O globo, n. 31401, 28/07/2019. País, p. 4

 

No rastro do dinheiro

Leandro Prazeres

Aguirre Talento

28/07/2019

 

 

Após confissão de hacker, PF busca braços financeiros do grupo

Após o hacker Walter Delgatti Neto ter admitido que invadiu as contas do aplicativo Telegram de diversas autoridades, a Polícia Federal (PF) direcionou a investigação para os possíveis braços financeiros do grupo preso na última terça feira. Para isso, a PF solicitou acesso às movimentações feitas com moedas criptografadas e aos sigilos bancários para verificar, dentre outras coisas, se a versão de que Delgatti não recebeu dinheiro para repassar as conversas dos procuradores da Lava-Jato é ou não verdadeira.

As investigações que resultaram na Operação Spoofing começaram após a tentativa de invasão da conta do aplicativo Telegram do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. Na terça-feira, a PF prendeu quatro pessoas em São Paulo sob suspeita de envolvimento no caso: Walter Delgatti Neto, Gustavo Santos, Suelen Oliveira e Danilo Marques. Segundo a PF, Delgatti atuaria como líder do grupo, mas pode ter usado os demais para receber pagamentos pelas atividades ilícitas.

A pedido da polícia e do Ministério Público Federal, o juiz da 10ª Vara Federal do DF, Vallisney de Oliveira, autorizou a quebra do sigilo de suas carteiras virtuais e o bloqueio dos recursos de todos os presos. Vallisney também registrou em sua decisão que prorrogou a prisão temporária por mais cinco dias porque, em liberdade, eles poderiam atrapalhar a investigação.

“Em liberdade, poderão acessar e movimentar tais contas de forma a eliminar provas de eventual produto do crime”, escreveu Vallisney. Em depoimento prestado à Polícia Federal, Delgatti admitiu ter sido o responsável pela invasão das contas de diversas autoridades, incluindo procuradores da Operação Lava-Jato. Ele também reconheceu ser o responsável por repassar o conteúdo das conversas para o site “The Intercept Brasil” — segundo ele, de forma anônima, sem editar e nem receber pagamento pelo material.

Suas movimentações financeiras, no entanto, estão mal explicadas. Delgatti disse não exercer profissão remunerada e sustenta que todos os seus rendimentos vêm de aplicações financeiras. Ao ser questionado pelos investigadores sobre como havia obtido recursos para compor essas aplicações, o hacker disse, no entanto, “não saber”.

A Polícia Federal mira também duas operações suspeitas de câmbio feitas por Delgatti, uma no Aeroporto de Brasília e outra em Natal. O hacker disse que o objetivo era “adquirir dólares para um amigo”, mas se negou a esclarecer quem seria a pessoa. A busca pelo braço financeiro do grupo tem foco em três pessoas: Gustavo Santos, Suelen Oliveira e Danilo Marques. De acordo com a PF, Santos e Suelen operavam no mercado de moedas virtuais. Relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) indicam que o casal movimentou R$ 627 mil de forma suspeita entre os anos de 2018 e 2019.

Na casa deles, a PF encontrou R$ 99 mil em espécie. Em depoimento, eles disseram que o valor era fruto das operações de Santos com bitcoins — a mais famosa moeda virtual. Além do dinheiro circulando pelo sistema financeiro convencional, Santos também era um ativo operador de criptomoedas. Em depoimento, revelado ontem pela GloboNews, ele admitiu manter várias carteiras, mas se recusou a informar detalhes — o que deixou os investigadores ainda mais interessados nesses dados.

Santos diz ter obtido os recursos para comprar as criptomoedas a partir de sua atividade com DJ e em jogos online, além de apontar também a venda de veículos como justificativa para suas movimentações financeiras. Os valores dos eventos, no entanto, é pequeno se comparado com as transações identificadas. Suelen disse em seu depoimento que o marido faz de três a cinco festas por mês, e cobra aproximadamente R$ 500 por evento.

