O Estado de São Paulo, n.45894, 13/06/2019. Política, p. A10

 

Planalto age para caso Moro não alcançar Bolsonaro 

Eliane Cantanhêde

13/06/2019

 

 

É seguindo conselhos de ministros, militares e assessores que o presidente Jair Bolsonaro tenta se equilibrar entre duas posições após a divulgação de supostas trocas de mensagem entre o então juiz Sérgio Moro e o procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol: não atrair a crise para dentro do Planalto, mas, ao mesmo tempo, “não jogar homem ao mar”, ou seja, nem assumir a linha de frente e mobilizar o governo para a defesa de Moro nem simplesmente abandonar o agora ministro da Justiça, um dos principais troféus do governo.

É assim que Bolsonaro tem evitado declarações públicas sobre os fatos em si e as mensagens que foram reveladas pelo site The Intercept Brasil, mas fazendo gestos de apoio à figura de Moro e tirando fotos ao lado dele. Três dias após a divulgação, Bolsonaro e seu porta-voz, general Otávio do Rêgo Barros, praticamente não tinham se referido ao episódio, mas presidente e ministro da Justiça se reuniram na segunda-feira, voltaram a se encontrar ontem, em almoço com a presença do diretor-geral da Polícia Federal, delegado Maurício Valeixo, e acertaram ir juntos ao jogo entre CSA e Flamengo, na mesma noite, no Estádio Mané Garrincha, de Brasília, com grande visibilidade.

A princípio, a informação do governo era de que a conversa serviu para tratar de uma medida provisória que trata da apreensão de bens de traficantes. Mais tarde, o porta-voz admitiu que os vazamentos foram tema da conversa.

Na avaliação do Palácio do Planalto e dos principais interlocutores do presidente, as revelações trazem desgaste, porque mostram contatos e conversas inadequadas de um juiz com procuradores – que têm o papel de acusação em ações judiciais –, mas o principal, do ponto de vista político, é que a opinião pública continua, majoritariamente, simpática a Moro e à Operação Lava Jato.

Em resumo: pode não gostar de ver Moro envolvido numa história no mínimo mal contada, mas dá prioridade a toda a atuação e à simbologia de Moro no combate à corrupção.

Dúvidas. Há, porém, duas dúvidas: quanto ao material ao qual o site teve acesso, graças a invasões ilegais de celulares de juízes e procuradores, e quanto aos efeitos práticos das reações e pressões do mundo jurídico, sobretudo envolvendo a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O governo não sabe, até agora, se o site divulgou todo o material mais comprometedor, ou se guarda cartas na manga para lançar estrategicamente, quando, e se, a pressão contra Moro aumentar. Também não sabe se as revelações podem causar uma reviravolta na condenação e nos processos de Lula, o que teria grande impacto popular.

Na versão divulgada sobre as mensagens trocadas por meio do aplicativo Telegram, Moro dava orientações aos procuradores da força-tarefa e chegou a sugerir uma testemunha de acusação contra Lula, o que vem sendo recriminado, por exemplo, por advogados, associações e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ameaçando a nomeação de Moro para a Corte, possivelmente, no próximo ano./  COLABOROU TEO CURY

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'Relação de camaradagem e confiança'

13/06/2019

 

 

O porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, disse ontem, que a relação entre o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Justiça, Sérgio Moro, é de “sã camaradagem” e “confiança”. “O presidente vem se relacionando com o ministro Sérgio Moro, e não apenas com ele, mas com todos os ministros do governo, em um ambiente de sã camaradagem e de confiança”, afirmou o porta-voz. Segundo Rêgo Barros, na reunião ocorrida ontem com Moro e o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, Bolsonaro tratou do caso das conversas vazadas atribuídas ao ex-juiz da Lava Jato.

Este foi o segundo encontro do presidente com o ministro nesta semana após a publicação das supostas mensagens. O encontro não estava na agenda oficial de Bolsonaro nem na de Valeixo até as 15h, apenas na de Moro – que não informava a presença do diretor-geral da PF.

