O Estado de São Paulo, n. 45886, 05/06/2019. Política, p. A8

 

Raquel quer rever acordo de delação de executivo

 

 

 

Rafael Moraes Moura

Amanda Pupo

Naira Trindade

08/06/2019

 

 

 

Titular da PGR diz que Nelson Mello, que delatou políticos do MDB, omitiu dados

DIDA SAMPAIO/ESTADAO -12/2/2019

Posicionamento. Decisão de Raquel será analisada pelo ministro do STF Edson Fachin

 

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu para anular o acordo de colaboração premiada firmado com Nelson José de Mello, ex-diretor de Relações Institucionais da Hypermarcas, atual Hypera Pharma. O pedido foi feito ao Supremo Tribunal Federal (STF) e, caso aceito, o ex-diretor poderá perder os benefícios recebidos ao fazer a delação em que implicou políticos do MDB.

Segundo Mello, a empresa teria repassado cerca de R$ 30 milhões para parlamentares do partido, incluindo os ex-presidentes do Senado Eunício Oliveira (CE) e Renan Calheiros (AL). Na versão do delator, os repasses, feitos por meio dos operadores Lúcio Bolonha Funaro e Milton Lyra, tinham como finalidade garantir a atuação desses políticos em temas de interesses da empresa no Congresso. Eles negam.

Para Raquel, porém, Mello descumpriu o compromisso de dizer a verdade, apresentou informações falsas e omitiu crime relevante praticado por ele, além de deixar de entregar provas ao Ministério Público Federal (MPF). As informações que já foram apresentadas pelo colaborador, no entanto, devem seguir válidas, defende Dodge. Parte delas, inclusive, foi usada para fundamentar denúncias no Supremo e casos que tramitaram em outras instâncias.

O acordo foi homologado em junho de 2016 pelo então relator da Operação Lava Jato, ministro Teori Zavascki, morto em acidente aéreo no ano retrasado. Na avaliação do MPF, o executivo agora poderá ser denunciado pelos crimes confessados e até mesmo eventualmente ser preso.

Esta é a quarta vez que Dodge decide pedir a anulação de um acordo de colaboração premiada fechado pelo seu antecessor, Rodrigo Janot. Em fevereiro do ano passado, Raquel solicitou o cancelamento dos acordos dos executivos Wesley Batista e Francisco de Assis Silva, do grupo J&F, sob a alegação de que ambos omitiram, intencionalmente, fatos criminosos ao MPF. Há um quarto caso sob sigilo em que a PGR se manifestou nesse sentido. A rescisão dos acordos de Joesley Batista e Ricardo Saud, também da J&F, foi pedida por Janot, no final do seu segundo mandato.

 

Recondução. Embora não tenha se inscrito para compor a lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Raquel tem o nome cotado para continuar à frente da PGR. Parlamentares do Centrão passaram a defender, em conversas reservadas, sua recondução a mais um mandato. O atual vence em setembro.

A avaliação do grupo é de que Raquel tem uma postura mais “moderada” do que Janot, criticado por apresentar denúncias contra políticos apenas com base nas delações. Temem, ainda, que o presidente Jair Bolsonaro escolha um nome mais “linha dura”, alinhado ao discurso de criminalização da política que permeou a campanha eleitoral.

Bolsonaro já indicou que não pretende seguir a lista da ANPR, e ministros próximos ao presidente veem Raquel como uma candidata forte e natural à recondução.

 

Ritmo. Desde que assumiu o comando do MPF, em setembro de 2017, Raquel desacelerou os acordos de colaboração premiada. Um relatório recente divulgado pelo gabinete do relator da Lava Jato no STF, ministro Edson Fachin, mostra que o Supremo já homologou 110 acordos de colaboração premiada relacionados à operação. Na atual gestão da PGR, porém, apenas um havia sido confirmado, ainda em 2018.

 

Defesa. Procurada, a defesa de Nelson Mello informou que só se manifestará sobre o caso perante a PGR e o Supremo, e registrou que o executivo “tem dado demonstrações concretas e sucessivas de seu compromisso de colaborar”.

A Hypera Pharma, por sua vez, disse que elegeu Comitê Independente em junho de 2018 “para avaliar os fatos relacionados ao seu ex-diretor de Relações Institucionais” e que a companhia “continua colaborando com as autoridades”.

 

'Fato relevante'

“Nelson Mello descumpriu o compromisso de dizer a verdade, omitindo fato penalmente relevante praticado por ele.”

Raquel Dodge

PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA