Título: Um premiê de negócios
Autor: Luna , Thais de
Fonte: Correio Braziliense, 29/09/2012, Mundo, p. 22

Disposto a recuperar o tempo perdido nas relações com a sexta economia do mundo, o primeiro-ministro britânico, David Cameron — que governa a sétima potência —, assinou ontem com a presidente Dilma Rousseff uma série de acordos de cooperação econômica, mas também nas áreas de educação, meio ambiente e organização dos Jogos Olímpicos de 2016. Sem a tradicional pontualidade britânica, o visitante chegou ao Palácio do Planalto às 14h37, sete minutos após a hora marcada. A reunião durou cerca de duas horas e, ao discursar, Dilma firmou que a conversara abordou a economia europeia e do Reino Unido, além da crise financeira mundial. Em resposta às recentes críticas feitas por Cameron a medidas brasileiras que considerou "protecionistas", a presidente afirmou que o Brasil "tem feito a sua parte, no que se refere à recuperação mundial, quando desenvolve incentivos ao crescimento do emprego e à demanda doméstica". O premiê declarou que os dois países concordam em estimular o comércio internacional, inclusive com esforços para destravar o acordo de associação entre o Mercosul e a União Europeia (UE).

A primeira visita oficial de Cameron ao Brasil, à frente de uma comitiva com 50 representantes de empresas britânicas, resultou na assinatura de seis atos e 22 contratos para obras da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, no valor total de 50 milhões de libras (R$ 164,7 milhões). Dilma não perdeu a chance de reiterar o argumento da "legítima defesa contra o tsunami monetário", apresentado terça-feira na Assembleia Geral da ONU. "Em plena crise, temos aumentado nossas importações", afirmou. A presidente lembrou que o comércio bilateral passou de US$ 7,8 bilhões, em 2010, para US$ 8,6 bilhões, no ano passado, e tem potencial para crescer ainda mais.

Cameron ressaltou a intenção comum de erradicar a pobreza extrema e celebrou a ampliação da parceria britânica no programa Ciência sem Fronteiras. O Reino Unido receberá 10 mil estudantes brasileiros até 2014, com bolsas de estudos para graduação e pós-graduação. A presidente e o premiê identificaram como áreas de interesse para colaboração os setores de cultura, infraestrutura, defesa, gás e petróleo, serviços financeiros, logística e mineração.

O dia do visitante tinha começado no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, onde ele conheceu o projeto social Luta Pela Paz, em que crianças e jovens da comunidade têm aulas de artes marciais. Cameron considerou o "brilhante" trabalho da organização não governamental, fundada pelo antropólogo britânico Luke Dowdney. "Essa ação está ajudando os jovens a ter um futuro", elogiou. Acompanhado de medalhistas olímpicos, o primeiro-ministro assistiu a oficinas de boxe, jiu-jítsu, capoeira e judô, oferecidas para 1,5 mil moradores.

Conselho de Segurança Ao fim do encontro no Planalto, Dilma agradeceu o apoio do governo britânico ao Brasil para que ocupe um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas e ressaltou a necessidade de o multilateralismo guiar as ações para resolução de conflitos no Oriente Médio. "Não há solução militar para a crise síria. Um processo político liderado pelos próprios sírios é o melhor caminho para a superação do conflito", argumentou a presidente. "Também me preocupa a crescente retórica em prol de uma ação militar unilateral no Irã. Qualquer iniciativa desse tipo constituiria uma violação da Carta da ONU", advertiu Dilma, repetindo em parte o teor de seu discurso à Assembleia Geral. O Reino Unido já se mostrou a favor de iniciativas mais drásticas, em especial na guerra civil que dilacera a Síria.

A presidente abordou ainda o processo de paz entre Israel e Palestina, que só será viável, na sua visão, com a participação da comunidade internacional. Cameron felicitou o Brasil por ter um papel cada vez mais importante no "palco global" e limitou-se a dizer que os dois governos nem sempre concordam em assuntos de política externa, mas que é bom haver debate entre as nações.