Valor econômico, v.20, n.4853, 10/10/2019. Brasil, p. A6

 

Bispo da Amazônia afirma que Igreja deve denunciar

Lucas Ferraz 

10/10/2019

 

 

“Se a igreja se cala, as pedras das ruas vão falar”, respondeu o bispo dom Erwin Kräutler, austríaco radicado na Amazônia há mais de meio século, ao ser questionado ontem sobre o teor político do sínodo aberto no Vaticano no domingo pelo papa Francisco. “Temos a obrigação de chamar a atenção para o descalabro e a penúria de tantas pessoas”, completou.

Bispo emérito do Xingu e vivendo em Altamira, no Pará, desde 1965, o religioso foi um dos presentes em conferência durante o Sínodo da Amazônia. Para ele, a função primordial da assembleia da igreja é exatamente denunciar.

Ele falou abertamente - algo incomum no Vaticano - sobre dois dos temas mais polêmicos do evento: a possibilidade de ordenar homens casados como padres, transformando ainda as mulheres em diaconisas, e a “opção pelos mais pobres”, o que inevitavelmente ganha conotação política (e críticas de socialismo) na conjuntura brasileira e internacional.

Crítico ferrenho da construção da usina de Belo Monte no Pará, ele sustenta que o Brasil não precisa construir mais nenhuma hidrelétrica na Amazônia, embora haja “centenas de projetos por aí”.

O bispo comentou que é testemunha dos impactos sociais e ambientais da construção de Belo Monte, empreendimento defendido pelo PT e desenvolvido, segundo ressaltou, sem nenhuma consulta ou cuidado com a população. “Foram só promessas e mais promessas. Moro lá há 55 anos e o impacto foi tremendo, a cidade é hoje uma das mais violentas do Brasil.”

Considera que o governo de Jair Bolsonaro transformou os índios num “entrave para o progresso” e reclamou que o mundo todo falou dos “incêndios criminosos na Amazônia”, mas ninguém mais se preocupa com as consequências.

Dom Erwin rememorou audiência que teve com o papa Francisco, em abril de 2014, quando expôs o que, para ele, eram os três pontos mais críticos da Amazônia: destruição ambiental, ameaça aos indígenas e falta de eucaristia. “Disse a ele que o povo amazônico está completamente excluído da realidade da igreja.”

Em 2015, o papa publicou a encíclica “Laudato Si”, considerada inovadora por abordar pela primeira vez uma teologia ecológica, na qual fala da necessidade de preservar a Amazônia e os povos indígenas.