O Estado de São Paulo, n. 45938, 27/07/2019. Política, p. A6

 

A próxima pizza

João Domingos

27/07/2019

 

 

A conversa entre os ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Justiça, Sérgio Moro, num jantar no restaurante Avenida Paulista, às margens do Lago Paranoá, em Brasília, na noite de quartafeira, traduz o momento político do País. O jantar deles ocorreu um dia depois da prisão de quatro pessoas apontadas pela Polícia Federal como sendo os hackers que invadiram os telefones de autoridades de todos os Poderes. Entre as vítimas do crime cibernético estariam o presidente Jair Bolsonaro e seus dois superministros, que se sentaram num local reservado para comer pizza, acompanhada de vinho para Moro e guaraná para Guedes, segundo relato da repórter Bela Megale, de O Globo, que numa mesa ao lado assistiu a tudo e ouviu cerca de uma hora de papo.

Dada a importância da prisão dos hackers para Guedes e Moro, e para o ministro da Justiça, principalmente, pois o vazamento de supostas mensagens trocadas entre ele, quando juiz, e a força-tarefa da Lava Jato levou ao questionamento sobre sua imparcialidade de magistrado e a outras dúvidas, a lógica seria que os dois centralizassem o assunto na operação da Polícia Federal que prendeu os criminosos. O que se ouviu, no entanto, foi Moro dizer: “Coloquei um Twitter para dar uma cutucada”, um tuíte no qual parabenizou a Polícia Federal, ainda na terça-feira. Seguida de um “fez muito bem” de Guedes.

Depois, a conversa variou para a sucessão de Bolsonaro, em 2022. Moro disse que não tem pretensões políticas, que pode passar quatro anos no governo e depois ir para a iniciativa privada e que o candidato será Bolsonaro. Note-se que Moro não falou na possibilidade de ser nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), compromisso que Bolsonaro teria com ele por ter deixado a carreira de magistrado para se tornar ministro da Justiça num momento em que o governo que iria assumir precisava encontrar nomes fortes para sua afirmação.

Quanto a Moro dizer que não tem pretensões políticas, as coisas não são bem assim. Desde que aceitou o Ministério da Justiça ele entrou para a política. É considerado um potencial candidato à sucessão de Bolsonaro, ou até mesmo para ocupar a vaga de vice, no lugar do general Hamilton Mourão. Só o fato de tratar da sucessão presidencial já mostra o quanto Moro está envolvido com a política. Queiram ou não, ao redor da pizza estavam dois personagens que podem ser marcantes nas próximas eleições. Se a política econômica de Guedes der certo, e se a economia do País voltar a crescer e o desemprego diminuir, Bolsonaro ganhará força. O mesmo ocorre com o pacote anticrime de Moro. Sem falar que, como ministro da Justiça, ele tem condições de ajudar o nome de Bolsonaro a se firmar. Ou, quem sabe, até mesmo pensar na candidatura. Não é à toa que o PT tenta inviabilizá-lo agora.

Por falar em PT, o partido corre o risco de perder o bonde da História se insistir só nessa bandeira do “Lula livre”. À exceção do partido, não se vê uma mobilização forte pela libertação de Lula. Já o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), viu surgir a hora de trabalhar para se tornar um candidato que atraia também o centro. A movimentação dele nos últimos meses é de um candidato que busca ocupar o espaço no campo político da centro-esquerda. Tem mantido conversas constantes com representantes de partidos do centro. Suas costuras chegaram até o ex-presidente José Sarney, mais do que um adversário histórico. A eleição presidencial será em 2022. Mas as articulações seguem intensas. Ao término do jantar, Guedes se propôs a pagar a conta. O ministro da Justiça prometeu, segundo relato de Bela Megale: “A próxima pizza é minha”.

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Justiça vai discutir se réus podem usar as mensagens hackeadas

Breno Pires

27/07/2019

 

 

Para OAB, material deve ser preservado; já o ministro da Justiça, Sérgio Moro, defende a destruição do conteúdo

Operação Spoofing. Juiz Vallisney Oliveira autorizou prisões

O uso do conteúdo de mensagens obtidas pelos presos na Operação Spoofing, da Polícia Federal, em outros processos, ainda dependerá de uma longa discussão na Justiça, segundo o entendimento de pessoas envolvidas no caso. Mesmo que tenham sido obtidas de forma ilícita, por meio de ataques virtuais, juristas consultados pelo Estado afirmaram que a lei permite aproveitar provas quando o objetivo é a busca pela absolvição ou para permitir que algum preso ganhe liberdade. A utilização de material obtido por meio de “hackeamento”, no entanto, seria inédita.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) solicitou ontem à 10.ª Vara Criminal Federal que o material capturado em contas no Telegram de autoridades não seja destruído, contrariando a sugestão do ministro da Justiça, Sérgio Moro. A entidade afirma que a integridade do material é importante como garantia do exercício de defesa.

Um ministro do Supremo Tribunal Federal, ouvido reservadamente pela reportagem, afirmou que mesmo réus em outros processos podem solicitar – e até utilizar em sua defesa – as mensagens trocadas por pessoas que foram vítimas de ataque virtual. Ele reconheceu, porém, que a questão é controversa na Corte.

Em recurso apresentado à Segunda Turma do STF, a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva cita as supostas mensagens trocadas entre Moro e integrantes da Lava Jato no pedido de suspeição do ex-juiz. A análise do habeas corpus foi interrompida no mês passado e os ministros não chegaram a discutir se vão considerar o material obtido pelos hackers. A Procuradoria-Geral da República já se manifestou contra.

O pedido da OAB para que as mensagens não sejam destruídas será analisado pelo juiz Vallisney de Oliveira, que autorizou a prisão dos quatro suspeitos pelos ataques virtuais. Segundo interlocutores, o entendimento do magistrado, em termos gerais, é de que provas ilícitas devem ser descartadas, mas ele ainda deve analisar o caso concreto relacionado às mensagens apreendidas pela PF.

Para o ex-ministro da Justiça Torquato Jardim, o juiz deve permitir que a defesa de um réu tenha acesso caso um fato de conhecimento público possa favorecê-la. “Tornada pública a notícia de algo que seja relevante à defesa, o juiz é obrigado a abrir vista aos réus para que se complete o rito do devido processo legal e da ampla defesa com todos os recursos pertinentes”, afirmou Jardim.

A opinião é compartilhada pelo criminalista Alberto Toron, que entende ser possível utilizar a prova emprestada no caso dos hackers. “A defesa no processo penal não sofre as mesmas limitações que a acusação”, disse ele, que tem entre seus clientes políticos como o deputado Aécio Neves (PSDB-MG) e a presidente cassada Dilma Rousseff (PT).

Critério. Mesmo quem defende essa possibilidade aponta ser preciso limitar o acesso a pontos determinados das mensagens capturadas pelos hackers, sem o chamado “fishing”, que, no jargão de advogados, significa analisar todo o conteúdo para só então “pescar” o que poderia ser útil.

Moro argumentou, no entanto, que materiais obtidos por crimes de hackeamento não teriam utilidade jurídica e, além disso, o mero exame dos conteúdos significaria uma nova violação da privacidade das vítimas. Anteontem, ao comunicar autoridades de que haviam sido alvo dos ataques, ele disse que o material seria descartado.

A Polícia Federal afirmou, em nota, que cabe à Justiça, “em momento oportuno, definir o destino do material, sendo a destruição uma das opções”. O Estado apurou que a nota foi divulgada a pedido de Moro, a quem a PF é subordinada, como forma de esclarecer o assunto.