O Estado de São Paulo, n. 45888, 07/06/2019. Política, p. A8

 

PEC de Flávio dificulta desapropriação

André Borges

07/06/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

 

Proposta de senador do PSL muda o entendimento sobre função social da terra no País; texto reduz obrigações de donos de imóveis rurais

O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) apresentou ao Senado uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que altera o entendimento sobre a propriedade privada no País e, segundo especialistas, dificulta ou pode até inviabilizar as ações de desapropriação para reforma agrária. O texto reduz as obrigações que o dono da terra deve atender para não ser alvo de processo que pode levar a perda do imóvel.

Pelas regras atuais, uma propriedade rural não pode ser alvo dessas ações quando cumpre todas as determinações de função social da terra prevista na lei: ser uma área produtiva, utilizar de forma adequada os recursos naturais disponíveis e preservar o meio ambiente, respeitar as regulações de relações de trabalho e explorar a área de maneira que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

O texto de Flávio Bolsonaro propõe mudar dois artigos da Constituição, estabelecendo que o proprietário rural não precisa mais atender esses quatro itens, mas apenas um deles para que cumpra a sua função social e, assim, garanta a total inviolabilidade de sua propriedade. Isso significa que, se o dono de uma fazenda produz na área, não precisa respeitar as leis trabalhistas ou se preocupar com o meio ambiente, por exemplo, pois já teria atendido uma das exigências da lei.

“Se essas mudanças forem aprovadas, é o fim da reforma agrária no Brasil”, disse Carlos Marés, professor de Direito Agrário e Ambiental da PUC no Paraná. Ex procurador-geral do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e autor do livro “Função Social da Terra”, Marés afirma que todo o trabalho de desapropriação do instituto se apoia, basicamente, na avaliação do cumprimento ou não das exigências. “Essa é a base de qualquer processo realizado pelo Incra.”

Propriedade. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 80 foi entregue por Flávio à Secretaria-Geral da Mesa do Senado no fim do mês passado. O texto do filho “zero um” do presidente Jair Bolsonaro já chegou à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde aguarda definição de relator. Questionado pelo Estado sobre o que motivou sua proposta, Flávio disse que “a função social da terra é importante, mas não pode ser desculpa para desrespeitar algo fundamental, como o direito à propriedade”.

A PEC, disse o senador, “quer apenas evitar arbitrariedades e injustiças” nos processos. “Vai garantir um procedimento mais adequado e, inclusive, diminuir a litigiosidade e reduzir potenciais prejuízos para quem for desapropriado.”

Para a Comissão Pastoral da Terra (CPT), é essencial que sejam mantidas as quatro exigências hoje previstas na Constituição para a designação da função social da terra. “É garantir que um bem maior seja alcançado, a justiça”, diz, em nota.

Secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Luiz Antonio Nabhan Garcia, disse que “reforma agrária se faz em terra improdutiva”, mas que desconhece que isso exista no Brasil. “Nós desconhecemos terra improdutiva no Brasil, até porque, hoje, o País é, efetivamente, o celeiro do mundo. Na hora que recebermos alguma informação de que tal terra é improdutiva, essa propriedade será vistoriada, para que seja feita a análise”, disse.

Os dados do Incra apontam que, neste ano, ainda não foi feita nenhuma desapropriação de imóvel para fins de reforma agrária, o que só ocorreu em 2015. As desapropriações, que até 2010 superavam mais de uma centena por ano, atingiram apenas quatro imóveis no ano passado.

MUDANÇAS

Propriedade rural

COMO É HOJE

A propriedade pode ser desapropriada para reforma se descumprir 4 funções sociais básicas, entre elas preservar o meio ambiente e respeitar as relações de trabalho

COMO FICARIA

Para ter função social, basta que ela cumpra 1 das 4 exigências. Ex.: se respeita regras trabalhistas, mas não preserve o ambiente, não seria desapropriada.

Reforma agrária

COMO É HOJE

Após laudos, Incra envia processo ao presidente da República, a quem cabe decretar se aquela área é de interesse social.

COMO FICARIA

Processo passaria, antes de ser submetido ao governo, pelo Legislativo e pelo Judiciário.

_____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Bolsonaro pede 'casamento' entre meio ambiente e progresso

Barbara Nascimento

Daniel Weterman

07/06/2019

 

 

 

Em transmissão ontem no Facebook, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que é necessário “fazer um casamento de meio ambiente e progresso”. Segundo ele, Estados como Roraima, Acre e Amapá estão “quase inviabilizados” em razão, por exemplo, de demarcações de reservas indígenas e quilombolas.

Ministros que o acompanharam na “live”– Tereza Cristina (Agricultura) e Paulo Guedes (Economia) – concordaram. Segundo Guedes, muitas vezes as leis atrapalham o crescimento. “É perfeitamente possível explorar economicamente preservando recursos naturais.”

Também participante, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, disse esperar que a licença para instalação do linhão do Tucuruí, em Roraima, saia no fim de julho e as obras comecem em agosto.

‘Fujão’. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi vaiado no Senado durante sessão para celebrar o Dia Mundial do Meio Ambiente. Em discurso, ele negou que a pasta esteja promovendo um “desmonte” em órgãos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

“A frase que tem sido dita, do desmonte, é absolutamente inverídica. Ao contrário, o desmonte foi herdado”, declarou o ministro, sendo vaiado por algumas pessoas que estavam no plenário. “Pode se manifestar à vontade”, reagiu Salles.

O ministro deixou o local antes do término da sessão para viajar ao Rio, onde faria uma palestra no Clube Militar. O líder da Rede no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmou que era uma “pena” que Salles estivesse saindo sem debater com ele. A plateia, enquanto Salles deixava o plenário, começou a soltar gritos de “fica!” e “fujão”. “A democracia é assim, cada um pode ter a reação que quiser”, declarou o ministro, na saída.