Valor econômico, v.20, n.4855, 10/10/2019. Brasil, p. A10

 

Brasil quer cortar tarifa de importação pela metade 

Assis Moreira 

10/10/2019

 

 

O Brasil está determinado a reduzir em 50% suas tarifas de importação, na média, ao longo de dois a três anos, o que implicará a reforma da Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul. Como vai alcançar isso, dependerá da postura do governo argentino depois da eleição presidencial do dia 27 no país vizinho.

Conforme o Valor apurou, a equipe econômica tem confirmado que vai levar adiante proposta de reforma da TEC na cúpula do Mercosul, em dezembro, quando passará a presidência do bloco para o Paraguai.

Brasília indica que não vai deixar o novo governo argentino, seja ele qual for, travar a ambição da agenda de integração internacional brasileira. Ou seja, não adiantará discurso de Buenos Aires de que o Mercosul é importante e o Brasil parceiro central, enquanto na prática não se move.

O governo brasileiro trabalha com algumas opções. Importantes membros do governo mencionam o provável surgimento do “Mercosul 2.0”, ou bloco flexibilizado. Ou seja, uma nova prática em que cada sócio pode negociar ou não em conjunto. Isso implicará perfuração da TEC de toda maneira.

No caso de “Mercosul 2.0”, a expectativa é de que uma negociação ampla do Brasil com os EUA possa ser lançada. As indicações são de que Washington apenas aguarda o que vai acontecer com a Argentina depois da eleição presidencial para levar adiante essa discussão.

Mas autoridades brasileiras vêm insistindo, em contatos com parceiros, que acabar com o Mercosul não está nem esteve no seu radar, porque a percepção dominante na equipe econômica é de que alinhamento comercial não se dá por ideologia.

A avaliação é de que Paraguai e Uruguai estão de acordo em levar adiante a reforma da TEC, para torná-la mais em linha com a média internacional, e não apenas para importação de bens de capital e de informática.

Depois da cúpula do Mercosul, uma vez formalizada a ideia de reforma da TEC, o governo brasileiro vai abrir discussões com o setor privado. Setores do empresariado reclamam que não têm sido ouvidos suficientemente. Já no governo, a resposta é de que existe uma clara estratégia comercial, amplamente explicada, e que vai ser seguida.

Isso implica levar em conta as posições do empresariado e dos consumidores. A avaliação é de que o Brasil necessita “desesperadamente” reduzir a TEC para contribuir num impulso da competitividade de setores industriais.

A liberalização no Brasil deve passar também pelo setor de serviços. Importar serviços custa muito caro, cerca de 47% de taxas. Uma fonte que conhece bem o mercado brasileiro prevê enormes dificuldades. “Vai falar com advogado, contador, escolas privadas, de que certos serviços serão flexibilizados para o estrangeiro oferecer.”

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País pode ficar para trás em serviços, diz OMC

Assis Moreira 

10/10/2019

 

 

O comércio internacional de serviços se tornará cada vez mais importante e poderá crescer 50% até 2040, prevê a Organização Mundial do Comércio (OMC). A fatia dos países em desenvolvimento pode aumentar 15% no período, se eles forem capazes de adotar tecnologias digitais.

Para o diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo, o Brasil “é um dos países que precisam investir na digitalização para não ficar atrás, para aproveitar o enorme potencial de crescimento do comércio internacional de serviços”.

A fatia do setor de serviços no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil já é de 72%. “E o que está claro é que, em 2040, mais de 80% do PIB do Brasil é projetado para incluir serviços, e um enfoque político em manufaturas precisa ser reconsiderado, porque a maioria da economia será em serviços”, diz o professor Bernard Hoekman, ex-diretor do Departamento de Comércio Internacional do Banco Mundial e hoje professor do European University Institute, na Itália.

Conforme novo relatório da OMC, a fatia de produção de serviços na produção total no Brasil é projetada para ser de 84% tanto no cenário de base (tendências atuais) como no cenário de digitalização (aumento adicional da produtividade, mais uso intensivo de tecnologia da informação na produção, redução de custos associados com digitalização). A média global seria de 82% e 84% respectivamente. O relatório não dá detalhes, mas aparentemente crê que nos dois cenários a digitalização será inevitável no país.

Conforme a OMC, um maior uso de tecnologias digitais no Brasil pode reduzir em 12% os custos de operações comerciais com o exterior, acima da média mundial (queda de 9,3%).

Se a necessidade de interação pessoal também for reduzida, esses custos poderiam baixar outros 14,3% no país.

Calcula que o crescimento médio da produtividade no Brasil em razão de digitalização ficaria em 0,88% por ano, comparado à expansão de 0,95% no resto do mundo entre 2018 e 2040.

