Valor econômico, v.20, n.4857, 14/10/2019. Opinião, p. A14

 

Uma resolução que pode nublar a energia solar

Rodolfo Molinari

14/10/2019

 

 

Foi em 2012 que o Brasil decidiu dar seus primeiros passos no segmento de energia solar de pequena escala e, até o ano de 2015, eram pouco mais de duas mil pessoas e pequenas empresas participando deste movimento. Considerando a dimensão do nosso país, éramos ninguém, e nos questionávamos por que uma evolução tecnológica tão importante não havia decolado.

O fato é que o Brasil é um país excepcional, com abundância de recursos de causar inveja mundo afora. Até no mais democrático de todos, o Sol, somos favorecidos. Porém, excesso de recursos não significa nada se não forem aproveitados de maneira inteligente.

Um dos principais motivos pelo qual não evoluímos no segmento, de pequena escala, está na realidade brasileira. Para instalar sistema solar em um telhado, o cidadão precisa morar em casa, ser dono dela e, além de tudo, ter dinheiro no banco ou acesso a crédito a taxas que não sejam proibitivas. Quantos brasileiros se enquadram neste perfil? Pouquíssimos.

Em uma reflexão rápida, foi fácil perceber que, para democratizarmos o acesso dos brasileiros a esta tecnologia, precisávamos transformar esses dados sociais e econômicos em informações relevantes. Assim, ao final de 2015, com excelência técnica e regulatória, a Aneel compreendendo esta realidade, permitiu um novo conceito chamado normativamente de Geração Compartilhada.

De ordem prática, passou-se a permitir que não apenas fossem instalados sistemas solares em nossos telhados, mas também pudéssemos procurar por áreas improdutivas, para instalarmos sistemas solares colaborativos de forma remota. Como ganho teríamos uma energia mais eficiente, mais econômica e com maior escala (agora oriunda da união de amigos, familiares e, por que não, desconhecidos). Ao invés de cada um por si, todos por todos.

O consumidor, especialmente o menor e mais simples, passa agora a ser o agente protagonista na geração de energia, fomentando a inovação, a descentralização, o compartilhamento e a democratização do acesso à energia limpa.

Nada mais atual em uma realidade contemporânea de compartilhamento entre pessoas, onde abrimos nossas casas para alugar quartos vazios, compartilhamos assentos vazio em nossos carros, fornecemos crédito coletivo para quem não consegue crédito bancário competitivo.

No entanto, apesar de todos os benefícios, e por mais que menos de 0,01% dos consumidores brasileiros tenham aderido à inovação da Geração Compartilhada até o momento, definiu-se que devemos revisar as normas estabelecidas. Em uma discussão que se alonga por mais de um ano, acalorada e repleta de interferências, as conclusões ainda não foram encontradas e, se ainda não temos respostas, resta fazermos perguntas para tentarmos ser construtivos, ajudando na discussão. Façamos algumas reflexões:

Qual a importância de darmos chance para os pequenos consumidores produzirem sua própria energia? Como continuaremos tendo uma matriz de energia limpa e renovável, sem impactos ambientais? Como podemos gerar empregos de qualidade, modernos e descentralizados? Como podemos ajudar a reduzir as perdas elétricas no sistema? Como podemos dar oportunidade iguais a todos os consumidores, sem deixar ninguém de fora, especialmente a base da pirâmide social? Com 0,01% de penetração, deve-se mudar as regras de Geração Compartilhada?

De forma resumida, a revisão proposta pode implicar em reduzir em até 60% o benefício aos consumidores que poderiam aderir a este modelo compartilhado. Isto significa, não considerar nenhum benefício deste modelo e, ainda, colocar na conta destes consumidores todos os custos relacionados não apenas à remuneração da distribuidora, mas também: da transmissão de energia (apesar da energia ser gerada dentro da área da distribuidora), dos encargos setoriais (apesar do principal deles ter sido criado justamente para fomentar fontes limpas de energia) e as perdas elétricas (desconsiderando os princípios da física que dizem que quanto menos um elétron caminha, menos ele se perde no caminho).

Traduzindo isto para a vida real, nos cenários extremos da revisão da norma, inviabiliza-se este modelo, excluem-se os consumidores da base da pirâmide e retrocede-se ao que parece ser sempre a condição natural do Brasil, o país do futuro onde o futuro nunca chega, prejudicando sempre o elo mais fraco da cadeia, os consumidores de menor porte.

Exemplo de que consumidores de menor porte sempre sofrem comparativamente aos de maior porte são vastos e ocorrem em diversos setores da economia. Se as revisões propostas forem colocadas em prática, em cenários extremos, o setor elétrico nos proporcionará mais um exemplo.

Há um tempo considerável, o grande consumidor já pode produzir sua energia no Brasil e, com a mudança, teria condições ainda mais atrativas na comparação com o pequeno consumidor. Hoje, uma indústria pode produzir sua energia pagando tarifas menores pelo uso da rede; menos impostos na conta de luz; menos encargos setoriais, além de ser livre para construir seu sistema solar na escala que assim desejar, e no local que desejar, sem estar circunscrito à região da sua distribuidora.

Não parece justo socialmente ter um cenário tão expressivo de desigualdade entre o grande e o pequeno. Quando falamos em democratizar, não dizemos em

favorecer um ao outro, mas sim, de dar oportunidades iguais a todos, e não parece ser este o caminho indicado pela revisão.

Cabe destacar também que nas avaliações propostas até o momento, nenhum dos benefícios exteriores ao setor elétrico foi considerado quantitativamente na discussão. Independente de competência legal de cada agente decisor, é justo ignorarmos estes benefícios? Vamos aos números: fossem considerados estes aspectos, de acordo com o levantamento da Absolar, o país irá arrecadar R$ 27 bilhões aos cofres públicos até 2027, irá gerar mais de 670 mil novos empregos, e evitará a emissão de 75,38 milhões de toneladas de CO2 até 2035.

Qual legado queremos deixar para o Brasil?