O Estado de São Paulo, n. 45901, 20/06/2019. Política, p. A4

 

Moro depõe por 8 horas e diz não ter ‘apego’ ao cargo

 

 

 

 

Amanda Pupo

Daniel Weterman 

 

 

Congresso. Ministro da Justiça responde a perguntas de senadores sobre suposta troca de mensagens com procuradores e admite deixar governo caso seja provada irregularidade

 

GABRIELA BILÓ/ESTADÃO

Na CCJ. ‘Pode ter havido alguma troca de mensagens (com procuradores), mas nada que não tenha sido normal se fosse presencial’, disse Moro

 

Acostumado a fazer as perguntas, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, teve ontem seu “dia de réu”. Passou oito horas e meia respondendo aos questionamentos dos senadores na Comissão de Constituição e Justiça da Casa sobre supostas mensagens que sugerem atuação conjunta com os procuradores da Lava Jato quando ele era juiz federal. Pela primeira vez, disse não ter “nenhum apego ao cargo” e admitiu a possibilidade de deixar o governo caso seja constatada ilegalidade.

O ministro voltou a dizer que agiu de acordo com a lei e cobrou que o site The Intercept Brasil, que publicou a suposta troca de mensagens, divulgue de uma vez todo o conteúdo a que teve acesso. “Então, o site apresente tudo, e aí a sociedade vai poder ver de pronto se houve alguma incorreção da minha parte. Eu não tenho nenhum apego pelo cargo em si. Apresente tudo, vamos submeter isso ao escrutínio público. E, se houve ali irregularidade da minha parte, eu saio, mas não houve, porque eu sempre agi com base na lei”, disse o ministro.

Moro se dispôs a ir à audiência dois dias após a divulgação das mensagens, quando parlamentares falavam em criar até uma CPI para investigar o caso. Quarenta e três senadores se inscreveram para debater com o ex-juiz acusações de parcialidade na condução da Lava Jato. Os maiores ataques foram do PT, que teve o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva condenado por Moro na ação do triplex do Guarujá (SP).

Diante de um clima favorável na comissão , Moro disse que não poderia reconhecer a autenticidade das mensagens, mas tampouco negou que elas sejam verdadeiras. O ministro voltou a dizer que não há irregularidade nos conteúdos apresentados, mas “sensacionalismo”. Declarou ainda não ter praticado nada de ilícito enquanto era juiz responsável pelo julgamento da Lava Jato em Curitiba.

“Evidentemente, pode ter havido alguma troca de mensagens, mas nada que não tenha sido normal se fosse presencial. Não estou dizendo que reconheço autenticidade, não tenho como dizer disso”, disse. Moro levantou a possibilidade de as mensagens terem sido alteradas antes de serem publicadas. Alegou, no entanto, não possuir mais o conteúdo das conversas.

O ex-juiz disse que acionou a Polícia Federal no dia 4 de junho, quando percebeu que seu celular havia sido atacado. Ele reconheceu, também, ter usado o aplicativo Telegram até 2017 .

 

Balanço. Para se defender da acusação de que houve conluio, ele apresentou dados sobre as ações e sentenças da Lava Jato. Citou que houve 45 sentenças judiciais e que o Ministério Público recorreu de 44. Segundo Moro, 91 dos 298 pedidos de prisão foram indeferidos. “Falouse muito em conluio. Os dados são um indicativo de que não há convergência absoluta entre Ministério Público e juízo ou entre polícia e juízo.”

O ministro reafirmou que a invasão foi realizada por um grupo criminoso organizado. Para ele, o objetivo dessa ação seria invalidar condenações por corrupção e lavagem de dinheiro, interromper investigações em andamento ou “simplesmente” atacar instituições.

Ele voltou a negar que tenha condicionado o convite para entrar no governo à indicação para o Supremo Tribunal Federal. “É uma fantasia”, declarou Moro. “Não sei se vou querer, não sei se ele (Bolsonaro) vai me oferecer, não é uma questão posta agora no radar.”

A declaração foi feita em resposta ao senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). O parlamentar relatou que estava com o pai quando o presidente conheceu Moro e também negou que tenha havido a promessa de uma vaga no Supremo.

O contraponto foi do senador Jaques Wagner (PT-SP). O petista perguntou a Moro se não seria de “bom tom” se afastar do cargo, dada a repercussão do caso. Foi essa questão que levou Moro a dizer que não tem apego ao cargo.

Moro também foi indagado sobre o projeto de lei de abuso de autoridade, que deve ser votado pelo Senado na próxima semana. O ministro declarou que ainda precisa conhecer o relatório sobre a proposta.

 

'Agi com base na lei'

“Não tenho nenhum apego pelo cargo. Apresente tudo, vamos submeter isso ao escrutínio público. Se houve ali irregularidade da minha parte, eu saio, mas não houve, porque eu sempre agi com base na lei.”

 

“Pode ter havido alguma troca de mensagens, mas nada que não tenha sido normal se fosse presencial. Não estou dizendo que reconheço autenticidade, não tenho como dizer isso.”