O globo, n. 31404, 31/07/2019. País, p. 8

 

Hacker: punição pode chegar a 70 anos de prisão

Jailton de Carvalho

31/07/2019

 

 

PF deverá imputar a Walter Delgatti Neto os crimes de ‘interceptação de comunicação’ e ‘invasão de dispositivo de informática’ em cada conta acessada; ato da ABI em apoio a Greenwald reúne centenas de pessoas no Rio

APolícia Federal deverá imputar ao hacker Walter Delgatti Neto os crimes de “interceptação de comunicação” e “invasão de dispositivo de informática” a cada conta do aplicativo Telegram por ele invadida desde março deste ano, segundo disse ao GLOBO uma interlocutor que acompanha o caso de perto. A partir deste entendimento, Delgatti pode ser punido com mais de 70 anos de prisão só pelos crimes confessados até o momento.

A forma como a PF pretende fazer o enquadramento penal deve aumentar a pressão sobre Delgatti, que prestou novo depoimento ontem. Ele confessou crimes e deu informações

do método usado, mas a polícia acredita que o hacker sabe mais do que contou. Pelos indícios obtidos até agora, ele teria tentado invadir cerca de mil telefones, um total bem acima do mencionado em seu depoimento.

Semana passada, o hacker reconheceu ter acessado aplicativos de celulares de 14 pessoas. Por estes números, a soma das penas máximas por interceptação de comunicação chegaria a 56 anos.

O artigo 10 da Lei n° 9.296/ 96 prevê reclusão de dois a quatro anos para interceptação ilegal de comunicação. As invasões de dispositivos de informática, que podem ser punidas com até um ano de prisão, resultariam em mais 14 anos de cadeia. Só por estes dois crimes, a pena chegaria à casa dos 70 anos. Procurada para falar sobre o caso, a defesa de Delgatti não atendeu às ligações do GLOBO.

Liberdade de imprensa

Um ato de desagravo ao jornalista Glenn Greenwald, fundador e editor do site The Intercept Brasil, reuniu centenas de pessoas na noite de ontem na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio. Além de Greenwald, estavam presentes jornalistas, políticos e artistas, como Chico Buarque e os atores Camila Pitanga e Wagner Moura.

O Intercept tem publicado desde 9 de junho conversas extraídas do aplicativo Telegram de procuradores da Lava-Jato com outras autoridades, como o ministro da Justiça, Sergio Moro. A ABI defende a integridade do jornalista e o direito ao sigilo da fonte, além do livre exercício da profissão.

Em nota, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) também ressaltou a liberdade de imprensa e condenou qualquer iniciativa que “vise a intimidar o livre exercício do jornalismo ou pretenda afrontar o direito constitucional ao sigilo da fonte”.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), gravou um vídeo exibido no ato. Ele comparou o vazamento das mensagens copiadas por hackers à divulgação, por agentes do Estado, de detalhes de processos sob sigilo:

“Um hacker que pegou de forma ilegal, criminosa dados de terceiros, precisa ser punido, investigado, descoberto (...) Um agente público que vaza informações sigilosas sob seu comando também comete crime. Todos os dois, que passam informações para a sociedade, cometem ato ilícito. (...) Um agente público com uma informação sigilosa entregou a um meio de comunicação e esse meio deu divulgação, ele está protegido pelo sigilo (da fonte), que é um direito democrático”.