Valor econômico, v.20, n.4859, 16/10/2019. Brasil, p. A4

 

Déficit primário deste ano será o menor desde 2014

Ribamar Oliveira 

16/10/2019

 

 

Com base nos dados do governo sobre as receitas que ingressarão dos dois últimos leilões de petróleo neste ano (6ª rodada de partilha de produção e o excedente da cessão onerosa), as projeções indicam que o governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) deverá fechar este ano, pela primeira vez desde 2014, com um déficit primário abaixo dos R$ 90 bilhões. A meta para este ano é de déficit primário de R$ 139 bilhões.

O governo estima em R$ 70,8 bilhões a primeira parcela que receberá do leilão do excedente da cessão onerosa (pelos quatro campos), marcado para o dia 6 de novembro. A área econômica está convencida de que os valores dos bônus de assinatura dos campos a serem leiloados serão pagos em duas parcelas, pois acredita que os consórcios vencedores pagarão à União um ágio acima de 5% na oferta de óleo. Vence o leilão quem oferecer a maior quantidade de óleo para a União, além do mínimo fixado para cada campo. Se não houver ágio superior a 5%, os R$ 106,6 bilhões pelo bônus de assinatura terão que ser pagos integralmente neste ano.

A primeira parcela será paga no dia 27 de dezembro. Dos R$ 70,8 bilhões da primeira parcela, o governo retirará cerca de R$ 34 bilhões para pagar a compensação à Petrobras, de acordo com os critérios adotados na revisão do contrato da cessão onerosa, firmado pela União com a estatal do petróleo em 2010.

O valor líquido que sobrará da primeira parcela será de R$ 36,8 bilhões. Deste total, 15% irão para os Estados (R$ 5,52 bilhões), e 15%, para os municípios (outros R$ 5,52 bilhões). Outros 3% da parcela da União serão destinados ao Estados confrontantes do pré-sal (R$ 1,1 bilhão). Sobrará para a União uma parcela de R$ 24,65 bilhões.

Os critérios da divisão estão previstos em projeto de lei, já aprovado pela Câmara dos Deputados. O Senado deverá aprovar hoje ou amanhã.

Além disso, o governo vai realizar, no próximo dia 7 de novembro, o leilão da 6ª rodada de partilha de produção do pré-sal, cujo valor do bônus de assinatura foi fixado pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) em R$ 7,85 bilhões. Este valor será pago integralmente no dia 27 de dezembro.

Como o dinheiro só ingressará nos cofres da União no dia 27 de dezembro, não haverá tempo hábil para que os recursos sejam gastos. Assim, os R$ 32,5 bilhões (R$ 24,65 bilhões mais R$ 7,85 bilhões) que ficarão com a União devido aos leilões do petróleo que ainda faltam ser realizados neste ano serão incorporados ao resultado primário do governo central.

Como o déficit primário para este ano, estimado pelo secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, ficará entre R$ 115 bilhões e R$ 120 bilhões por causa do “empoçamento” dos recursos (os ministérios não conseguem gastar o que foi liberado pelo Tesouro por causa das vinculações), o déficit primário total, considerando os recursos dos dois leilões do petróleo, ficará entre R$ 87,5 bilhões e R$ 82,5 bilhões.

A segunda parcela do leilão da cessão onerosa, prevista para ser paga no próximo ano, será de R$ 35,8 bilhões. O valor será dividido com Estados e municípios, de acordo com os mesmos critérios da primeira parcela, e com o Rio de Janeiro. Desta parcela, a União ficará com R$ 23,98 bilhões. Isto significa que, provavelmente, não haverá contingenciamento de dotações orçamentárias em 2020, pois a frustração das receitas tributárias da União teria que ser superior a esse valor.

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TCU considera elevado desembolso de R$ 316 bi em leilão de excedentes

Murillo Camarotto 

Rafael Bitencourt 

16/10/2019

 

 

A modelagem econômica desenhada pelo governo para o megaleilão dos excedentes da cessão onerosa previa um desembolso de curto prazo de R$ 316 bilhões para as empresas vencedoras. O valor - resultante da soma dos bônus de assinatura e das compensações devidas à Petrobras - foi considerado muito alto pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que solicitou uma série de mudanças antes de autorizar a realização do certame, confirmado para 6 de novembro.