Suelen foi presa porque a PF identificou importantes movimentações em suas contas. No depoimento, o marido assumiu a responsabilidade pelas transações e disse que Suelen “desconhece completamente suas atividades comerciais ou negócios que realizava”. O DJ não sabe dizer se Delgatti mantém carteira de bitcoin na internet e negou ter atuado com ele em fraudes bancárias ou golpes financeiros pela internet. Santos contou, no entanto, que estava com o hacker quando este foi preso pela polícia rodoviária paulista por porte de documento falso — na oportunidade, Delgatti estava com um “extrato bancário editado” de R$ 1,8 milhão. Na versão de Santos, o parceiro teria fraudado o documento apenas “com o objetivo de se vangloriar”.

Mudança para os EUA

Outro alvo da PF na busca pelo dinheiro do grupo é o motorista de aplicativo Danilo Marques. A PF aponta que Danilo admitiu ter “emprestado” uma conta no Banco do Brasil para Walter, “que passou a ser utilizada exclusivamente por este para a realização de transferências e pagamentos diversos”. Marques admitiu ter feito, a pedido do amigo, operações de câmbio, totalizando US$ 3 mil, no Rio, Natal e São Paulo. Segundo Marques, que conhecia Delgatti desde 2002, o hacker dizia que havia extrapolado o limite de compra das corretoras e, por isso, precisava fazer as operações em nome de outras pessoas.

O motorista, no entanto, disse que não sabia a origem dos recursos de Delgatti e que o amigo apenas dizia que precisava comprar dólares para poder morar nos Estados Unidos, onde teria permanecido três meses, segundo o motorista. Quando foi preso, Delgatti morava em um imóvel alugado em nome de Danilo.

O que falta esclarecer

> Houve mandantes ou “patrocinadores” das invasões?

Ainda não há informações concretas sobre isso. Além dos R$ 100 mil apreendidos pela PF na Operação Spoofing, o que se sabe sobre as finanças dos suspeitos, até agora, é que Gustavo Henrique movimentou R$ 424 mil entre abril e junho do ano passado e Suelen, por sua vez, fez transações de R$ 203 mil entre março e maio deste ano. Para os delegados da PF, há incompatibilidade entre a movimentação financeira e as rendas declaradas dos dois. O juiz federal Vallisney de Oliveira autorizou a quebra dos sigilos bancários e telemáticos dos investigados, além do bloqueio de ativos financeiros acima de R$ 1 mil.

> Qual foi o papel de cada um dos suspeitos nos ataques cibernéticos?

Embora Walter Delgatti Neto tenha confessado que invadiu as contas de várias autoridades no Telegram, ainda não há informações sobre como teriam atuado os outros três suspeitos. Eles disseram em seus depoimentos não ter participação nos ataques às contas do aplicativo de mensagens. Gustavo Henrique Elias dos Santos e sua mulher, Suelen Priscila de Oliveira, dizem ser inocentes no caso. Santos admite ter sido apenas informado por Delgatti sobre a invasão do aplicativo de Sergio Moro e diz que os recursos movimentados eram de aplicações em moedas virtuais. O motorista de Uber Danilo Cristiano Marques também nega envolvimento no hackeamento, mas admitiu ter feito operações de câmbio para Walter Delgatti e cedido seus dados para que o hacker alugasse um imóvel.

> Além de Moro e outras autoridades, quantas e quais pessoas teriam sido hackeadas?

Em entrevista coletiva em Brasília, os delegados informaram que encontraram indícios de que supostos hackers também clonaram o telefone do ministro da Economia, Paulo Guedes. A PF diz que um dos suspeitos presos tinha uma conta com o nome do ministro, no aplicativo Telegram. Segundo a PF, é possível que cerca de mil integrantes dos três Poderes (Executivo, Judiciário e Legislativo) tenham sido alvo dos suspeitos nos últimos meses. Entre eles, estaria também a deputada federal Joice Halssemann (PSL-SP), que disse ter sido alvo de um ataque no último fim de semana.

> Qual a origem do dinheiro dos quatro presos?

As movimentações dos quatro investigados ainda estão pouco explicadas. Os quatro investigados têm em comum o fato de não terem qualquer ocupação conhecida para justificar os valores.