Valor econômico, v.20, n.4855, 10/10/2019. Política, p. A14

 

Com apoio frágil entre deputados, Bolsonaro ameniza criticas ao PSL

Fabio Murakawa 

Marcelo Ribeiro 

Raphael Di Cunto 

Renan Truffi 

10/10/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro amenizou ontem o tom de suas críticas ao PSL, diante de sinais claros de que ele não detém sequer o apoio da maioria da bancada da legenda no Congresso. Bolsonaro disse que não deixará a sigla “por livre e espontânea vontade” e que qualquer decisão nesse sentido será um ato unilateral do partido. Na véspera, ele havia dito a um fã que esquecesse o PSL e que seu presidente, o deputado Luciano Bivar (SP), “está queimado”. Filmada, a cena se espalhou na internet.

O recuo de Bolsonaro ocorre em meio a uma divisão no partido, potencializado por suas declarações. No fim da tarde, um grupo de deputados do PSL divulgou nota em apoio ao presidente, mas acabou expondo ainda mais as divisão na legenda. Apenas 19 dos 53 deputados firmaram o documento. Líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (SP) não está entre os signatários.

A mudança de postura do presidente acontece também em face ao risco de deputados bolsonaristas perderem o mandato se deixarem o partido e de recados explícitos do grupo de Bivar de que é ele quem detém o controle sobre os recursos do fundo eleitoral a que o partido tem direito.

A possível filiação de Bolsonaro divide também o nanico Patriota, cujo presidente, Adílson Barroso, fez um efusivo convite ao presidente. Líderes regionais da legenda, porém, se dizem preocupados com uma possível perda de poder - e de influência sobre o fundo partidário - com uma eventual chegada do presidente e de seu grupo à legenda.

Bolsonaro falou com jornalistas no fim da tarde de ontem no andar térreo do Palácio do Planalto, um local que ele raramente frequenta e onde ficam instalados os jornalistas que cobrem o Planalto. Bolsonaro negou que haja crise. “É briga de marido e mulher. De vez em quando acontece”, disse. “O problema não é meu. O pessoal quer um partido diferente, atuante. O partido está estagnado.”

Questionado sobre se continuará no partido, o presidente afirmou: “Por enquanto, tudo bem”.

Bolsonaro também tentou explicar o diálogo que manteve com um na véspera na porta do Palácio da Alvorada. Na ocasião, ele disse ao homem, que se identificou como pré-candidato a vereador pelo PSL em Pernambuco, que esquecesse o partido. “Ele é pré-candidato a vereador, se começar a falar em partido é campanha antecipada. Isso que eu falei para ele.”

Minutos mais tarde, o porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, afirmou que Bolsonaro não sairá do PSL “por livre e espontânea vontade” e que qualquer decisão nesse sentido será um ato unilateral da sigla.

Enquanto o porta-voz falava, um grupo de 19 deputados federais do PSL divulgava uma nota em apoio ao presidente na sua disputa com Bivar. Eles sinalizaram que não pretendem deixar a sigla, mas defenderam que a direção crie mecanismos de transparência no uso de recursos públicos e seu processo decisório.

Na nota, o grupo se diz comprometido “com o projeto de um novo Brasil” livre da corrupção, com valores voltados à consolidação da bandeira de ética na democracia e de justiça social.

Ao Valor, Bivar disse que foi surpreendido pelo desabafo de Bolsonaro, já que tinha uma agenda no Palácio do Planalto na tarde de ontem para ver a apresentação de um projeto de lei. “Não havia nenhum sinal de turbulência do Planalto em relação ao partido”, disse Bivar.

Para ele, não há margem para recuo de Bolsonaro. “Tratou-se um ato unilateral do presidente. Entendi a fala dele como um pedido de desfiliação”, afirmou.

