Valor econômico, v.20, n.4857, 14/10/2019. Brasil, p. A4

 

Pacote pós-Previdência promete polêmicas e aprovação difícil

Fabio Graner 

Lu Aiko Otta

14/10/2019

 

 

Concluindo a reforma da Previdência, a equipe econômica prepara para colocar na rua “no dia seguinte”, como vem dizendo o ministro Paulo Guedes, uma série de medidas destinadas a incentivar o crescimento de longo prazo. As propostas envolvem polêmicas e as discussões ficarão mais difíceis com a aproximação de um ano eleitoral. A discussão para divisão dos recursos do leilão do petróleo nas áreas da cessão onerosa a ser realizado em novembro foi uma amostra.

Sob o guarda-chuva do “pacto federativo”, o governo deverá propor ao Congresso: as reformas tributária e administrativa, o choque de emprego e até uma nova rodada de desburocratização. O ponto central do pacto é partilhar mais recursos da União com Estados e municípios. Mas também desindexar, desobrigar e desvincular os orçamentos. “Romper chiqueirinhos”, como diz Guedes. Uma tarefa que mobilizará resistências dos grupos afetados.

Funcionários do governo federal se mobilizam para impedir pontos da reforma administrativa, como o fim da estabilidade. A resistência pode se estender, caso o governo opte por mandar um projeto de lei complementar que abarque Estados e municípios.

Até mesmo o estímulo ao emprego pode gerar polêmica, dependendo do formato proposto. Uma das ideias é reduzir direitos, de forma a facilitar a contratação de grupos mais vulneráveis. Para pessoas desempregadas há mais de dois anos ou jovens com até 24 anos, a alíquota do FGTS poderá ser reduzida de 8% para 2%. Além disso, estuda-se reduzir a alíquota patronal de recolhimento ao INSS, nesses casos.

O diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), Clemente Ganz Lucio, disse que essa estratégia, se for temporária, poderá ajudar a retomar o emprego. Porém, são necessárias mais iniciativas para acelerar o crescimento econômico, que é a fonte de emprego mais saudável.

“Em uma economia anêmica, risco é trocar o pouco de emprego seguro por vagas precárias”, disse. Para ele, essas medidas de redução de custos trabalhistas não podem ter caráter permanente, pois legalizaria a precarização do trabalho, caminho em parte trilhado na reforma trabalhista.

No caso do pacto federativo propriamente dito, a ideia é baseada no conceito de “mais Brasil e menos Brasília”. Tirando o enunciado, contudo, o governo ainda nem sequer deixou claro o que pretende fazer, à exceção da divisão maior dos futuros leilões de petróleo com toda federação.

A ideia inicial já se ampliou e agora inclui o debate das regras fiscais, iniciado a partir da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438/18, do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), que tramita desde 2018. O processo provocou ciúmes no Senado, que viu protagonismo exagerado da Câmara na agenda econômica. Exatamente o mesmo problema que afetou a reforma tributária e que faz com que hoje existam duas propostas em tramitação no Congresso, que ainda terá de examinar projetos do próprio governo (como o IVA federal, que unifica PIS e Cofins, e ainda poderá juntar outros tributos e ser acoplado aos impostos estaduais e municipais, ICMS e ISS, o IVA Dual).

O “climão” foi relatado por Pedro Paulo ao Valor. De nada adiantou ele ter ido à casa do Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), para explicar que sua PEC tratava de problemas fiscais no curto prazo, ao passo que o pacto federativo, prometido ao Senado, trata de uma alteração estrutural, muito mais ampla.

Para contornar o problema, ficou acertado que o governo não enviaria uma proposta própria de PEC da “Regra de Ouro” ao Congresso pois, dessa forma, a tramitação começaria pela Câmara. Um senador a apresentará. O conteúdo deverá ser semelhante à PEC de Pedro Paulo, segundo fontes.

A proposta que está na Câmara afeta o funcionalismo em diversos pontos. Permite, por exemplo: demissão dos servidores não estáveis, redução de jornada de trabalho e salários por até um ano e adicional de três pontos percentuais nas contribuições previdenciárias dos funcionários públicos.

A proposta de Pedro Paulo também afeta Legislativo, Judiciário e Ministério Público. Proíbe que os órgãos se apropriem dos saldos financeiros gerados por repasses de duodécimos que não foram utilizados.

Outro vespeiro atingido pela PEC é o BNDES. Ela permite que o governo deixe de repassar ao banco os 40% da arrecadação do PIS/Cofins. Ou seja, não faltam polêmicas, que serão ainda mais reforçadas com os debates de extinção em massa de incentivos fiscais e creditícios.

Se a criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) prosperar e reunir numa só base as arrecadações de União, Estado e municípios, poderá haver conflito. A proposta apresentada pelos Estados, com apoio das 27 unidades da federação, deixa a União de fora do comitê gestor do tributo.

