Valor econômico, v. 20, n. 4853, 08/10/2019. Política, p. A7

 

TCU apura contratação na campanha de Bolsonaro

Luísa Martins

08/10/2019

 

 

Controvérsia está em torno da contratação, de mais de R$ 50 mil, com dinheiro público, de policiais para serviços de segurança ao então candidato, o que é proibido

O Tribunal de Contas da União (TCU) vai começar a apurar uma suposta irregularidade no uso de verbas dos fundos partidário e eleitoral no financiamento da campanha do presidente Jair Bolsonaro, em 2018.

A controvérsia está em torno da contratação, com dinheiro público, de 64 policiais militares e civis do Rio de Janeiro para serviços de segurança privada ao então candidato à presidência, o que é proibido por lei.

A despesa de mais de R$ 50 mil consta na prestação de contas enviada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pelo diretório nacional do PSL. O montante é relacionado à contratação do serviço de “segurança desarmado” em três ocasiões: a convenção do partido que confirmou a candidatura de Bolsonaro, em 22 de julho, no Rio de Janeiro; e os dias de votação do primeiro e segundo turnos das eleições, em 5 e 28 de outubro, respectivamente.

O Ministério Público, junto ao TCU, entrou com representação pedindo que a Corte investigue, na condição de controladora externa das contas da administração pública, se a Justiça Eleitoral está atuando de maneira efetiva e satisfatória na apuração da ilegalidade. O relator do caso é o ministro Raimundo Carreiro.

O procedimento foi encaminhado à Secretaria de Controle Externo da Administração do Estado, que deve pedir manifestações aos envolvidos e elaborar relatório técnico sobre o caso.

Com base nesse documento, o TCU pode determinar ou recomendar o pagamento de multas e a devolução do dinheiro aos cofres públicos, se entender que de fato o recurso não poderia ter sido aplicado em tal fim.

Os “bicos” dos policiais na área de segurança privada foram revelados na semana passada pelo jornal “Folha de S. Paulo” e confirmados pelo Valor.

Integraram a equipe, por exemplo, um perito criminal e um inspetor - pelo contrato, fazia parte do serviço o fornecimento de orientações para evitar situações de risco. O PSL também arcou com as despesas de deslocamento e alimentação desses profissionais.

Um deles era um ex-policial expulso da corporação por suspeita de recebimento de propina em troca da omissão no combate ao tráfico. Ele acabou absolvido na Justiça, mas a PM decidiu mantê-lo fora dos quadros.

Todos os contratos foram assinados pelo então presidente do PSL, Gustavo Bebianno, uma das primeiras baixas do governo Bolsonaro. Ele deixou o cargo de secretário-geral da Presidência em 18 de fevereiro, em meio às revelações sobre o esquema de candidaturas de fachada encampadas pelo partido - e que agora ameaçam o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio.

Ao TCU, o subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado destacou o fato de os contratos, firmados individualmente com cada um dos policiais, exigirem deles a declaração de que o serviço estava sendo prestado “com autorização legal”, embora pelo menos cinco dispositivos - entre leis, decretos e estatutos - proíbam essa prática.

“A legislação veda, sem qualquer margem de interpretação, a atuação de policiais militares e de policiais civis como segurança privado, estando os infratores sujeitos, inclusive, a sanções disciplinares”, observou ele.

A norma mais antiga foi promulgada em 1965. Segundo o texto da lei, é considerada uma “transgressão disciplinar” o fato de um policial “exercer atividade pública ou privada, profissional ou liberal, estranha à de seu cargo”. Os estatutos dos policiais civis e militares do Rio de Janeiro também trazem cláusulas que preveem dedicação exclusiva.

Quem desrespeita esses artigos pode ser advertido ou até mesmo suspenso das corporações, mas a aplicação de sanções é medida rara. Não há tipificação penal para a irregularidade, nem para os agentes, nem para quem os contratou.

O Valor procurou o diretório nacional do PSL por meio de sua assessoria, que não respondeu. Já a Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência informou que o Palácio do Planalto não iria se manifestar sobre o episódio. Bebianno não foi localizado.