O governo acatou as observações e alterou algumas regras relativas à compensação da Petrobras. A primeira, inserida no edital do leilão, proíbe a estatal de exigir pagamento antecipado das compensações.

A companhia poderá cobrar, no máximo, o montante equivalente ao que entraria em seu caixa no caso de ela permanecer como única operadora de cada campo da região.

A outra mudança foi implementada em setembro, por meio da Portaria 363, do Ministério de Minas e Energia (MME). O documento alterou o calendário do ressarcimento e reduziu o valor de referência do barril de petróleo a ser utilizado para o cálculo da compensação. Fixado anteriormente em US$ 72, o preço foi separado por bloco e cotado de acordo com as estimativas de produção ao longo do intervalo entre os anos 2019 e 2050.

A Petrobras tem direito a compensações pelos investimentos já realizados na área da cessão onerosa. A empresa também deve ser ressarcida pela redução do seu fluxo de caixa, que será afetado quando outras empresas começarem a atuar na região. A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) estimou a compensação em US$ 45,2 bilhões (R$ 188 bilhões), mas o texto da nova portaria derrubou essa previsão para um valor que é mantido em sigilo.

Antes das alterações, os desembolsos de curto prazo das futuras vencedoras do leilão representavam, em média, 42% de toda a receita prevista durante a execução dos contratos, que têm prazo de 35 anos. Para o TCU, o percentual poderia comprometer a atratividade do certame.

“Tais montantes praticamente induzem as empresas (mesmo as maiores do mercado) a atuarem de forma consorciada (o que já limitaria bastante a multiplicidade de ofertas), e restringem o acesso a um seleto grupo de alta capacidade financeira”, alertou o órgão de controle, em relatório.

A competitividade do leilão interessa ao TCU porque a parcela de recursos que caberá a União será maior de acordo com as ofertas a serem apresentadas, ou seja, quanto mais competidores, mais receita para o governo.

No campo de Búzios, de longe o maior do leilão, a soma do bônus de assinatura (US$ 18,4 bilhões) e das compensações à Petrobras (US$ 37,6 bilhões) representaria quase metade de todo o dinheiro que será gerado pela exploração dos 7 bilhões de barris de óleo e gás existentes no local.

“Mesmos para os promissores campos do leilão, pode não ser razoável impor aos investidores o desembolso de quase a metade do valor total dos projetos, de forma antecipada”, alertou o Tribunal de Contas da União.

Mesmo para as empresas de maior porte no mercado internacional, consorciadas ou não, indicar a necessidade de dispor de aproximadamente US$ 76 bilhões no início da execução de contratos, em que o horizonte é de 35 anos, pode se mostrar incompatível com o valor dos ativos licitados e com as práticas de mercado o que, ao fim, pode resultar em fracasso do certame”, complementa o órgão.

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Aposta é que contrato com Petrobras terá aval, mesmo que com ressalvas 

Ribamar Oliveira 

16/10/2019

 

 

Mesmo sem uma decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a revisão do contrato entre Petrobras e União em torno da cessão onerosa, o governo decidiu incluir, na sua programação orçamentária e financeira deste ano, parte da receita que espera obter no megaleilão do excedente de petróleo dessa área do pré-sal. A decisão do TCU só sairá no dia 23.

A expectativa na área econômica, no entanto, é que os ministros do TCU serão favoráveis à revisão negociada pela Petrobras com o governo, que se arrasta desde 2016, mesmo com algumas ressalvas, como já ocorreu na semana passada, quando aprovaram, com ressalvas, os termos do megaleilão.

Durante entrevista coletiva anteontem, o secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, não quis informar se o megaleilão será mantido caso o TCU não aprove a revisão do contrato ou adie a decisão, solicitando alterações ou mais informações.