A discussão sobre a reforma tributária deve ser conduzida numa comissão mista que procurará harmonizar as propostas da Câmara, do Senado, do governo federal e outras que tramitam no Legislativo, como a do deputado Luciano Bivar (PSL-PE), que cria o imposto sobre transação. Ou seja, a discussão sobre uma reedição revista e ampliada da CPMF, que tem a oposição do presidente Jair Bolsonaro, pode ressurgir no Congresso.

Outro flanco a ser atacado nos próximos meses são os mais de 200 fundos públicos. A desvinculação de seus recursos pode gerar resistências pulverizadas em diversas frentes no Congresso Nacional. Um exemplo é a reação da comunidade acadêmica à ideia de retirar os recursos do Finep do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).

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Inmetro promete reduzir burocracia e ampliar regulação

Fabio Graner

14/10/2019

 

 

O Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) vai mudar a abordagem nos processos de regulação de normas técnicas no Brasil. Em entrevista ao Valor, a presidente do órgão, Ângela Furtado, disse que a nova forma de atuação, que deve ser concluída até 2021, é sair do nível do produto para o estabelecimento de regras gerais, sem entrar tanto em detalhes, como ocorre hoje. Esse processo se insere no esforço do governo de revisão normativa que a área econômica quer disseminar para todos os setores do governo, o chamado “revisaço”.

“Hoje a gente regulamenta em torno de 10% dos produtos comercializados no país. Com o novo modelo, nós vamos regular 100%, só que de uma forma muito mais flexível, mais abrangente”, disse Ângela. “A gente hoje regula por produto e nós vamos passar a fazer isso por atividade setorial.”

Assim, haverá regras para “produtos infantis”, e não mais por itens específicos. “Hoje a gente só regulamenta 11 produtos [infantis], como cadeirinha de carro, chupeta, material escolar, brinquedo, mas não regulamenta uma série de outras coisas. A gente entra muito no detalhe no Brasil”, afirmou. “A gente não consegue hoje regular todos os produtos.”

O princípio que vai nortear a nova metodologia é de qualidade e segurança. Assim, a ideia é dizer o que não pode se ter em produtos conforme seu tipo de usuário. Por exemplo, um produto infantil não pode conter determinados insumos, pontas perigosas, entre outros itens.

“É um modelo muito mais abrangente, não descritivo por produto. O mundo já faz isso. A União Europeia, com 25 regulamentos, atinge 100% dos produtos fabricados e comercializados lá. Hoje, só o Inmetro tem mais de 600 regulamentos e regula 10% do mercado”, argumentou Ângela.

Para ela, o novo modelo deve tornar o ambiente de negócios mais competitivo e o consumidor mais seguro em relação aos itens que consome. O processo já está em andamento, mas a ideia é que seja feito de forma cuidadosa para não causar tumulto.

A executiva do Inmetro aponta que o formato de regulação mais genérica não eliminará alguns casos de normas específicas de alguns produtos, como um equipamento de ressonância magnética, que implica maiores riscos para as pessoas se não for bem regulado.

Dessa forma, o órgão vai trabalhar com três níveis de regulação: um geral, com princípios básicos de segurança que devem ser seguidos por todos os produtos que estão em seu escopo regulatório; regulamentos transversais relativos a determinados tipos de perigo ou grupos de produtos; e regulamentos específicos para produtos com maior potencial de risco.

Nesse novo contexto, a responsabilidade das empresas fabricantes e comercializadoras com relação aos produtos será maior. “Compete ao fabricante entender o seu produto, quais riscos pode ter e tentar mitigar esses riscos, trabalhando na qualidade, fazendo testes de estresse, entre outras coisas”, disse Ângela.

“O novo modelo prevê conformidade por parte do fabricante. Ele tem que ser consciente do produto dele, declara que conhece o produto e garante que ele é de boa qualidade, porque atendeu às normas gerais, diretrizes técnicas e ainda fez testes voluntários ou obrigatórios para isso”, afirmou.

A presidente do Inmetro aponta que o novo modelo vai levar a um reforço na fiscalização, buscando avaliar se a fabricação pelas empresas está em conformidade com as regras gerais. “Por exemplo, no modelo dos EUA, no qual se regula pouquíssimo com alto grau de responsabilização, o fabricante é responsável por qualquer dolo que o produto dele cause.”

A nova regulamentação não dependerá de novas leis, e sim de regras a serem editadas pela própria instituição ao longo do tempo. Além desse modelo mais abrangente, o Inmetro está trabalhando para que o Brasil reconheça acreditações de produtos feitos em outros países. Esse caminho deve ser percorrido principalmente por causa de acordos comerciais como o de Mercosul e União Europeia.

Para isso, contudo, é preciso haver uma maior convergência de regras entre os países. “É preciso cuidar para não confundir liberalismo com anarquia”, sentenciou.

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Reino Unido, Portugal e França servem como modelo

Fabio Graner

14/10/2019

 

 

A reforma administrativa em preparação no governo federal está usando ao menos quatro referências de trabalho: Reino Unido, Portugal, França e o próprio Judiciário brasileiro, que, a despeito dos elevados salários pagos aos servidores, tem apenas três carreiras e maior mobilidade interna.

