Título: Acidente: maior causa de morte de crianças
Autor: Calcagno, Luiz ; Chaib, Julia
Fonte: Correio Braziliense, 11/10/2012, Brasil, p. 10
Segundo o Ministério da Saúde, cinco meninos e meninas de até 14 anos morrem diariamente nas vias do país. No dia de lançamento de campanha nacional, um garoto de 10 anos foi atropelado ao sair do ônibus escolar no Riacho Fundo 2 » LUIZ CALCAGNO » JULIA CHAIB
A faixa de pedestres estava a menos de 10 metros da parada. Segundo testemunhas, Ryan Lucas Rodrigues, 10 anos, desceu do ônibus escolar correndo, desobedeceu à recomendação de um monitor do coletivo para não atravessar na frente do veículo e desrespeitou a sinalização horizontal. A sequência de descuido culminou no atropelamento e morte da criança por um segundo ônibus, com 35 estudantes, alguns da mesma escola de Ryan. O motorista Leandro Lemos Carneiro, 32 anos, não conseguiu frear a tempo.
Ryan morreu por volta das 12h30, na QN 14/15 do Riacho Fundo 2, no Distrito Federal. Ele cursava o 5º ano do ensino fundamental, na Escola Classe Riacho Fundo Rural, voltava do colégio, passaria em casa para almoçar e, em seguida, iria para o Instituto Nair Valadares ter aulas de reforço e de educação física. As crianças que estavam no local ficaram muito assustadas. "Ainda não tinha descido nenhuma criança. Os meninos ficaram apavorados. Na hora de mudá-las de ônibus, pedimos que não olhassem", relatou a monitora do ônibus que atropelou Ryan, Aderlane Miranda, 39 anos.
Kátia Veras da Cunha, mãe de Ryan, foi a primeira familiar a ver o corpo do menino. Grávida de oito meses, a mulher passou mal e teve de ser hospitalizada. O pequeno deixou, além de Kátia, três irmãos, o pai e o padrasto. Muito abalado, o padrasto do garoto, Antônio Severo Filho, disse que a família vai tentar seguir em frente e que o bebê de Kátia não corre perigo. "Estamos levando, tentando digerir a situação. Está todo mundo muito triste."
A cena ocorrida ontem nas ruas da capital federal é recorrente no país. Por dia, uma média de cinco crianças de até 14 anos são vítimas do trânsito. A maior causa das mortes é o atropelamento — 38% dos 1.835 óbitos de 2010, segundo dados da pesquisa mais recente do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde. O acidente de transporte terrestre é a principal causa de óbito na faixa etária, seguido por afogamento e agressão. Ainda de acordo com a pasta, 12% de mais de 120 mil hospitalizações de crianças, em 2010, foram provocadas por acidentes de trânsito. No DF, de acordo com o Boletim Anual de Acidentes do Departamento de Trânsito (Detran-DF), em 2011, das 465 pessoas que morreram nas vias, 25 tinham até 17 anos, sendo 11 com até 9 anos.
Para o especialista em psicologia no trânsito Hartmut Gunther, a causa para o alto número de fatalidades pode ser analisada a partir de duas perspectivas: a da vítima e a do trânsito. "Para as crianças, também há dois casos. O primeiro se refere à faixa etária mais tenra, onde pode ocorrer um despreparo dos pequenos, uma inabilidade em avaliar os riscos. No caso dos mais velhos, pode ocorrer um teste — situação em que eles se arriscam para ver se conseguem passar pelo desafio", detalha.
Os dados do levantamento do Ministério da Saúde indicam ainda que, por ano, mais de 41 mil pessoas são vítimas de acidentes de trânsito. O Brasil está em quinto lugar no ranking de países recordistas em fatalidades nas vias, segundo a Organização Mundial de Saúde. Para Gunther, os dados são reflexo da ótica do governo em relação ao tráfego de automóveis. "Em muitas cidades, o que se percebe é que as ruas foram feitas exclusivamente para o carro passar. O pedestre fica em segundo plano. As crianças, então, ficam mais expostas ainda", avalia. O especialista ressalta que é necessário repensar o tratamento dado aos jovens. "Deve haver um disposição cultural na qual as crianças precisam de proteção. E isso vai além dos problemas com trânsito e passa pela violência contra a juventude, por exemplo."
Paradinha Baseado nas estatísticas, o Ministério das Cidades lançou ontem a campanha Paradinha, com a intenção de conscientizar crianças e pais para os riscos no trânsito. A iniciativa faz parte do Pacto Nacional pela Redução de Acidentes — Parada: um pacto pela vida —, assinado pela presidente Dilma Rousseff, em 21 de setembro. O objetivo é alertar para o perigo que as crianças correm tanto como pedestres quanto passageiras. A iniciativa também é voltada para alcançar a meta da Organização das Nações Unidas (ONU) de reduzir em até 50% o número de acidentes fatais no mundo.
Morador do Céu Azul (GO), cidade do Entorno do Distrito Federal, o pequeno Kauã Costa Figueiredo, 7 anos, vai todos os dias para a escola de ônibus, acompanhado pela mãe. No trajeto, são várias as ruas que ele tem de atravessar. "Eu olho para os dois lados, mas, às vezes, esqueço", confessa. "Agora, ficarei mais atento e procurarei, inclusive, alertar minha mãe sobre os acidentes".
O ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro, diz que o objetivo da campanha é que mais meninos e meninas pensem como Kauã. "Queremos atingir as crianças e os pais. Lembrar sobre a importância de não dirigirem alcoolizados, não falarem ao celular e não ultrapassarem a velocidade permitida, por exemplo. Os filhos, sabendo disso, podem lembrar os pais", disse o ministro. A ação do ministério também será voltada aos agentes de trânsito.
Perigo
Segundo levantamento da ONG Criança Segura, Sergipe foi o primeiro colocado no ranking de atropelamentos em 2010, com taxa de 2,88 por cem mil habitantes menores de 15 anos, seguido de Tocantins (2,76), Goiás (2,50), Santa Catarina (2,28) e Alagoas (2,20). O Distrito Federal registrou média de 2,14, na oitava posição.