Título: Promessas ilegais em busca de votos
Autor: Paganini , Arthur
Fonte: Correio Braziliense, 29/09/2012, Cidades, p. 31

Em época de disputa por votos, o discurso dos candidatos é quase sempre o mesmo: "Se eleito for, prometo...". A repetição de frases prontas e conhecidas pela população se perpetua ao longo dos anos. No Entorno, não é diferente. Muitos dos que concorrem ao cargo de prefeito chegam a fazer compromissos que não poderão cumprir sem o apoio político dos governos estadual e federal. Levantamento do Correio identificou até mesmo propostas idênticas de dois oponentes em Abadiânia. Os dados foram coletados no site da Justiça Eleitoral, que reúne os planos de trabalho de todos os concorrentes ao pleito municipal deste ano.

O nível de engenhosidade dos candidatos das cidades vizinhas à capital impressiona. Em Padre Bernardo (GO), a 130 quilômetros de Brasília, a segurança pública é deficiente, mas Dr. Alfredo (PRB) encontrou uma solução inusitada para viabilizar a "implantação do corpo de bombeiros do município". Para resolver a falta de um quartel da corporação, ele pretende criar outro problema. "Quero trazer a construção civil de grande porte para levantarmos prédios com mais de 12 andares. Para gabaritos mais altos do que esse, um prefeito só pode autorizar a construção se houver um corpo de bombeiros instalado na localidade. Dessa forma, pretendo pressionar o governo estadual a resolver esse problema", sugere. José Solon (PTB), que disputa o cargo em Cocalzinho (GO), distante 100 quilômetros do DF, quer "efetivar a construção do presídio municipal". "Os detentos de Corumbá de Goiás são, na grande maioria, daqui", justifica. Mas Solon só conseguirá erguer o local com ajuda do Executivo estadual. "Estamos ciente disso. É um questionamento salutar, pois o eleitor que é politizado sabe que a manutenção da segurança pública é de competência do estado. Aos que têm me questionado, explico que, para cumprir o prometido, terei de buscar apoio do governo de Goiás", justifica.

Em Valparaíso de Goiás, a 40 quilômetros de Brasília, Adolfo Lopes (PMN) pretende "revitalizar a BR-040 com três viadutos". A proposta, justifica o candidato a prefeito, reduzirá o número de mortes na rodovia. "Sabemos que o comando da BR é do governo federal, mas se o gestor eleito precisa ter vontade política para resolver a questão, e eu tenho", diz. De acordo com a legislação, para promover melhorias em rodovias federais é necessária a apresentação do projeto da obra ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). A execução dos serviços só pode sair do papel depois da aprovação do órgão.

Segundo o advogado especialista em direito constitucional Paulo Castelo Branco, as promessas são ilegais. "O espírito da lei é que cada um tenha a sua competência definida na Constituição Federal. Se o governo fosse cuidar de tudo, não precisaríamos dos estados. Nesses casos, eleitores mal-informados são iludidos e enganados", avalia.

Plágio

Ronivan (PTB) e Zé Aparecido Diniz (PSB) estão entre os quatro postulantes à prefeitura de Abadiânia, município goiano distante 120 quilômetros da capital. Apesar de adversários, algumas propostas dos respectivos planos de governo são idênticas, escritas, literalmente, da mesma forma. "Adequação dos prédios públicos para o atendimento aos portadores de necessidades especiais, e rebaixamento de calçadas", por exemplo, consta nos dois programas no capítulo dedicado à Administração e Serviços. "O nosso plano eu distribuí primeiro, de porta em porta. Ele copiou e fez igual ao meu", acusa Ronivan. Nos textos, além de passagens com a mesma redação, há trechos adaptados. Questionado pela reportagem, Zé Aparecido justificou: "Isso pode ser coincidência por causa dos problemas da cidade, que todos sabem quais são. A minha equipe não olhou as outras propostas, mas, se está igual como você está me dizendo, tem alguma coisa errada mesmo".

Segundo o advogado especialista em direito eleitoral Walter Costa Porto, o suposto crime de reprodução não autorizada deveria ser investigado. Na opinião do advogado, a legislação não prevê punição para quem copia projetos político-partidários. "Se os problemas são comuns, é até natural uma aproximação nas propostas de soluções, mas se o texto é idêntico fica difícil acreditar na boa-fé de um ou de outro. Se o autor do plágio for identificado, ele pode até responder a processo. A defesa, no entanto, poderia alegar tratar-se de uma coincidência incrível. É o caso de uma ofensa ética, que cabe ao eleitor analisar", explica.

Para o cientista político Leonardo Barreto, planos idênticos e promessas que não poderão ser cumpridas, além de serem um fenômeno nacional, revelam deficiências de candidatos e eleitores. "Em tese, o processo deveria servir para discutir os problemas da cidade, mas não é o que acontece. O nível dos concorrentes é baixo, assim como a instrução do eleitorado. Infelizmente, eles não se elegem para executar programas, mas eles são criados para que os políticos sejam eleitos", opina.

Restrição De acordo com a Constituição Federal, a segurança pública é subordinada aos governadores de estado. Aos municípios, é facultada, apenas, a criação de guardas municipais.