Título: Conflitos agrários matam 43 índios
Autor: Chaib, Julia ; Castro, Grasielle
Fonte: Correio Braziliense, 08/10/2012, Brasil, p. 14

Segundo o Conselho Indigenista Missionário, brigas porterraforam responsáveis pelos assassinatos deste ano.

O número deve crescer com a insatisfação das etnias diante da portaria da AGU que regulamenta o uso das áreas

A garantia dos direitos aos índios na Constituição Federal, por vezes, não se aplica à realidade. Derivados de um processo histórico, os conflitos em terras indígenas parecem estar longe de cessar. As tensões entre índios e não índios, normalmente, acarretam em brigas e mortes.Neste ano, segundo dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), 43 indígenas foram assassinados, um a mais que a quantidade registrada de janeiro a outubro do ano passado. Emtodo o ano de 2011, foram51 mortes e, em 2010, 60. Embora os números tenham decrescido, especialistas do Cimi e da Articulação dos Povos Indígenas Brasileiros (Apib) acreditam que o total de assassinatos neste ano será maior. Alguns dos motivos para a estimativa são a tramitação da PEC 215—que inclui a avaliação do Congresso Nacional no processo de demarcação de terras—e a Portaria 303 da Advocacia- Geral da União (AGU), que entrará em vigor para regulamentar o uso dessas áreas.

Segundo a antropóloga Rita Laura Segato, a questão central dosconflitos é fundiária."O fazendeiro pensa a riqueza da terra como um meio de produção contínuo, de geração de capital. Para o índio, a visão é outra. A briga da terra não se dá apenas pela moradia, mas também pela maneira como se usa o território", diz. "A outra questão é que juízes e pessoas de poder no governo,emcertos casos, enxergam com os olhos dos fazendeiros", acrescenta.

O coordenador da Articulação dos Povos Indígenas Brasileiros (Apib), o índio Marcos Subaru, diz que os problemas não ocorremsó em virtude de não indígenas nas terras, mas também de empreendimentos governamentais. "Obras como a de Belo Monte e a transposição do Rio São Francisco também geram uma série de conflitos". Subaru ressalta a Portaria 303 da AGU, publicada em 16 de julho deste ano, como outro ponto de confronto. Para ele, o texto é uma ameaça à autonomia, inviabiliza novas demarcações de terras e abre precedentes para a revisão das que já estão homologadas.

O documento autoriza a União a realizar obras necessárias à prestação de serviços públicos, especialmente os de saúde e educação, em reservas indígenas demarcadas. A portaria garante ainda a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal nas regiões sem consulta prévia. Questionada por lideranças indígenas, a proposta entrará em vigor na data em que o SupremoTribunal Federal publicar o acórdão sobre os embargos do caso da Raposa Serra do Sol— no qual se discute os processos de demarcação. Emnota, a AGU confirmouaoCorreio que sua posição está descrita na portaria. A FundaçãoNacional do Índio (Funai) foi procurada pela reportagem para comentar o caso, mas não respondeu a solicitação.

Confrontos internos

No Brasil, o Mato Grosso do Sul é o estado de maior conflito em terras indígenas. Dos 43 índios assassinados neste ano, 27 eram da região, todos da etnia Guarani Kaiowá. A comunidade é a segunda maior do país, com 43 mil pessoas, perdendo somente para os Tikuna, no Amazonas, com 46 mil integrantes. Para os Guarani Kaiowá, desde 1991, foram homologadas oito terras no estado. De acordo com o coordenador do Cimi na região, Flávio Vicente Machado, o conflito local se dá em duas esferas: interna e externa. "Os Guarani Kaiowá são muitos e as terras demarcadas para eles são proporcionalmente pequenas. Normalmente, quando há um conflito interno, as pessoas se afastam, eles não têm essa possibilidade, e isso aumenta os problemas", diz.

Além das brigas entre eles, o embate com grandes fazendeiros da região também engrossa as estatística de mortes. "Não conseguimos especificar quantos desses assassinatos foram internos ou externos. Mas, quando ocorrem com latifundiários, normalmente são situações em que os indígenas vão atrás de suas antigas terras e oconfronto ocorre", explica Machado.

O caso da etnia Xavante, na terra Marãiwatsédé, no Mato Grosso, também éumdos piores do país. Em1966, os indígenas foramretirados para a instalação de uma fazenda, porém,em1992, a terra foi devolvida a eles.Desde então, de acordo com o secretário executivo da Cimi, Cléber Buzatto, invasões no território são corriqueiras. "Este ano foi determinada a retirada de todos os não indígenas. Porém, ainda não ocorreu o procedimento: o TRF-1, em Brasília, suspendeu a ação. A situação é emblemática e é uma das principais áreas de conflito do país". O Cimi ainda não contabilizou o número de mortos na região neste ano.

Na Paraíba, nove caciques do povo Potiguara estão ameaçados de morte. Eles estão no programa de Defensores da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Cléber Buzatto diz que o problema está nos fazendeiros que invadem a terra indígena para fazer lavouras de cana-de-açúcar.