Além disso, a área econômica analisa estudos como o divulgado pelo Banco Mundial e propostas de organismos como a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) para construir a proposta a ser encaminhada ainda neste mês.

O modelo britânico de gestão do funcionalismo, na visão da área econômica, é uma referência em termos de inovação e flexibilidade. O Reino Unido trabalha com 14 carreiras (menos de um décimo do que, pelas contas do governo brasileiro, existe no Brasil), organizadas por área de atuação e com sistema transversal, não vinculado a ministérios específicos. “As carreiras abertas são incentivo para manter bons profissionais e recrutar talentos do setor privado”, aponta documento do governo a que o Valor teve acesso.

A questão de vinculação de carreiras a ministérios ou órgãos é um dos principais problemas hoje no Brasil, na avaliação dos técnicos do governo. Um exemplo citado nos bastidores é o do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que conta com um quadro de excelência que poderia ser mais bem aproveitado, mas não o é devido a restrições estatutárias. Assim, só há aproveitamento para o alto escalão do governo.

O modelo britânico ainda inspira a ideia de adoção do sistema de “contratação lateral”, sugerido pelo Banco Mundial e que conta com simpatia da equipe econômica, ainda que se reconheça dificuldades técnicas e políticas para sua adoção. Essa modalidade permite a entrada de pessoas no serviço público no meio da carreira, sem ter que começar do zero. O entendimento é que esse mecanismo traria pessoas mais qualificadas para o serviço público e com mais experiência, elevando a produtividade.

Outro modelo analisado pelo governo foi o português, que vivia situação semelhante à brasileira na década passada, com excessivo número de carreiras, complexidade remuneratória, rigidez na gestão e progressões automáticas de remuneração. Mais de mil carreiras foram substituídas por três carreiras gerais, mais carreiras especiais para profissões como professor, médico e enfermeiro.

A França também está sendo avaliada pela equipe econômica. O diagnóstico é que o país europeu vivencia excesso de servidores, grande número de carreiras e pouca mobilidade. O governo de lá enviou neste ano projeto de lei para permitir e dar preferência a vínculos contratuais e promover valorização salarial por desempenho.

O Poder Judiciário nacional também serve como referência, no quesito racionalização de carreiras. A Justiça trabalha com apenas três grupos de cargos (analista judiciário, técnico judiciário e auxiliar judiciário), organizados por áreas de atividade. Os cargos podem ser organizados por especialidades, que, contudo, podem ser alteradas conforme a necessidade.

Para a equipe econômica, o quadro de carreiras do Executivo é inadministrável e o modelo do Judiciário nacional é um caminho interessante a ser seguido, ainda que haja ressalvas com as elevadas remunerações.

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Entidades de servidores reagem a propostas iniciais

Mariana Ribeiro

14/10/2019

 

 

Enquanto o governo trabalha para fechar sua proposta de reforma administrativa, entidades de servidores públicos já reagem às primeiras informações divulgadas. A possibilidade de fim da estabilidade e de redução salarial são os pontos que mais preocupam. Sindicatos reclamam também de falta de diálogo com o governo federal.

Os representantes dos servidores argumentam que a estabilidade não representa um privilégio, mas uma forma de evitar ingerência política. Para o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), Kleber Cabral, haverá prejuízo mesmo que a mudança atinja só novos servidores ou os que desempenham funções menos sensíveis. “Todas as carreiras precisam de proteção e, para algumas, estabilidade é condição intrínseca à função.”

As entidades criticam estudo do Banco Mundial, feito a pedido do governo, que mostra que os funcionários públicos ganham quase o dobro dos trabalhadores da iniciativa privada. “Comparação é a gosto do freguês. Mas tem que considerar a qualificação do servidor e o serviço prestado”, disse o secretário-geral do Sindicato dos Servidores Públicos Federais no Distrito Federal (Sindsep-DF), Oton Pereira Neves.

O presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques, diz que a entidade apresentará amanhã seu próprio estudo. Segundo ele, a ideia é desfazer “mitos” como o de que a máquina pública está inchada. “Nos países da OCDE, 21% do total de trabalhadores está no serviço público. No Brasil, são 12%.”

Parte das entidades aceita negociar, por exemplo, mudanças na avaliação de desempenho, mas pontuam que isso precisa ser feito com critério. “É preciso evitar que o trabalhador seja prejudicado por fatores não relacionados à atividade”, disse Paulo Lino Gonçalves, presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal).

Entidades reclamam ainda de não serem recebidas pelo governo para debater a reestruturação. “Todas as propostas podem ser discutidas, mas não há abertura”, disse Gonçalves.

Embora destaquem que a proposta ainda é pouco conhecida, alguns presidentes não descartam a chance de judicialização. “Dependendo do que vier no texto, isso pode ocorrer”, diz Cabral.