O globo, n.31503, 07/11/2019. País, p. 4

 

O próximo capítulo da 2ª instância 

Amanda Almeida 

07/11/2019

 

 

O julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que vai determinar hoje a permanência ou não da atual regra sobre a prisão de condenados em segunda instância já mobiliza parlamentares, que tentarão mudar a lei caso o trânsito em julgado (quando não há mais recursos disponíveis para a defesa) volte a ser o momento da prisão de réus condenados. Um grupo de senadores se prepara para votar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) sobre o tema na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa. A articulação teve início após o presidente do STF, Dias Toffoli, sinalizar que o tema não é cláusula pétrea da Constituição. Portanto, poderia ser modificado por lei.

Os comentários de Toffoli foram feitos na terça-feira, durante o encontro no qual os senadores entregaram ao presidente do Supremo uma carta de apoio à prisão em segunda instância. Os parlamentares saíram da reunião com a sensação de que o entendimento atual será derrubado. Eles sabem que vão enfrentar a resistência do presidente da Casa, Davi Alcolumbre, mas acreditam que uma eventual aprovação na CCJ o pressionará a levar o texto ao plenário. Relator da Lava-Jato no STF, Edson Fachin disse ontem que uma mudança sobre a prisão em segunda instância não afetará à operação (leia mais abaixo).

O placar na Corte está em quatro votos favoráveis à prisão em segunda instância e três pela necessidade de aguardar o trânsito em julgado. Ainda faltam quatro votos, com a tendência de que a posição de Toffoli defina o resultado.

Questionado ontem sobre o assunto, o presidente do Senado disse que a votação de uma proposta na Casa para manter a regra da prisão em segunda instância não está nos seus planos.

— Isso aí? Não tem nem perspectiva — disse ao GLOBO, ao responder sobre a pressão dos colegas.

Relatora de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que trata do tema, a senadora Juíza Selma (Podemos-MT) afirmou que encaminhará seu parecer para ser votado pela CCJ na próxima semana. A presidente da comissão, Simone Tebet (MDBMS), já tem sido cobrada a pautar a matéria. Segundo o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que faz parte do grupo que entregou a carta a Toffoli, Tebet se comprometeu

“Isso aí? Não tem nem perspectiva” _ Davi Alcolumbre, presidente do Senado, ao responder se vai pautar PEC sobre 2ª instância a votar o tema depois do julgamento do Supremo. A senadora é uma das assinaram a manifestação entregue ao presidente do STF.

—Vamos conseguir galgar esse degrau. O Brasil vai conseguir sair dessa insegurança jurídica que nós vivemos hoje e vamos superar mais uma das crises causadas pela omissão do legislador ou pelo ativismo judicial —disse Selma.

A PEC, de autoria do senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), acrescenta trecho ao artigo 93 da Constituição: “decisão condenatória proferida por órgãos colegiados deve ser executada imediatamente, independentemente do cabimento de eventuais recursos”.

PRESSÃO

Na tentativa de ganhar o apoio dos que resistem parcialmente à prisão em segunda instância, Selma deve acatar uma emenda do senador Marcos Rogério (DEM-RO). Pelo texto, em casos excepcionais, o juiz poderá revogar a prisão de condenado em segunda instância.

Para ajudar na pressão no Congresso, o grupo quer usar ainda o voto de Dias Toffoli. Eles apostam que o ministro citará, em sua manifestação hoje, as avaliações que fez na reunião de terça-feira, quando recebeu a carta assinada por 42 senadores em favor da prisão em segunda instância.

— O ministro Dias Toffoli olhou para mim e falou: “Kajuru, você que é do mundo esportivo, mesmo que esse julgamento de quinta-feira cause surpresa negativa, a bola vai continuar pingando” — relatou o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO).

Oriovisto Guimarães citou ainda outro momento da conversa com Toffoli:

— Ele disse que vai constar no voto dele que a obrigação é do Senado, que a obrigação é da Câmara dos Deputados (decidir sobre o assunto). Isso deve nos levar a uma reflexão muito séria. Se hoje existe uma pressão contra o Supremo, a partir da semana que vem, toda essa pressão

será contra nós senadores — disse Oriovisto.

Para parlamentares, a observação de Toffoli de que o tema não é cláusula pétrea foi um recado.

— Significa que o Congresso pode resolver. Nós pressionaremos pela votação — diz Alessandro Vieira (Cidadania-SE).

O senador Lasier Martins (Podemos-RS), que liderou a elaboração da carta, reforça:

—Mostramos que temos 43 votos a favor (além dos 42 signatários, Flávio Bolsonaro já disse que é favorável). Então, vamos pedir à presidente da CCJ e ao presidente do Senado para pautar uma PEC.

Além da PEC de Oriovisto, há projetos sobre o assunto no Senado. Parlamentares defendem, no entanto, que o mais correto é fazer a alteração na Constituição. Para aprovar a PEC, são necessários 49 votos —seis a mais que os 43 garantidos pelo grupo.

“Se hoje existe uma pressão contra o Supremo, a partir da semana que vem, toda essa pressão será contra nós _ senadores”

Oriovisto Guimarães, senador do Podemos-PR

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Para Fachin, ecisão não provocará 'efeito catastrófico'

Carolina Brígido 

André De Souza 

07/11/2019

 

 

O relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, disse ontem que a possível derrota da tese de prender condenados após a segunda instância não representaria uma ameaça à operação. Se o STF mudar hoje a regra em vigor, réus teriam o direito de recorrer em liberdade por mais tempo. Fachin, que já votou pelo início antecipado da pena, ponderou que essa eventual mudança de entendimento pode ter outro efeito: a decretação de mais prisões preventivas.

A prisão preventiva não exige a condenação definitiva do investigado. Basta que o juiz verifique uma série de requisitos previstos em lei —como a periculosidade do réu e o risco de fuga.

— A eventual alteração do marco temporal para a execução provisória da pena não significa que, em lugar da execução provisória, quando for o caso, não seja decretada a prisão preventiva, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Então, não vejo esse efeito catastrófico que se indica —declarou o ministro.

Fachin explicou que, antes de libertar réus condenados em segunda instância, caso a tese seja mesmo derrubada pelo STF, os juízes verificarão a necessidade de manter os investigados presos por outros motivos. Nesse cenário, aumentaria a quantidade de prisões provisórias no país.

— Se houver uma alteração de jurisprudência, eu entendo que há uma possibilidade de atribuição do juiz de execução do processo penal que ele examine antes de promover a liberação se estão ou não presentes os elementos para decretar a preventiva. De modo que isso poderá acontecer (o aumento das prisões preventivas no Brasil) — disse.

Fachin ressaltou que, qualquer que seja o resultado do julgamento, isso não resultará na declaração de inocência de criminosos.

— Independentemente do resultado do julgamento que se avizinha, ninguém sairá, ainda que se altere a jurisprudência, declarado inocente. Estamos apenas decidindo qual é o marco inicial do cumprimento da pena, quando confirmada a sentença em segundo grau. —afirmou.

ELOGIO À TESE DE TOFFOLI

Fachin demonstrou simpatia pela tese que poderá ser apresentada em plenário pelo presidente do STF, Dias Toffoli. Ele deverá propor um caminho do meio, com o marco temporal para as prisões definido depois de recurso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça( STJ ). Para o ministro, independentemente do resultado, a sensação de impunidade não aumentará:

—Esse é o grande desafio que o Judiciário tem: de iniciar e concluir os processos penais nos termos da Constituição num lapso de tempo razoável.