O Estado de São Paulo, n. 45937, 26/07/2019. Internacional, p. A10

 

STF manda Petrobrás abastecer navios iranianos parados no Paraná

Amanda Pupo

Murillo Ferrari

Carla Bridi

26/07/2019

 

 

Impasse. Ministro Dias Toffoli mantém decisão do TJ do Parana, que determinava abastecimento dos cargueiros do Ira, ao considerar que nao ha risco de estatal ser punida pelos EUA; ordem judicial pode significar fim de crise que se arrasta desde junho

O presidente do STF, Dias Toffoli, ordenou que a Petrobrás abasteça dois navios iranianos atracados no Paraná. A petroleira se recusava a fornecer combustível sob alegação de que poderia ser punida pelos EUA. As embarcações são alvo de sanções.

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, determinou que a Petrobrás abasteça os dois cargueiros do Irã que estão parados no litoral do Paraná desde junho. A ordem foi dada na noite de quarta-feira, mas tornada pública ontem.

Em nota enviada ao Estado, o STF informou que Toffoli indeferiu o pedido da Petrobrás e manteve a decisão do Tribunal de Justiça (TJ) do Paraná que tinha determinado o fornecimento do combustível aos cargueiros Bavand e Termeh. As duas embarcações trouxeram ureia ao Brasil e foram carregados com milho. Mas desde junho estão ancoradas em Paranaguá.

Ao recusar o combustível, a estatal alegava que poderia ser punida pelos EUA, já que as embarcações são alvo de sanções americanas. A Eleva Química, que contratou os navios iranianos, alegava que a transação era entre duas empresas brasileiras. Toffoli concordou.

“(Os documentos apresentados) revelam peculiaridades do caso que afastam o alegado risco de efeito multiplicador da decisão ora impugnada, bem assim a potencial lesão aos interesses primários relacionados à soberania nacional, à ordem administrativa e à economia em razão de sua execução”, afirmou o ministro em sua decisão.

A decisão do TJ-PR, determinando o abastecimento dos cargueiros, é a mesma que havia sido suspensa na semana passada, em caráter liminar, pelo próprio presidente do STF. A nova decisão de Toffoli contraria a manifestação enviada na semana passada pela procuradora geral da República, Raquel Dodge. No documento, ela afirma que a Eleva Química não provou ter “direito subjetivo” de comprar o combustível da Petrobrás e lembrou que possui alternativas para adquirir o produto de outros fornecedores.

No entanto, a alternativa dada pela Petrobrás, a Refinaria de Petróleo Riograndense, informou estar com o estoque comprometido até o fim de agosto. Os exportadores brasileiros argumentam que, como a carga é de milho, as sanções americanas não se aplicam.

“A decisão do STF reconhece os argumentos da defesa de que a exportação do milho não traria riscos de penalidade para a Petrobrás, uma vez que a Eleva, que afretou os navios, é uma empresa brasileira e não está em lista de sanção das autoridades americanas, além do fato de que a Petrobrás, ao fornecer o combustível estaria apenas cumprindo uma decisão judicial”, disse Rodrigo Cotta, advogado do escritório Kincaid Mendes Vianna, que representou a empresa que contratou os navios.

Uma fonte do setor de Assuntos do Hemisfério Ocidental no Departamento de Estado americano informou que os EUA estão cientes dos desdobramentos do caso dos navios iranianos no Brasil e “estão no processo de coleta de mais informações”. “Em 05 de novembro do ano passado, os EUA implementaram um conjunto de sanções no setor petroquímico iraniano. Ao mesmo tempo, genericamente falando, há certas exceções para transações de venda de commodities agrícolas, comida, medicamentos ou aparelhos médicos ao Irã”, informou o funcionário americano.

Fontes próximas ao caso, tanto na Petrobrás quanto na Eleva Química, receberam com “alívio” a decisão de Toffoli. A determinação daria uma brecha para que a estatal cumpra a ordem judicial, abasteça os navios e encerre a crise.

Para o professor de relações internacionais da FGV, Oliver Stuenkel, não há “risco real” de sanções contra a Petrobrás por parte dos EUA. “As relações comerciais com o Irã estavam ocorrendo normalmente antes e não há casos de empresas como a Petrobrás sofrendo sanções dos EUA por algo do tipo”, afirmou.

Pressão. Na terça-feira, o Irã ameaçou cortar as importações do Brasil se a estatal não reabastecesse os dois cargueiros. Associações que representam exportadores brasileiros disseram ao Estado que a suspensão das importações pelo Irã seria grave, por ser um mercado importante. “Além de ser o maior importador de milho brasileiro, o Irã é um dos principais compradores de produtos importantes para o País e para o Estado do Paraná, como soja e carne bovina”, afirmou a Federação da Agricultura do Estado do Paraná.

Segundo Welber Barral, exsecretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, a crise com o Irã foi mal administrada pelo governo brasileiro. “Ao declarar alinhamento com o presidente dos EUA, Donald Trump, Jair Bolsonaro acabou transformando uma questão comercial em uma questão política.”

Queda de braço entre EUA e Irã chega ao Brasil

- Impasse

Dois cargueiros iranianos estão parados no Porto de Paranaguá, carregados de milho, porque a Petrobrás se recusa a fornecer combustível

- Sanções

A estatal brasileira alega que os navios estão incluídos na lista dos EUA de sanções e teme sofrer punições caso abasteça as embarcações

- Ameaça

Embaixador do Irã, Seyed

Ali Saqqayian (foto), diz que país pode parar de importar do Brasil se problema não for resolvido

- Decisão

Dias Toffoli, presidente do STF, rejeita argumentos da Petrobrás e manda estatal abastecer cargueiros iranianos

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Estatal pode ser punida nos EUA, diz Araújo

Mariana Hauebrt

26/07/2019

 

 

Chanceler brasileiro afirma que Petrobrás abastecerá petroleiros do Irã, apesar dos riscos de punição nos EUA

O chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, afirmou ontem que a Petrobrás corre o risco de ser punida pelos EUA caso abasteça os dois navios iranianos que estão parados no Paraná. Ele disse, no entanto, que a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, deve ser cumprida. Toffoli determinou que a Petrobrás abasteça os dois cargueiros, que estão parados desde junho.

“É um tema que está na Justiça. Nosso entendimento é o de que as partes envolvidas têm de seguir a decisão da Justiça. Nós temos chamado a atenção para o fato de que a Petrobrás poderia estar sujeita a ter prejuízos em suas atividades nos Estados Unidos”, disse.

Araújo afirmou ainda que a situação continua a mesma e as empresas, tanto a brasileira quanto a iraniana, seguirão a determinação da Justiça do Brasil. “Achamos que a situação permanece, mas existe o Estado da Lei”, afirmou o chanceler.

Para o especialista em segurança internacional e energia da Universidade de Georgetown, Paul Sullivan, a decisão da Petrobrás de não abastecer os navios não é uma surpresa.

“Em razão da proximidade ideológica de Jair Bolsonaro e Donald Trump, isso já era esperado. A Petrobrás, provavelmente, está muito desconfiada e preocupada com as sanções dos EUA, e o próprio Brasil afirmou que está alinhado com as sanções impostas ao Irã”, disse Sullivan ao Estado.

Ao mesmo tempo, o especialista americano ressalta que o Brasil é um país “independente”. “A relação com o Irã também envolve a questão da energia nuclear, polo que o Brasil teve a chance de desenvolver, mas não quis. Vai muito além de combustível, milho e desses dois cargueiros”, afirmou.