De acordo com o porta-voz, o presidente acompanha o desenrolar do caso envolvendo Moro “com a serenidade que deve ser natural de um chefe de poder”. Questionado sobre a possibilidade de alguma mudança em uma eventual indicação de Moro ao Supremo Tribunal Federal no futuro, o porta-voz disse que um comentário sobre isso neste momento seria prematuro. “Isto está por demais longe de nosso horizonte e qualquer ilação em relação a isso não contribuiria com para a serenidade tão importante deste governo.”

Rêgo Barros afirmou ainda que, na reunião, Bolsonaro falou sobre um possível “reforço” no trabalho da PF na investigação do atentado a faca que ele sofreu no ano passado./ T.C.

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Senado desengaveta projeto para punir abuso de autoridade

Daniel Weterman 

Renato Onofre 

13/06/2019

 

 

Relator. Senador Rodrigo Pacheco, líder do DEM na Casa

O Senado voltou a discutir ontem uma proposta que endurece a lei de abuso de autoridade e que pode atingir o trabalho de investigadores. Na esteira das suspeitas de que o ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sérgio Moro, teria orientado a força-tarefa da Lava Jato, senadores desengavetaram um projeto que trata do assunto e incluíram na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A votação, porém, só deve ocorrer em até duas semanas.

O texto resgata a proposta das “10 medidas contra a corrupção”, originalmente apresentada pela força-tarefa da Lava Jato, mas que foi desconfigurada na Câmara. Relator do projeto, o líder do DEM no Senado, Rodrigo Pacheco (MG), manteve a redação do que havia sido aprovado pelos deputados em 2016. O pedido para que a medida fosse discutida partiu do Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

O projeto pune com reclusão de seis meses a dois anos condutas praticadas por autoridades ou agentes públicos “com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal”. Para se antecipar a críticas do Judiciário ao chamado “crime de hermenêutica”, o relator colocou um dispositivo no texto determinando que a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura, por si só, abuso de autoridade.

Pacheco, porém, negou que a discussão tenha entrado em pauta em reação ao caso envolvendo Moro. “Não é uma resposta”, disse o líder do DEM. “Esse projeto já estava no forno mesmo para ser apreciado, eu é quem estava um pouco atrasado (com o relatório)”, afirmou.

Acordo. De acordo com a presidente do colegiado, Simone Tebet (MDB-MS), o pedido para discutir a proposta foi feito ontem por Alcolumbre após acordo de líderes. PSL e Cidadania, no entanto, protestaram contra a retomada da proposta afirmando que não participaram da negociação. Outros líderes de partidos ouvidos pelo Estado de maneira reservada confirmaram que parlamentares usaram o discurso de que há um “sentimento” para encampar o projeto em cenário de exposição da Lava Jato.

“O projeto serve para punir quem abusa. Se for uma reação suprindo o vazio na lei, é uma reação bem-vinda”, disse o senador Renan Calheiros (MDB- AL), que apresentou em 2016 um projeto semelhante para punir o abuso de autoridade.

Para o líder do Podemos no Senado, Alvaro Dias (PR), uma mudança na legislação sobre abuso de autoridade só deveria ser discutida com o pacote anticorrupção apresentado em fevereiro por Moro, e não agora.

“Isso poderia induzir as pessoas a imaginar que esse projeto está sendo votado em razão do diálogo entre Moro e Deltan (Dallagnol, procurador em Curitiba) e, portanto, isso poderia significar para alguns que nós estamos votando um projeto de abuso de autoridade para limitar a ação de investigadores e julgadores, comprometendo os objetivos da Lava Jato”, disse.

Para juristas ouvidos pelo Estado, não há possibilidade de a lei aprovada atingir Moro ou qualquer outra autoridade envolvida nas supostas trocas de mensagens. “Qualquer lei que leva a uma sanção penal ou civil não retroage. Não há chance de qualquer lei que venha a ser feita ou sancionada agora punir supostos crimes que ocorreram no passado”, afirmou o presidente do Instituto Brasileiro de Direito Penal Econômico, Francisco Monteiro Rocha Júnior.