O globo, n. 31366, 23/06/2019. Rio, p. 15

 

Flordelis, uma história entre altos e baixos

Carolina Heringer

23/06/2019

 

 

Investigada pela morte do marido, deputada federal que teve a vida contada em filme fugiu às pressas da favela onde nasceu em 1994 para não entregar 37 crianças que tinha recolhido das ruas. Amanhã ela depõe sobre crime

A história da mulher que nasceu na Favela do Jacarezinho e acolheu de uma única vez 37 crianças que escaparam de um ataque a tiros na Central do Brasil ficou conhecida há duas décadas e acabou virando filme. Mas a trajetória da pastora e cantora gospel Flordelis dos Santos de Souza, de 58 anos, que conquistou no ano passado uma vaga na Câmara dos Deputados, tem sido conturbada. Investigada pela morte do marido, o pastor Anderson do Carmo Souza, assassinado a tiros há uma semana, a parlamentar vai amanhã à polícia falar sobre o crime. Flordelis já esteve às voltas com a Justiça antes. Em 1994, ela teve que fugir às pressas da comunidade onde nasceu após a Vara da Infância e Juventude ter determinado a busca e a apreensão das crianças das quais cuidava.

Na época, Flordelis, que já era casada com Anderson, vivia com as crianças que tirou das ruas e três filhos biológicos, de sua primeira união, numa casa de dois quartos, cozinha e banheiro. Como a adoção ainda não era regularizada e a Justiça entendeu que o lugar em que viviam não era adequado, foi determinado que os menores fossem retirados do local. Para não perdê-los, Flordelis se mudou para Irajá.

Lá, resolveu o impasse com a Justiça graças à ajuda do empresário Pedro Werneck, que alugou um apartamento para a família. Em 2001, no entanto, Flordelis teve novo problema. Ela chegou a ser alvo de uma representação do Ministério Público estadual, que a acusava de não ter dado “o devido andamento ao processo de adoção” de uma menina. Mas a então cantora adotou a criança e o processo foi extinto. Desde o resgate na Central do Brasil, a prole cresceu mais. Além de ter dado à luz um filho de Anderson, Daniel dos Santos de Souza, hoje com 21 anos, ela adotou outros.

No total, são 55. Nem todos, no entanto, foram formalmente adotados pelo casal. De alguns, tinham só a guarda legal. Tão grande quanto a família é a trama que estaria por trás do assassinato de Anderson. Um filho biológico e outro adotado estão presos, suspeitos de participação no crime. Anderson foi morto na madrugada de domingo, na casa da família, em Pendotiba, Niterói. No imóvel, moram cerca de 30 filhos, metade menores de idade. Lucas Cezar dos Santos Souza, de 18 anos, preso sob suspeita da morte de Anderson, já não morava mais na casa.

O rapaz —junto com quatro irmãs —foi adotado há seis anos. Os irmãos, que vieram da favela Reta Velha, em Itaboraí, foram as últimas adoções de Flordelis e Anderson. Em março do ano passado, quando ainda era menor, Lucas foi apreendido por tráfico. Segundo pessoas próximas a família, ele era a grande frustração de Anderson, que acreditava ter falhado por não ter conseguido recuperá-lo.

Carreira política

“Cada um deles tem uma história. É como eu canto no hino: Minha história tem seus altos e baixos, vitórias e alguns fracassos”, comenta a pastora num vídeo em que fala sobre os filhos.

Já Flávio, que confessou ter atirado seis vezes contra o padrasto, teria um bom relacionamento com Anderson. Recentemente, ele foi morar com os pastores em Brasília, já que Flordelis tinha que cumprir funções na Câmara. Em 1999, ela fundou a Comunidade Evangélica Ministério Flordelis, no Rocha, na Zona Norte. Três anos depois, abriu a igreja do casal em São Gonçalo, que existe até hoje.

Os primeiros passos na política foram em 2004, quando ela tentou, mas não conseguiu se eleger vereadora por São Gonçalo. No ano passado, ousou mais e foi eleita pelo PSD com 200 mil votos, a quinta mais votada do Rio, para a Câmara dos Deputados.

Mas vinha perdendo o protagonismo na vida política. Uma fonte ouvida pelo GLOBO, que pediu anonimato, contou que Anderson tomava todas as decisões sobre o mandato. Na campanha eleitoral, era ele quem dava as cartas:

— Anderson assumiu o mandato como se deputado fosse. Ia toda semana a Brasília, fazia reuniões sem que a Flordelis estivesse presente. Virou até mesmo secretário-geral do PSD e começou a reorganizar o partido no estado.