Deputados do PSL se reuniram ontem no gabinete do líder da legenda na Câmara, Delegado Waldir (GO). Em maior número, a ala que apoia Bivar deve discutir nos próximos dias o remanejamento de parlamentares em comissões e cargos de liderança. Por outro lado, o grupo de deputados que ficaram do lado de Bolsonaro “optou por levantar a bandeira branca” para, segundo fontes, “ganhar tempo” até encontrar uma saída sem prejuízos políticos e financeiros.

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Presidente discute plano com advogados 

Renan Truffi 

Fabio Murakawa 

10/10/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro chegou a sinalizar ontem que cogitava sair do PSL, em reunião com deputados do partido, com sua advogada, Karina Kufa, e com o ex-ministro Tribunal Superior Eleitoral Admar Gonzaga. Na saída do encontro com o presidente, Gonzaga contou que foi convidado como um "conselheiro".

“A única coisa que ele [presidente] tem em mente é a transparência do ambiente em que ele está convivendo. Como isso não foi permitido no ambiente em que ele se encontra, como ele tem a bandeira da nova política, da transparência com o dinheiro público, ele não está confortável no ambiente em que ele se encontra, ele e vários parlamentares [do PSL]", disse o ex-ministro.

A avaliação foi confirmada por Karina Kufa, que também participou da reunião com Bolsonaro e os deputados. "Pode ser que sim", respondeu, sobre uma eventual saída de Bolsonaro do partido de Luciano Bivar. "Vamos ter estudar estratégias, avaliar, a gente já tem algo planejado, mas obviamente não podemos apresentar estratégia agora. Ele mesmo [Bolsonaro] já falou [que cogita sair], ele já falou isso pra imprensa", complementou.

Gongaza contou que, durante a reunião, afirmou ao presidente e aos parlamentares do PSL que eles podem deixar o PSL por "justa causa", ou seja, sem uma consequente perda de mandato. O motivo para essa justa causa seria a falta de transparência do PSL com recursos do fundo partidário, em razão das investigações acerca de candidaturas laranjas em 2018.

"A justa causa você tem, sobretudo, quando há não transparência com os recursos do fundo partidário, que é recurso público entregue ao partido em face dos votos dedicados pelos eleitores ao deputados", disse. Além disso, o ex-ministro do TSE traçou um cenário complicado para a criação de um novo partido, como desejam parte dos parlamentares do PSL.

"Não vejo ambiente no Brasil para a criação de um partido, mas existe um grupo de eleitores brasileiros que estariam dispostos a dar apoio. O problema é a logística disso, conferência de assinaturas, uma série de dificuldades", disse. " Meu conselho é que ele [Bolsonaro] continue com a bandeira da ética, o grupo aqui está muito disposto a seguir o presidente e é bastante grande, tenho confiança que mais da metade da bancada do partido [acompanhariam Bolsonaro]", complementou.

Karina Kufa disse que o PSL deixou de ser um partido transparente. "São diversos desgastes [do presidente com o PSL]. Foi muito difícil entrar em um acordo quando um partido não está disposto a abrir simplesmente uma votação democrática seja para alteração de estatuto, seja para eleição dos dirigentes, ficou insustentável em razão desses motivos internos que acontecem em alguns partidos", disse. "Não dá para o presidente levar um encargo tão grande de um partido que não permite que haja essa pluralidade. A gente tem diversas deputados que estão insatisfeitos porque não têm informação nenhuma, não têm acesso às contas, é isso que foi pleiteado. Sem tem um partido, esse partido é de todos, deputados têm que ter acesso, não se pode ter votações sem participação dos próprios parlamentares".

A advogada negou, no entanto, que a disputa interna na legenda seja por causa de recursos do fundo partidário. "O presidente sempre deixou claro que não está preocupado com o fundo partidário, os parlamentares também. A briga é por um partido que seja ético”, disse

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Falta de janela é entrave para saída de parlamentares 

Cristiane Agostine 

Malu Delgado 

10/10/2019

 

 

Parlamentares do PSL já consultam advogados eleitorais sobre as possibilidades jurídicas que lhes permitiriam deixar o partido sem que percam o mandato. Especialistas em direito eleitoral afirmam que é possível pedir a desfiliação sob o argumento de que o PSL se desviou de seus princípios éticos e do programa partidário, ou com a alegação de grave divergência com a direção da legenda.