Waldery disse que está confiante de que a decisão será favorável, pois o assunto está sendo discutido pelo atual governo com os auditores do TCU desde a transição, no fim do ano passado, e que todas as informações que eles solicitaram foram repassadas.

Se os ministros do TCU não aprovarem os termos da revisão ou solicitarem mudanças no texto do acordo negociado, a União não teria como pagar a Petrobras e o leilão correria o risco, em tese, de ser até mesmo adiado, devido aos riscos jurídicos.

Embora já tenha manifestado sua preferência por dois campos da cessão onerosa que serão licitados (Búzios e Itapu), a Petrobras condicionou a sua participação no leilão ao recebimento da compensação da União a que tem direito pela revisão do contrato.

Todas essas interrogações só serão respondidas na quarta-feira da semana que vem, após decisão do TCU. O Valor apurou, no entanto, que a expectativa do governo é que a revisão do acordo será aprovada pelos ministros do tribunal, mesmo com ressalvas.

Uma atitude mais cautelosa do governo teria sido adiar, para uma data posterior ao dia do certame, a inclusão dos recursos do leilão do excedente da cessão onerosa na programação orçamentária. O governo argumenta que a receita do leilão incluída na programação orçamentária, no valor de R$ 52,5 bilhões, não será utilizada para gastos correntes. Ou seja, o governo não gastará por conta dessa receita.

O dinheiro foi bloqueado em uma reserva, que será utilizada, no futuro, apenas para pagar a própria Petrobras e para transferir os recursos que serão divididos com Estados e municípios. “Se o leilão não se realizar, essa reserva não existirá”, explicou o secretário-adjunto do Tesouro, Otavio Ladeira. Ou seja, o arranjo idealizado pela equipe econômica não compromete o cumprimento da meta fiscal deste ano.

A questão é saber, então, o motivo que levou o governo a antecipar a inclusão de parte dos recursos da cessão onerosa na programação orçamentária e financeira deste ano, se não pretende usar o dinheiro até a realização do leilão. “Tivemos que cumprir prazos”, explicou Waldery. O principal prazo é o definido pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), válida para 2019, que define o dia de hoje, 15 de outubro, como a data limite para o envio ao Congresso de projetos de lei de créditos suplementares e especiais ao Orçamento.

O pagamento da União à Petrobras não está previsto na lei orçamentária deste ano. Para que a despesa seja realizada, ela precisa ser autorizada pelo Congresso e constar do Orçamento. A Emenda Constitucional 102, de setembro de 2019, excluiu esse pagamento do teto de gastos.

Por isso, o governo teria que encaminhar um projeto de lei (PLN) ao Congresso com a abertura de um crédito suplementar no valor a ser pago à estatal, algo em torno de R$ 33,7 bilhões.

Na semana passada, o governo encaminhou ao Congresso um projeto de lei (PLN 27/2019) propondo que o prazo do dia 15 de outubro para a apresentação de projetos de crédito suplementar e especial ao Orçamento seja adiado para o dia 14 de novembro. Se havia esse limite na lei, o governo deveria ter pedido, há mais tempo, a prorrogação do prazo. Não o fez e, por isso, foi obrigado a incluir na programação orçamentária e financeira parte dos recursos do leilão da cessão onerosa para poder apresentar, até ontem, um projeto de lei de crédito especial para pagar a Petrobras.

Há um “subproduto”, muito importante do ponto de vista político, da decisão de incluir, agora, parte da receita do megaleilão na programação orçamentária e financeira. Como admitiu anteontem que há recursos disponíveis, o governo é obrigado a desbloquear as emendas parlamentares que tinham sido contingenciadas ao longo deste ano.

Desbloqueou também as despesas contingenciadas dos demais poderes, mantendo parte do bloqueio apenas dos ministérios e órgãos do Poder Executivo. Isso foi possível não só pela inclusão na programação dos recursos obtidos na 16ª rodada de concessões de petróleo, realizada na semana passada pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), no valor de R$ 8,9 bilhões, mas, principalmente, pela inclusão de parte dos recursos da cessão onerosa.