O Estado de São Paulo, n. 45937, 26/07/2019. Política, p. A4
Hacker atinge Bolsonaro, cúpula do Congresso e STF
Breno Pires
Renato Onofre
Eliane Cantanhêde
Patrik Camporez
Julia Lindner
Mariana Haubert
Camila Turtelli
26/07/2019
Poderes. Ataque a celulares expõe fragilidade na comunicação de chefe de Estado; além do presidente, foram alvo do grupo criminoso Maia, Alcolumbre e Raquel Dodge
O grupo suspeito de promover ataques virtuais contra autoridades teve como alvo até o presidente da República, Jair Bolsonaro. Na lista estão ainda os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), além de um ministro do Supremo Tribunal Federal que não teve a identidade revelada. Segundo a Polícia Federal, a ofensiva revela a vulnerabilidade da comunicação na cúpula dos três Poderes.
No caso de Bolsonaro, os investigadores já sabem que a tentativa de acessar os dados no aplicativo Telegram foi bem-sucedida e ocorreu neste ano. O conteúdo das mensagens, contudo, não será analisado pela PF, mas encaminhado à Justiça Federal (mais informações na pág. A6). No Palácio do Planalto, o fato é considerado crime de segurança nacional.
A partir de uma espécie de central de grampos montada em Araraquara, no interior de São Paulo, presos na Operação Spoofing tentavam acessar conversas privadas dos alvos. Nem todas as autoridades tiveram mensagens capturadas ou mesmo os celulares efetivamente invadidos, segundo as investigações preliminares da PF. Rodrigo Maia, por exemplo, afirmou que não utiliza o aplicativo Telegram, meio usado para invadir as contas das vítimas.
Bolsonaro disse não estar preocupado e que os hackers “perderam tempo” ao o escolherem como alvo. “Sempre tomei cuidado nas informações estratégicas. Essas não são passadas por telefone. Não estou nem um pouco preocupado se, porventura, algo vazar do meu telefone, não vão encontrar nada que comprometa. Perderam tempo comigo”, afirmou o presidente durante visita a um colégio militar em Manaus. A informação de que o celular de Bolsonaro estaria entre os hackeados foi antecipada ontem pelo Estado.
Penas. Inicialmente, os quatro presos são investigados pelos crimes de invasão de dispositivos informáticos e interceptações telefônicas, que prevê pena máxima de 3 anos e 4 meses. Caso também sejam enquadrados na Lei de Segurança Nacional, como defendem integrantes do Planalto, a punição pode chegar a 15 anos de prisão.
A lista de autoridades alvo do grupo também inclui o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), José Otávio Noronha, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, além de pelo menos 25 membros do Ministério Público Federal. Ainda há dois ministros de Bolsonaro, Sérgio Moro, da Justiça e Segurança Pública, e Paulo Guedes, da Economia. Nem todas as vítimas foram identificadas.
Modus operandi. Cada um dos quatro presos pela PF teve um envolvimento no crime. Os investigadores já sabem que o cabeça é Walter Delgatti Neto, o “Vermelho”. Ele admitiu em depoimento ser responsável pelas invasões e ter repassado ao jornalista Glenn Greenwald, fundador do site The Intercept Brasil, o conteúdo das interceptações de autoridades, conforme revelou ontem o Estado.
De acordo com a PF, Delgatti Neto utilizava celulares e computadores de alta tecnologia para acessar as contas de aplicativos de conversas. A tática consistia em aproveitar uma falha no sistema de operadoras de telefonia que permite o acesso à caixa postal sem a necessidade de senha. A PF informou ter enviado ontem um ofício à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) sobre as vulnerabilidades encontradas no sistema de telefonia no País.
Mesmo após a informação de que Bolsonaro foi alvo do ataque virtual, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, afirmou que por ora não há previsão de mudar procedimentos de comunicação na Esplanada.
A exemplo de Bolsonaro, Onyx mantém o número que usava antes de assumir o cargo. Eles se recusam a utilizar o aparelho criptografado oferecido pelo Gabinete de Segurança Institucional porque preferem falar pelo WhatsApp, que, para integrantes da área de segurança do governo, apresenta mais riscos.
O Terminal de Comunicação Seguro (TCS), desenvolvido pela Agência Brasileira de Inteligência para proteger informações trocadas entre autoridades, só permite comunicação com aparelhos similares. O próprio ministro do GSI, Augusto Heleno, usa o WhatsApp.
Onyx afirmou ainda que o assunto deve ser discutido em uma reunião ministerial prevista para a próxima terça-feira, caso haja alguma nova recomendação da Abin ou do Ministério da Justiça. “O WhatsApp a gente usa regularmente, quase todos (os ministros). Até porque é o(aplicativo) mais usado por toda a sociedade”, disse, ressaltando ter “zero preocupação” com eventuais vazamentos.
Em nota, o GSI disse que cabe às autoridades “optar pelo equipamento e operá-lo conforme suas necessidades funcionais”. “O TCS é móvel, possui funções de chamada de voz e troca de mensagens e arquivos criptografados com algoritmos de Estado”, afirmou.
__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Promotor que atuou contra vermelho foi primeiro alvo
Patrik Camporez
Breno Pires
Renato Onofre
José Maria Tomazela
26/07/2019
Antes de chegar aos telefones da cúpula dos três Poderes da República, Walter Delgatti Neto, o Vermelho, teve como alvo inicial um desafeto local. Segundo afirmou à Polícia Federal, o promotor de Araraquara Marcel Zanin Bombardi foi a sua primeira vítima. A partir dos contatos do aparelho do promotor, ele teria acessado outros números de autoridades. A cada alvo, mais agendas eram copiadas. Dessa forma, o hacker teria conseguido descobrir o número de telefone de tantas pessoas.
Procurado pelo Estado ,o promotor se disse surpreso com a informação. Bombardi atuou na ação criminal em que Vermelho foi condenado por falsificação de documentos. Ele foi flagrado com comprimidos e drogas ilícitas e estava usando carteira de estudante da USP falsificada. “Fui responsável pela condenação dele a dois anos de prisão em regime semiaberto”, afirmou o promotor. Ele foi absolvido no mesmo processo pelo crime de tráfico de drogas.
O promotor relatou que em nenhum momento percebeu algo que indicasse que o seu celular tinha sido invadido. “Não sei se é verdade, pois ainda não recebi informação formal da PF.” Bombardi disse ainda que baixou o aplicativo Telegram no celular quando o WhatsApp saiu do ar. “Meu Telegram foi baixado em duas etapas, como manda o procedimento de segurança, por isso não posso acreditar muito no que ele está falando.”
Ele se disse tranquilo com relação ao conteúdo do celular eventualmente acessado. “Se ele pegou alguns contatos, o que posso dizer é que tenho contatos de outros promotores, de policiais civis, militares e da Polícia Federal. Atuei quatro anos e ainda atuo no Gaeco (Grupo de Ação Especial contra o Crime Organizado).” Promotor há 25 anos, Bombardi afirmou que nunca havia se deparado com um caso como este.
Em 2015, Vermelho já havia sido preso em um parque com uma carteira falsa de delegado da Polícia Civil, além de uma arma falsa e munição. Ele ainda responde por estelionato, acusado de usar o cartão de crédito de um advogado para comprar móveis e utensílios.