Em 2020, apenas vereadores poderão se beneficiar da “janela partidária” - período de um mês, entre 4 de março e 4 de abril, seis meses antes das eleições de 2020, para trocar de partido sem o risco de perder o mandato. Deputados e senadores que decidirem deixar o PSL poderão ter o mandato cassado. Para esses parlamentares, a lei dos partidos políticos (Lei 9.096, de 1995, artigo 22) permite a migração partidária com a manutenção do mandato em dois casos: mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; e grave discriminação política pessoal. “A lei diz que a janela é ao término do mandato vigente. Os únicos mandatos que estarão perto do término são os dos vereadores”, explica o especialista em direito eleitoral Ricardo Penteado, da Comissão de Direito Eleitoral da OAB.

Procurado por parlamentares do PSL que pretendem deixar a legenda, o advogado Alberto Rollo, especialista em Direito Eleitoral, diz que é possível argumentar à Justiça Eleitoral que o partido mudou suas bandeiras. “Tem deputado do PSL dizendo que foi eleito com a defesa do combate à corrupção e agora que não pode continuar filiado porque o partido está envolvido em um ‘laranjal’”, diz Rollo, em referência às denúncias de uso indevido de recursos públicos nas eleições, com candidaturas laranja. O advogado afirma que é possível justificar também que há graves divergências internas e cita a destituição de diretórios em São Paulo como exemplo. “Houve troca no comando de pelo menos 73 diretórios. O deputado pode alegar que seus aliados nos diretórios foram afastados e que, com isso, foi prejudicado”, diz Rollo.

O advogado Arthur Rollo, irmão de Alberto Rollo, cuidou do caso do deputado Alexandre Frota, que deixou o PSL e se filiou ao PSDB em agosto. Nesse caso, Frota não correu o risco de perder o mandato porque foi expulso do PSL.

Segundo o professor de Direito Eleitoral Diogo Rais, da Universidade Mackenzie, a janela partidária é um dos caminhos para que o parlamentar consiga mudar de legenda sem perder o mandato, mas não o único. “Os parlamentares do PSL poderiam alegar desvio de conduta do partido. Não que isso vá colar, mas faz sentido”, explica. Para Rais, o mais recomendável seria que os parlamentares que desejam sair do partido solicitem, primeiramente, uma autorização da Justiça Eleitoral. “Se for uma debandada geral, o TSE poderia julgar mais rapidamente e criar um precedente”, diz Rais. Para Penteado, “ninguém carrega o mandato para um novo partido”. “Se não comprovarem grave discriminação política pessoal ou mudança e desvio do programa partidário, perdem o mandato”, sustenta.

Em relação ao fundo partidário, os deputados também levam a pior caso deixem o PSL. O partido recebeu o maior montante do fundo, R$ 110 milhões, por ter empossado a maior bancada, com 54 deputados. Esses recursos são cruciais para o financiamento de campanhas eleitorais. Se deixarem a sigla para concorrer em 2020, os parlamentares terão que abrir mão do mandato e também de uma poderosa fonte de financiamento via PSL. Para o advogado Francisco Emerenciano, o PSL não corre risco de perder recursos do fundo partidário “A emenda 97 estabelece que, mesmo nos casos de justa causa, a desfiliação não implica em mudanças de cálculo dos recursos”, afirma. O especialista diz que Bolsonaro não precisaria fazer alegações para pedir a desfiliação, pois a lei lhe assegura a permanência de mandato e troca partidária, o que não ocorre no caso de mandatos proporcionais, como deputados e vereadores. “No caso dos deputados, haverá avaliação caso a caso. Os que deixarem o partido sem justa causa correm risco sim de obstrução do mandato.”