Valor econômico, v.20, n.4859, 16/10/2019. Brasil, p. A6

 

Mudança no orçamento virá antes da tributária 

Gabriel Vasconcelos 

16/10/2019

 

 

Próximo do ministro Paulo Guedes e com livre acesso às reuniões da equipe econômica, o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Carlos von Doellinger, diz que a bola da vez no governo é o Pacto Federativo, à frente da reforma tributária na lista de prioridades. A mudança na tributação vai ficar para 2020 e será feita por etapas, focando simplificação. “Reduzir a carga não é realista”, diz o economista.

O texto do Pacto Federativo, diz Doellinger, ficou travado pela negociação da divisão dos recursos da cessão onerosa entre União, Estados e municípios. Superada essa questão, o governo agora aguarda somente o desfecho da Previdência no Senado, na próxima semana, para enviar a essa mesma casa o projeto que envolve as reformas administrativa e orçamentária. A mudança na dinâmica orçamentária vem sendo chamada por Guedes de Pacto Federativo.

Esse pacote dá forma ao mantra “desvincular, desindexar e desobrigar”, repetido pelo ministro desde a campanha eleitoral, e pode ampliar o poder de investimento do governo - hoje na casa dos R$ 19 bilhões - em pelo menos R$ 39 bilhões ao ano, diz Doellinger. Em um primeiro momento, porém, o montante serviria ao abatimento do déficit primário, por “não ser possível triplicar investimentos públicos em infraestrutura em um ou mesmo dois anos”, diz o presidente do Ipea.

Neste fim de ano, a articulação do Planalto deve focar os senadores, que têm endurecido a demanda por repasses aos Estados, inclusive com prejuízos para a reforma da Previdência. Doellinger não aponta erro político do governo, mas admite que a “briga por recursos” do petróleo veio depois da sinalização de Guedes sobre possível aumento nos repasses. “É uma situação meio esdrúxula. Quem imaginaria isso? No início, nem se falava em distribuição. Mas o governo acenou com essa possibilidade para melhorar a situação dos Estados e estabeleceu-se a confusão que travou o processo. Às vezes se vai com boas intenções e a coisa degringola”, diz sobre esse preâmbulo do Pacto Federativo.

Fonte familiarizada com a discussão avalia que a projeção de Doellinger sobre a maior capacidade de investimento do governo dependerá da aprovação do que o Planalto tem chamado de “PEC emergencial”, versão simplificada da proposta do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) que prevê, entre outras coisas, restrições às despesas correntes em caso de desrespeito à “regra de ouro”, além de proibir aumentos nos salários do funcionalismo por dois anos.

No caso da União, pesaria a economia com a não reposição de servidores aposentados e o fim da correção, pela inflação, dos salários do funcionalismo e dos benefícios das faixas mais altas do regime geral de Previdência - o que é tratado com cautela por ser item impopular, diz a fonte. Até por isso, mudanças envolvendo o salário mínimo estariam fora do debate.

O diretor de macroeconomia do Ipea, José Ronaldo de Castro, diz que as propostas do Pacto Federativo para Estados e municípios estão mais direcionadas à desvinculação orçamentária porque, à diferença da União, esses entes ainda não contam com um teto de gastos. Ele afirma, ainda, que nas reuniões com a equipe econômica, o Ipea tem defendido a desobrigação do abono salarial, item que, sozinho, liberaria cerca de R$ 20 bilhões por ano. “O abono é prejudicial à distribuição de renda porque 59% do dinheiro vai para a metade da população com os maiores salários. Não deveria ser obrigatório.”

O governo planejava que a proposta de reforma tributária chegasse concomitantemente à Câmara para que tramitasse de forma cruzada com o Pacto Federativo no Senado. A profusão de propostas para a tributação e o veto do presidente Jair Bolsonaro à ideia de um novo imposto sobre movimentações financeiras, a antiga CPMF, no entanto, atrasaram os trabalhos da equipe econômica do governo.

Por isso, Doellinger admite que a discussão sobre a nova estrutura tributária só deve ser iniciada no ano que vem. A criação, pelo Ministério da Economia, de um grupo de trabalho (GT) específico para essa reforma, com prazo de 60 dias prorrogáveis por igual período, reforça esse calendário. A tendência, diz o presidente do Ipea, é que o governo proponha uma reforma “faseada”, com maior potencial de aprovação ainda que com tramitação mais alongada.

O governo deverá, portanto, encaminhar a proposta do imposto único dual, entregue pelo Ipea ainda em 2018, que prevê, primeiro, a união de PIS e Cofins em um IVA federal e, só depois, a unificação dos impostos estaduais e municipais em IVA estadual. Em um terceiro momento, os dois seriam harmonizados por livre escolha dos governos regionais.

Mas a diminuição de impostos, hoje em 34% do PIB, não é factível para Doellinger. “A carga vai continuar porque estamos em situação fiscal difícil. Seria desejável reduzir, mas, realisticamente, não dá. O destaque vai ser a simplificação, porque reduz o custo de transação do Brasil, um dos mais altos do mundo. As empresas ficariam muito felizes em pagar impostos sossegadas.” A abordagem contrasta com a opinião sobre o período de transição dos impostos, cujo tempo chega a 15 anos na proposta em discussão no Senado. “Gradualismo não funciona, dilui demais o efeito da mudança. Ficamos 30 anos fazendo gradualismo contra a inflação até o Plano Real. Que fique claro o que vai ser no ano que vem ou em dois anos”, defende.

Ante o passo truncado das reformas, Doellinger mantém sua previsão de crescimento da economia em 0,8% este ano. Mas afirma que é possível confirmar as projeções do Ipea de crescimento acima de 2% a partir do ano que vem, desde que as reformas avancem. “Ainda que não tenham efeito direto, as reformas mexem muito com a expectativa do investidor. Se virem que estamos focados, entregando, passam a acreditar mais. Porque, até agora, essa reforma da Previdência está meio empacada”, afirma.