A OMC projeta para até 2040 um aumento de 11% da população no país, de 41% no PIB per capita, de 53% da mão de obra qualificada e queda no número de sem qualificação - mas todos abaixo da média global.

No relatório, a OMC fez um exame mais aprofundado de serviços prestados por uma companhia com escritório ou subsidiária num país estrangeiro. Quando a “presença comercial” é contabilizada, o comércio internacional de serviços na verdade alcançou US$ 13,3 trilhões em 2017 - ou 20 pontos percentuais a mais do que tradicionalmente estimado.

Na média, o comércio internacional de serviços cresceu 5,4% por ano desde 2005, mais rápido do que os 4,6% do comércio de mercadorias, na média. Serviços financeiros e de distribuição são os mais comercializados globalmente, cada um representando quase 20% do total, seguidos por telecomunicações, audiovisual e serviços de computação, somando 13,2%. Outros segmentos, como serviços educacionais, de saúde e ambientais, também crescem rapidamente.

Os custos em serviços são quase o dobro daqueles em mercadorias, mas caíram 9% entre 2000-2017 com a propagação de tecnologias digitais, menos barreiras e mais investimentos em infraestrutura.

Além das tecnologias digitais, as mudanças demográficas, o aumento da renda e o impacto de mudanças climáticas são tendências que afetarão o crescimento do comércio global de serviços. Elas vão criar novos tipos de comércio no setor, afetar a demanda, causar disrupção, mas também criar novos mercados, como no segmento ambiental.

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Indústria reclama da China e critica manipulação cambial 

Assis Moreira 

10/10/2019

 

 

O setor empresarial brasileiro levou ontem à Organização Mundial do Comércio (OMC) proposta para a entidade ampliar a lista de subsídios proibidos à exportação, incluindo combater manipulação cambial.

A iniciativa reflete inquietação com a queda da fatia brasileira nas exportações globais de manufaturados, de 0,7% para 0,6% do total entre 1995-2017, e o peso da concorrência de países como a China, reputados por turbinar sua produção com subsídios.

Fabrízio Panzini, gerente de negociações internacionais da Confederação Nacional da Industria (CNI), participou de encontro de representantes empresariais internacionais com o diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo, a quem entregou documento com 21 propostas de reforma em três áreas: aprimoramento do trabalho da entidade, negociação de novos acordos e destravamento do mecanismo de solução de disputas.

A CNI entregou antes o documento ao governo brasileiro, na expectativa de que impulsione a agenda de reforma, mostrando a inquietação crescente do setor.

No curto prazo, o setor privado brasileiro e de outros países pediu o desbloqueio imposto pelo governo de Donald Trump à nomeação de novos juízes na OMC, que deve resultar na paralisia total do mecanismo de disputas no fim do ano.

“O Brasil é o mais afetado com a dupla e profunda crise da OMC, a de falta de negociações e a do impasse do Órgão de Solução de Controvérsias”, disse Panzini. A CNI calcula que o impasse afetará disputas brasileiras em andamento, que questionam medidas que afetam suas exportações, num montante total de US$ 7,8 bilhões.

Além disso, o Brasil não tem como entrar numa guerra de subsídios no mundo, pois não tem dinheiro, acrescenta Panzini. A OMC prevê dois tipos de subsídios proibidos: o vinculado a desempenho exportador e o relacionado ao estímulo do uso de bens domésticos em detrimento de importações (substituição de importações).

Os demais subsídios são “acionáveis”, ou seja, são permitidos até que um país demonstre que determinado subsídio de um parceiro afeta sua economia.

A mudança proposta pelo empresariado brasileiro é para a OMC tornar mais rígidas as regras para lidar com os subsídios atualmente permitidos. Isso pode ser feito com aumento da lista de subsídios proibidos, atacando sobretudo aqueles que estimulam o excesso de produção ou empréstimos e garantias ilimitadas dadas para empresas financeiramente frágeis.

A mudança deveria ser complementada com provisões para o tratamento de manipulações cambiais significativas e persistentes, que tem o intuito de ganhar vantagens comerciais, como um tipo de subsídio à exportação.

O Brasil já tentou trazer o tema do câmbio à OMC. Em 2014, a CNI pediu ao governo para reativar a busca de “remédios multilaterais” para câmbio manipulado.

Uma moeda mais fraca pode ajudar empresas a vender seus produtos a preços mais competitivos no exterior. Atualmente, o câmbio brasileiro está desvalorizado. “Mas, quando o país sair do ambiente mais turbulento, a tendência é de termos uma moeda mais estabilizada”, diz Panzini.

Os países discutem a reforma da OMC, sem avanços. O combate aos subsídios principalmente da China faz parte da agenda dos EUA. Trump neste ano já acusou tanto a China como o Banco Central Europeu de manipular o câmbio e permitir que suas moeda desvalorizassem.