e criticou o comportamento do ministro quando era juiz federal. Disse que “é impossível o combate à corrupção com comportamento corrupto” e que, em outros países do mundo, Moro iria sofrer sanções. “Nos Estados Unidos é impensável um juiz fazer o que foi feito. Se um juiz fizer uma vez o que Sérgio Moro fez durante cinco anos, vai sofrer muita punição”, afirmou.

O jornalista, que é americano, se queixou da tentativa dos adversários de desqualificá-lo, chamando-o, de estrangeiro.

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MBL e Vem Pra Rua organizam atos pró-Moro no Domingo 

Pedro Venceslau

26/06/2019

 

 

Ausentes nas recentes manifestações em defesa do presidente Jair Bolsonaro, no fim de maio, os grupos Vem Pra Rua e Movimento Brasil Livre (MBL) convocaram para o domingo atos em todo o País em defesa do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro.

O ministro tem sido alvo de críticas depois de o site The Intercept Brasil publicar mensagens atribuídas a ele, na época em que era juiz, e a integrantes da força-tarefa da Lava Jato. Essas conversas, segundo o site, indicariam interferência de Moro no andamento das investigações da operação. A Polícia Federal abriu inquérito para investigar a invasão do celular do ministro e de procuradores.

Os dois grupos, que lideraram os movimentos de rua pelo impeachment da presidente cassada Dilma Rousseff, afirmam que optaram por adotar uma agenda que não inclui a defesa do governo Bolsonaro. Além do apoio a Moro, eles defendem o pacote anticorrupção enviado pelo ministro ao Congresso – cuja tramitação tem enfrentado resistência de parlamentares – e a reforma da Previdência.

Os movimentos querem mobilizar o mesmo público entusiasta da Lava Jato que foi às ruas contra o PT e as denúncias de corrupção que atingiram o partido em 2015. “Os primeiros atos (em favor do governo) surgiram de uma rede coordenada que prega pautas com as quais não concordamos. O MBL não é pró-Bolsonaro e mantém uma linha independente. A decisão de participar agora foi uma reação à invasão do celular do Sérgio Moro”, disse Renato Battista, um dos coordenadores do Movimento Brasil Livre.

Segundo ele, surgiu agora “uma necessidade” de defender a Lava Jato. Sobre a suposta mensagem na qual Moro teria chamado os integrantes do MBL de “tontos”, Battista afirmou que o episódio foi levado por eles “na brincadeira”. “Muitos querem jogar o MBL contra a Lava Jato”, disse.

O grupo de Kim Kataguiri e Fernando Holliday vai receber em seu carro de som políticos que despontaram no MBL e que hoje são filiados ao DEM.

Proposta. Porta-voz do Vem Pra Rua, Adelaide Oliveira reforçou o discurso de independência em relação ao presidente Bolsonaro e fez uma defesa enfática do ex-juiz da Lava Jato. “O hackeamento do telefone dele foi um crime. O conteúdo revelado até agora, segundo juristas, não é comprometedor”, afirmou Adelaide.

Questionada sobre a ausência do grupo nos atos mais recentes, a porta-voz disse que as manifestações pró-Bolsonaro estavam “excessivamente personalistas”. “Não apoiamos governo nenhum, mas ideias.”

Já o movimento Nas Ruas, que também esteve na linha de frente em 2015, apoia Bolsonaro e estará na manifestação de domingo em defesa de Moro. Desta vez, porém, o presidente não estará na pauta. “Não vejo necessidade de defender o Bolsonaro agora”, disse a deputada Carla Zambeli (PSL-SP), fundadora do Nas Ruas.