O globo, n. 31365, 22/06/2019. Artigos, p. 3

 

O novo papel do BNDES

Cláudio Frischtak

22/06/2019

 

 

Recentemente, o BNDES divulgou os dados de desembolso, aprovações e consultas de empréstimos no primeiro trimestre de 2019. Não há como tapar o sol com a peneira: o banco está definhando. Olhando as estatísticas que sinalizam o futuro — aprovações e consultas — estas refluíram 38% e 41% respectivamente frente ao mesmo período em 2018.

Pode-se argumentar que isso é natural no contexto de uma economia estagnada e investimentos em queda, em que o ônus da incerteza quanto à solvência do país continua a pesar sobre as empresas e a afetar de forma adversa as decisões de expandir e se financiar, seja junto a bancos ou ao mercado de capitais. Mas nem o comportamento do mercado de capitais nem tampouco o de crédito parece refletir o marasmo da economia da forma como o BNDES o vem fazendo. Isso é bom ou ruim? A resposta é menos óbvia do que parece. Por um lado, a introdução da TLP —uma taxa de juros mais alinhada ao mercado — e a queda da Selic reduziram de forma acentuada os subsídios propiciados pelo crédito do BNDES. Nesta perspectiva o país sai ganhando: afinal, se é para dar subsídios, vamos fazê-lo de forma transparente, e que seja votado e plasmado no orçamento. Se o banco quiser fazê-lo, que o faça desde que o controlador explicitamente aprove em conselho, que seja transparente, com uma forte justificativa econômica com base nos retornos sociais do investimento, e que saia de seus lucros, e não das costas do trabalhador (ao tomar recursos do FAT em condições generosas, em oposição a recorrer ao mercado de capitais para se financiar —agora talvez um imperativo). A convergência TLP/Selic também expôs o banco a mais competição; saem ganhando os clientes.

Então parece que a resposta não é ambígua: um BNDES menor, competindo pelos clientes, é melhor. É provável que sim, desde que o governo estabeleça um claro objetivo a ser perseguido pela instituição nos próximos anos, consistente com os desafios que a nossa economia enfrenta —ou o faz ou não há futuro para o banco. Irá encolher sem contribuir para a modernização da economia. Eu aventuro dizer que o BNDES tem sim uma missão, ser talvez o principal instrumento da reforma do Estado, e numa dimensão essencial: a desestatização de suas empresas, a privatização de seus ativos. Esse deveria ser o objetivo do banco —nenhum outro. Mais além de um objetivo claro, o banco necessita de um mandato correspondente. E esse mandato deveria estabelecer que a instituição, com seus mais de 1.400 técnicos e 2.650 funcionários, muitos desmotivados e

subutilizados, caberá se engajar no que é uma tarefa dificílima e irá durar ao menos uma década. Não há outra instituição no governo federal com a massa crítica de técnicos qualificados para executar a missão de modelar e operacionalizar a desestatização, em escala e consistente com o interesse público. Quem está olhando a desestatização no âmbito federal? O Ministério da Economia, o Ministério da Infraestrutura e o Programa de Parceria para o Investimento (PPI), e o estão fazendo diuturnamente. Então, qual é o problema? Simples: não há recursos humanos suficientes, incluindo a necessidade de interlocução, seja com os órgãos de controle, o Judiciário ou o Congresso, ou ainda o mercado. Nesta perspectiva, o governo não deve desperdiçar o recurso mais precioso do BNDES: seus técnicos. O financiamento, havendo necessidade, deverá vir na esteira da desestatização. É provável que o banco vá de fato perder market share nos próximos anos; mas esse é um fato subsidiário. A relevância do banco não se dará em função de quanto empresta, ou do volume de operações com que participa do mercado de capitais, mas sim de quão eficaz será em apoiar o processo de transformação do Estado brasileiro, voltado no futuro para o que há de mais importante para a sociedade: educação, saúde e segurança.