Valor econômico, v.20, n.4857, 14/10/2019. Opinião, p. A15

 

Finanças sustentáveis para a economia verde 

Eric Usher 

Murilo Portugal

14/10/2019

 

 

A economia mundial está mudando, e o setor financeiro busca inovar para se adaptar aos novos desafios. As instituições financeiras estão continuamente aumentando a transparência da aplicação de recursos, engajando seus stakeholders, incorporando boas práticas aos negócios, e considerando indicadores ambientais e sociais.

Esta tendência é observada mundialmente, e não é diferente na América Latina, onde o setor financeiro se mobiliza para adotar novos padrões de análises de riscos que considerem também aspectos socioambientais, além de explorar as novas oportunidades de negócios.

Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Paraguai e Peru estão entre os países da região com agendas e regulações específicas para promover as finanças sustentáveis. O objetivo é potencializar o tema, para promover o crescimento sustentável da economia, o bem-estar social e o cuidado com o meio ambiente, mantendo o setor fiel ao seu negócio principal.

Finanças sustentáveis se referem, por exemplo, a alinhar os portfolios de crédito com menores emissões de carbono, a gerenciar e divulgar riscos relacionados ao clima, assim como contribuir para financiar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), a mitigação e adaptação na questão climática e práticas de sustentabilidade.

No Brasil, a Febraban, Federação Brasileira de Bancos, tem monitorado o financiamento bancário para setores considerados integrantes da Economia Verde desde 2013, com base em dados reportados por 15 instituições financeiras que, juntas, representam cerca de 85% do crédito bancário corporativo. Em 2018, cerca de 21% dos financiamentos deste grupo de bancos foram destinados para atividades econômicas que apoiam o desenvolvimento sustentável.

Internacionalmente, o Financial Stability Board (FSB) lançou as recomendações da Força Tarefa Sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (TCFD sigla em inglês), que considera 4 elementos chave: governança, estratégia, gestão de riscos e métricas e metas. Cerca de 785 organizações financeiras já se comprometeram a considerar as recomendações, juntamente com 340 investidores institucionais, que têm US$ 34 trilhões em ativos sob gestão. No Brasil, para apoiar a implementação das recomendações da TCFD pelo setor bancário, a Febraban desenvolveu um Roadmap detalhado e parâmetros para análise da sensibilidade dos bancos aos riscos climáticos.

No início de 2019, um grupo de 36 Bancos Centrais de todo o mundo, a Network for Greening the Financial System (NGFS), com dois representantes de países da América Latina, lançaram seis recomendações, almejando dar suporte ao setor financeiro para o alcance das metas de redução de gases de efeito estufa de cada país, no contexto do Acordo de Paris.

O setor financeiro está trabalhando em conjunto com a Iniciativa Financeira do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep FI) para ajudar a indústria a servir aos seus clientes e, ao mesmo tempo, gerar impactos positivos para a sociedade. Os Princípios para Responsabilidade Bancária, recentemente lançados pela Unep FI, compilam um conjunto de seis princípios já endossados por 130 bancos (representando US$ 47 trilhões ou um terço de todos os ativos bancários globais), sendo 22 bancos da América Latina e do Caribe.

Ao assinar estes princípios os bancos se comprometem a aumentar seus impactos positivos enquanto reduzem impactos negativos para a sociedade e o meio ambiente. Em colaboração com a Unep-FI, os setores de investimento e seguros também já lançaram iniciativas similares, os Princípios para o Investimento Responsável (PRI) - aplicados por metade dos investidores institucionais do mundo (US$ 83 trilhões) - e os Princípios para Sustentabilidade em Seguros (PSI) - hoje aplicados por um quarto (1/4) dos seguradores mundiais.

Outros trabalhos da Unep FI incluem a mobilização de financiamento para gerenciar e proteger melhor os ecossistemas globais, aumentar a eficiência energética e alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) - questões de relevância fundamental para a América Latina e o mundo.

Na América Latina, os investimentos em atividades com impactos socioambientais positivos têm crescido, principalmente nos últimos dois anos. A emissão de Títulos Verdes (Green Bonds) excedeu US$ 12,6 bilhões desde 2014, com foco em projetos de uso da terra, setores industriais e energia. Isso mostra que os setores público e privado têm importante papel na promoção do desenvolvimento sustentável na região e trabalham juntos para encontrar soluções compartilhadas, maximizar o impacto de uma infraestrutura verde e contribuir no financiamento dos ODSs. Há oportunidade de expansão, já que apenas 9 de 33 países da região lançaram Títulos Verdes, que, globalmente, representam apenas 2% de todas as emissões desses títulos.

Muito já foi feito, mas ainda existem grandes oportunidades para colaboração e barreiras a serem superadas, que passam pelo maior alinhamento dos modelos de negócios em prol do desenvolvimento sustentável.

Ao longo dos próximos dois dias, na Mesa Redonda Regional sobre Finanças Sustentáveis para a América Latina e Caribe em São Paulo, iremos abordar estes temas, e esperamos contribuir com a contínua integração das finanças sustentáveis no Brasil e na região da América Latina.