O Estado de São Paulo, n. 45937, 26/07/2019. Política, p. A6

 

Moro defende destruição de mensagens

Breno Pires

Amanda Pupo

26/07/2019

 

 

Na avaliação de ministro, conteúdo obtido ilegalmente por hackers não tem utilidade jurídica; medida, porém, depende de autorização judicial

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, avisou a autoridades que tiveram celulares hackeados que o material obtido de maneira ilegal será destruído. Moro entende que as mensagens não devem sequer ser examinadas. Apesar da posição externada pelo ministro, o descarte de materiais só pode ser feito por decisão judicial.

O presidente do Superior Tribunal de Justiça, João Otávio Noronha, foi um dos avisados por Moro. O ministro da Justiça ligou também para o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, informando que pelo menos um integrante da Corte foi alvo, mas ele não. O Estado apurou que nove dos 11 ministros não foram avisados por Moro – Edson Fachin e Alexandre de Moraes não responderam a mensagens da reportagem.

Na avaliação de Moro, materiais obtidos por crimes de hackeamento não teriam utilidade jurídica e, além disso, o mero exame dos conteúdos significaria uma nova violação da privacidade das vítimas.

A Polícia Federal afirmou, em nota, que as investigações “não têm como objeto a análise das mensagens supostamente subtraídas de celulares invadidos” e, por isso, o “conteúdo será preservado”. O órgão reconhece que cabe à Justiça, “em momento oportuno, definir o destino do material, sendo a destruição uma das opções”. O Estado apurou que a nota foi divulgada a pedido de Moro, a quem a PF é subordinada, como forma de esclarecer o assunto.

O Código de Processo Penal prevê que provas declaradas ilícitas devem ser separadas dos autos e inutilizadas. No entanto, nem Moro nem a PF podem, de maneira unilateral, destruir qualquer tipo de prova. Para haver a destruição, são necessárias solicitação e autorização judicial. No caso, o responsável é o juiz Vallisney Oliveira, da 10.ª Vara da Justiça Federal.

‘Cautela’. O ministro do Supremo Marco Aurélio Mello disse que órgão administrativo não pode ordenar destruição de material. “Isso aí é prova de qualquer forma. Tem de marchar com muita cautela. O ideal seria ter o crivo realmente de um órgão do Judiciário. E não simplesmente decidir no campo administrativo que poderá haver destruição de provas”, afirmou o ministro ao Estadão/Broadcast.

Outro ministro do Supremo questionou o fato de Moro ter acesso ao inquérito, quando apenas o juiz e o delegado deveriam ter conhecimento do conteúdo. Esse ministro acrescenta ainda que, como há pessoas com prerrogativa de foro privilegiado citadas, o caso deve ser transferido para o Supremo, a quem cabe avaliar onde o processo deve tramitar.

Para o especialista em Direito Penal e Processo Penal pela PUC-SP Gustavo Polido, a destruição de provas sem o devido processo legal pode levar à infração de três artigos do Código Penal. “As mensagens representam a materialidade delitiva. Mesmo que elas não possam ser usadas para condenar alguém, já que são frutos de ato ilícito, o direito penal brasileiro admite que elas possam ser usadas para inocentar réus. Sua destruição impede o trabalho da Justiça.”

A possibilidade de destruição de materiais obtidos de maneira ilegal vem sendo defendida por Moro desde que o site The Intercept Brasil começou a publicar

reportagens com base em mensagens supostamente trocadas por ele e o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato em Curitiba. As mensagens são utilizadas pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para apontar suspeição do ex-juiz para conduzir processos contra o petista.

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Entrevista - Renato Opice Blum: 'Na esfera governamental, é preciso adicionar camadas de proteção'

Pedro Venceslau

26/07/2019

 

 

‘Na esfera governamental, é preciso adicionar camadas de proteção’

Renato Opice Blum, advogado especialista em direito digital

- Além do ministro Sérgio Moro, investigações apontam que o presidente Jair Bolsonaro, os presidentes da Câmara e do Senado, a procuradora-geral da República e um ministro do STJ foram alvo de hackers. Como é possível um grupo clonar autoridades dos três Poderes? É fácil assim?

Hoje, todos, sem exceção, estão sujeitos a uma evolução tecnológica muito rápida. Um exemplo clássico são os termos de uso, que ninguém lê. Todos clicam, baixam e começam a usar aplicativos de qualquer jeito. Essa é uma vulnerabilidade da sociedade.

No Brasil, é pior, porque o País é o mais interativo do mundo. Isso aumenta o risco. Eles (os hackers) estudaram um pouco mais a fundo. Verificaram as possibilidades de entrada e a forma de integração da conexão versus os dados e aplicativos. Encontraram uma forma simples, porém criativa e sem precedente no mundo.

- As autoridades não deveriam usar telefones protegidos?

Dentro da esfera governamental, é preciso adicionar camadas de proteção, usando telefones com criptografias e aplicativos especiais.

- O que pode ser feito para evitar a ação de hackers?

A gente tem de considerar quando fala em segurança não só a possibilidade de clonagem ou acesso mediante falsificação, mas também o conteúdo criptografado. Aquilo que já foi dito pode ser fechado e se exigir um ‘face id’ para acessá-lo. O sujeito pode até fazer a dupla autenticação, mas, se você tiver colocado a necessidade de acesso via rosto, fica bem mais complicado.

- Como é a segurança da comunicação de autoridades em outros países?

Há, nas esferas governamentais e militares, protocolos específicos de proteção de uso de sistemas. E se evita usar aplicativos mais comerciais.

- Os hackers podem ter as penas aumentadas por terem invadido o celular do presidente da República?

Pela Lei Carolina Dieckman, a pena-base é de seis meses a dois anos, mas pode ser aumentada, pela divulgação, em 1/3 ou 2/3, e mais 1/3 por ter sido contra o presidente da República. Por essa lei, a pena pode chegar a quatro anos de prisão.