Valor econômico, v. 20, n. 4853, 08/10/2019. Política, p. A10

 

Revogação de “PEC da Bengala” ganha impulso no Congresso

Raphael Di Cunto

Marcelo Ribeiro

08/10/2019

 

 

Proposta que permite que Bolsonaro nomeie mais de dois ministros para o STF recebeu o apoio de 175 deputados, quatro a mais que o mínimo necessário, e começará a tramitar na Câmara

A proposta de emenda constitucional (PEC) da deputada Bia Kicis (PSL-DF), vice-líder do governo, para revogar a PEC da Bengala e permitir que o presidente Jair Bolsonaro nomeie mais de dois ministros para o Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu o apoio de 175 deputados, quatro a mais que o mínimo necessário, e começará a tramitar na Câmara dos Deputados.

A maioria dos apoios veio do PSL, partido de Bolsonaro: dos 53 deputados da sigla, 46 subscreveram a PEC. Entre eles estão o líder do governo na Câmara, major Vitor Hugo (PSL-GO), e o líder da bancada, delegado Waldir (GO). Um dos poucos que não assinou foi o deputado Felipe Francischini (PR), que presidente a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), colegiado onde a PEC tramitará primeiro para analisar sua admissibilidade.

Como revelou o Valor, a revogação da PEC da Bengala começou a ser discutida por aliados de Bolsonaro logo após a vitória na eleição presidencial, quando o STF “brecou” propostas como o Escola sem Partido e criminalização da homofobia. A intenção de Bia é ampliar a influência do governo na Corte, com a indicação de quatro ministros, e não apenas dos dois que se aposentarão até 2022. A PEC, contudo, pode ser alterada pelo Congresso no momento de sua discussão até para fazer o inverso e elevar a idade de aposentadoria.

Ao defender a proposta no ano passado, Bia Kicis afirmou que o STF julgava “por questão de ativismo, sem nenhuma argumentação jurídica válida” e “contra o desejo da sociedade”. “O Supremo tem atravessado a praça dos Três Poderes para fazer as vezes de legislador. Uma mexida no Supremo vai ser extremamente saudável”, afirmou ao Valor na época. Ela demorou mais de oito meses para alcançar as assinaturas.

A PEC da Bengala foi aprovada no começo do segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff para impedir que os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio Mello fossem aposentados compulsoriamente, o que permitiria que o PT indicasse 10 dos 11 ministros do STF. Com o novo prazo, o decano se aposenta em 2020 e Marco Aurélio em 2021.

Se for revogada, com a idade máxima de aposentadoria compulsória voltando de 75 anos para 70 anos, Bolsonaro poderia indicar também os substitutos de Rosa Weber e Ricardo Lewandowski, ambos escolhidos em governos do PT. A revogação ainda abriria vagas no Superior Tribunal de Justiça (STJ), Tribunal de Contas da União (TCU) e outras instâncias do Judiciário.

Embora Bolsonaro diga publicamente que não apoia essa proposta, o governo já tentou tirar a idade de aposentadoria compulsória do Judiciário da Constituição no meio da reforma da Previdência e permitir a mudança por lei complementar, que é mais fácil de ser aprovada por exigir menos votos. A Câmara rejeitou esse ponto.

Além dos deputados do PSL, subscreveram a PEC os líderes de outros partidos, como PL, Wellington Roberto (PB), do Republicanos, Jonathan de Jesus (RR), do Podemos, José Nelto (GO), e do Novo, Marcel van Hattem (RS) - dos dez deputados do Novo, sete apoiam a iniciativa. Há apoio na maioria das legendas, do PP e DEM ao PT.

Um dos grupos mais expressivos a endossar a PEC é a bancada evangélica, insatisfeita com decisões do STF como a descriminalização do aborto e de criminalizar a homofobia. Entre os apoiadores estão Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), Otoni de Paula (PSC-RJ) e pastor Marco Feliciano (Pode-SP) - este último cotado para vice de Bolsonaro em 2022.

A PEC foi protocolada pela vice-líder do governo na quinta-feira e o relatório de conferência das assinaturas foi concluído ontem pela Câmara. Agora, a proposta ainda depende de um despacho do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para começar a tramitar na CCJ. Maia tem pregado pouca interferência no Judiciário e já segurou a CPI da Vaza-Jato.