O globo, n. 31401, 28/07/2019. Artigos, p. 3

 

Os papéis do superministro

Bernardo Mello Franco

28/07/2019

 

 

Amanhã completam-se 50 dias desde que o site Intercept Brasil divulgou os primeiros diálogos da LavaJato. De lá para cá, a Polícia Federal identificou e prendeu os responsáveis por interceptar conversas de agentes públicos. As instituições parecem estar funcionando na apuração dos vazamentos. Falta se interessarem pelo teor das mensagens. A facilidade com que hackers de Araraquara violaram segredos da República é tão espantosa que arrisca ofuscar o resto da história. Num resumo rápido, os chats revelaram que Sergio Moro acumulou os papéis de juiz e assistente de acusação nos processos de Curitiba.

O atual ministro passou dicas, indicou testemunhas e antecipou ao menos uma decisão ao procurador Deltan Dallagnol. Além disso, orientou o Ministério Público a recusara delação de um político( doe x-deputado Eduardo Cunha) e desistir de uma investigação sobre outro (o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso). Os diálogos indicam que Moro abandonou a neutralidade exigida de um magistrado. O Código de Processo Penal afirma que o juiz deve se declarar suspeito “se tiver aconselhado qualquer das partes”. Vale para a acusação e para a defesa. Dois dias depois da primeira reportagem, o Conselho Nacional de Justiça arquivou um pedi dopara investigar aconduta de Moro. O corregedor Humberto Martins afirmou que o ministro deixou a carreira de juiz para embarcar no governo de Jair Bolsonaro. É verdade, masas sentenças que ele assinou continuam a produzir efeitos. A primeira reação do Conselho Nacional do Ministério Público também foi ade jogar uma pedra sobre o assunto.

O corregedor Orlando Rochadel arquivou um pedido para apurar se Dallagnol violou os princípios da “equidistância das partes” e da “vedação de atuação político-partidária”. Alegou “inexistência de ilícito funcional”. No episódio das palestras, Rochadel aceitou reclamação disciplinar contra Dallagnol e seu colega Roberson Pozzobon. Neste caso, os dois deverão explicar o plano de ganhar dinheiro com afama obtida graçasàL ava-Jato .“Vamos organizar congressos e eventos e lucrar, ok?Éumbomjeit ode aproveitar nosso network inge visibilidade ”, escreveu ochefed aforça-tarefa. Fora das arenas corporativistas do CNJ e do CNMP, restaria a possibilidade de uma investigação da Procuradoria-Geral da República.

Deste mato, não deve se esperar coelho. A procuradora Raquel Dodge está em campanha pela recondução e tem feito o possível para não melindrar o governo. Ela já repetiu o discurso de Moro ao ignorar o conteúdo das mensagens e condenar seu vazamento como um “grave atentado às autoridades constituídas”. Desde o início da crise, o ministro viu seu boneco de super-herói murcharem praça pública, mas não desistiu de acumular funções. Neste momento, e lese revez anos papéis de vítima, investigado reacusador. Na quinta-feira, também voltou afalar como juiz ao anunciara destruição de provas. Ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, Gilson Dipp definiu a ideia como um “autoritarismo em nome da proteção de autoridades”. “Estamos vivendo num país surreal”, resumiu.