Correio braziliense, n. 20469, 06/06/2019. Brasil, p. 5

 

Homicídio por arma de fogo cresce 6,8

Ingrid Soares

Marina Torres

06/06/2019

 

 

Violência » Dado de 2017 consta de estudo do Ipea e do Fórum Nacional de Segurança Pública. Levantamento mostra que o número total de assassinatos bateu recorde no país e alcançou 65,6 mil pessoas. Mortes atingem, principalmente, população masculina entre 15 e 19 anos

O Brasil bateu o recorde no número homicídios em 2017. É o que aponta o Atlas da Violência de 2019, divulgado ontem pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Naquele ano, 65.602 pessoas foram assassinadas no país, o que representou uma taxa de 31,6 mortes violentas para cada 100 mil habitantes, 4,2% maior que em 2016. Os casos de homicídio por arma de fogo avançaram 6,8%: foram notificadas 47.510 mortes, ante 44.475 no ano anterior.

O Atlas ressalta que, um ano antes, 56 pesquisadores brasileiros e estrangeiros que publicaram pesquisas sobre os efeitos do uso de armas de fogo na sociedade foram unânimes em afirmar que “o relaxamento da atual legislação [o Estatuto do Desarmamento] sobre o controle do acesso às armas de fogo implicaria mais mortes e ainda mais insegurança no país”.

Os dados mostram que as mortes violentas atingem principalmente a população masculina jovem entre 15 a 19 anos. Analisando os 618 mil assassinatos praticados no Brasil entre 2007 e 2017, o Atlas observa que 92% das vítimas eram homens, e apenas 8% mulheres. Mas também cresceram os assassinatos de mulheres. A taxa passou de 3,9 para 4,7 mortas a cada 100 mil. O estudo foi elaborado com base no Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde.

A evolução das taxas de homicídios entre 2007 e 2017 foi diferenciada entre as regiões brasileiras. Enquanto houve uma diminuição nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, foi observada estabilidade do índice na região Sul e um crescimento acentuado no Norte e no Nordeste. Ceará, Acre e Rio Grande do Norte estão entre os estados com o maior crescimento da violência em 2017.

Segundo os pesquisadores, o forte crescimento da letalidade no Norte e no Nordeste pode ser explicado pela guerra de facções criminosas entre os dois maiores grupos de narcotraficantes do país, o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) e facções aliadas.

O Distrito Federal foi a segunda unidade federativa com maior redução na taxa de homicídios em 2017, ficando atrás apenas de Rondônia. A queda vem ocorrendo desde 2012, tendo atingido 44,3% no período. Segundo o Atlas, fatores como a melhoria das investigações realizadas pela Polícia Civil  e a política de apreensão de armas da Polícia Militar contribuíram para este resultado.

O impacto da violência também pode ser sentido na economia. O Ipea apontou que os gastos relacionados à violência consomem 6% do Produto Interno Bruto (PIB),  equivalente ao que o Estado investe em educação.

O pesquisador do Ipea Daniel Cerqueira disse que, se não fosse o Estatuto do Desarmamento, a taxa de homicídios em 2017 teria aumentado 12% acima da verificada entre 2004 e 2007. “Há um efeito de composição. As guerras de facções e as chacinas em presídios puxaram o número para cima. Existem, por outro lado, forças puxando o número para baixo, como o Estatuto do Desarmamento”, avaliou.

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LGBTI: mais mortes

06/06/2019

 

 

 

 

O Atlas da Violência trouxe um capítulo inédito sobre a violência contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais (LGBTI+). Segundo os pesquisadores, como não há dados sobre o tamanho da população LGBTI , uma vez que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não faz pesquisa sobre orientação sexual, foram utilizados informações do Disque 100, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e do Ministério da Saúde.

Com isso, foi possível inferir que o número de assassinatos de integrantes da comunidade LGBTI tenha aumentado 126%, com forte crescimento nos últimos seis anos, saindo de um total de cinco casos, em 2011, para 193 casos, em 2017.

Os pesquisadores afirmam que o aumento poderia ser justificado pela diminuição da subnotificação no período. Contudo, se isso explicasse totalmente o crescimento de homicídios de pessoas LGBTI , não deveriam ser observadas dinâmicas contrárias nas denúncias totais, nas denúncias de lesão corporal, ou ainda nas denúncias de tentativa de homicídio para essa mesma população, que diminuíram, durante o período. Inclusive, o número de homicídios supera o número de tentativas de homicídio a partir de 2014.

O estudante de administração Alexandre Cardoso, 21 anos, conta que já enfrentou na pele a homofobia. Na ocasião, estava abraçado a um amigo quando foi abordado pelo diretor de um clube que exigiu que ele se retirasse. “Passei o dia no clube, estava com um amigo, e, quando fui me despedir dele, um rapaz passou no banheiro e veio em nossa direção. Ele se identificou como diretor do clube e nos disse que não iria embora enquanto não saíssemos do clube e começou a falar que estávamos sujando a imagem do local”, disse.

Onda conservadora

Para o representante da Aliança Nacional LGBTQi de Brasília, Michel Platini, o crescimento da violência contra o grupo é reflexo da situação político-social do país. “É o reflexo do momento que estamos vivendo. Aconteceu mais nos últimos dois anos, relacionado ao crescimento de uma onda conservadora que vem ocupando o país. Esse tipo de discurso é pedagógic,  tanto para o bem como para o mal , analisa.

Platini acredita que a criminalização da LGBTfobia, que consta de projeto de lei aprovado ontem em uma Comissão da Câmara, é uma saída para quem sofre da violência. “A população LGBT era o único grupo que estava desassistido pela lei. Essa omissão dos poderes não era só legislativa, ela corroborava para esse crescimento”, avaliou. (IS e MT)

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Negros: maior alvo

06/06/2019

 

 

 

Os negros são as maiores vítimas da violência intencional, representando 75,5% das vítimas de homicídio em 2017. Para essa parcela da população, a taxa de mortes chega a 43,1 por 100 mil pessoas, ante 16 por 100 mil dos não negros. Em 2016, foram 45.378 mortes de negros. Em comparação com o ano de 2017, que contabilizou 49,5 mil homicídios, o aumento foi de 9,1%.

Os cinco estados com maiores taxas de homicídios de negros são Rio Grande do Norte, com 87,0 mortos a cada 100 mil habitantes negros, seguido por Ceará (75,6), Pernambuco (73,2), Sergipe (68,8) e Alagoas (67,9).

Daniel Cerqueira, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), afirmou que a diferença no número de homicídios contra negros está baseada na diferença do posicionamento econômico e do racismo estrutural e institucional que existe na sociedade.

“Por um lado, você tem o negro, que é sub-representado, sendo maioria entre os mais pobres. Existe também o racismo histórico, que são discriminações não só no processo educacional, mas também no mercado de trabalho. O negro recebe menos e é interditado em alguns segmentos. O tratamento conferido pela polícia, por exemplo, é diferente para negros e não negros, e, eventualmente, pode reforçar os números. Então, há um mecanismo direto de racismo institucional”, concluiu. (IS e MT)