O Estado de São Paulo, n. 45932, 21/07/2019. Notas e Informações, p. A3

 

A contribuição do Congresso

21/07/2019

 

 

Mesmo depois da inédita renovação de quadros ocorrida nas eleições do ano passado, o Congresso continua sendo muito criticado, como se fosse mero balcão de negócios. Além desse desvio de finalidade, o Legislativo seria lento, pouco funcional e arbitrário. Certamente, o Congresso tem muitas falhas e disfuncionalidades e, não raro, seus membros atuam de forma pouco exemplar. Mas isso não significa que o Poder Legislativo seja a grande causa dos males nacionais. Com frequência, o trabalho do Congresso é decisivo para encontrar soluções, aparar arestas e evitar ainda maiores distorções.

A contribuição do Legislativo pôde ser observada, por exemplo, na tramitação do projeto de lei relativo às Dez Medidas Anticorrupção, aprovado recentemente pelo Senado. O Congresso conseguiu reduzir muitas deficiências e desequilíbrios do texto, tornando-o um pouco mais respeitoso às garantias e liberdades individuais.

O relator do projeto de lei no Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), conseguiu, por exemplo, que fossem excluídas as mudanças nas regras de prescrição de atos de improbidade administrativa. A proposta era atribuir o prazo comum de dez anos, que é um tempo excessivamente longo e poderia incentivar a inércia do Ministério Público. Quanto mais

ágeis são as investigações, mais próximas elas estão dos fatos suspeitos e, portanto, mais eficazes poderão ser. Além disso, um prazo de prescrição tão longo deixaria o cidadão num situação de vulnerabilidade ante o Estado. A pretensão punitiva deve ser exercida dentro de um prazo razoável.

Também foi excluída a proposta de restringir a interposição de alguns recursos, como, por exemplo, os embargos de declaração. Ainda que pudesse interessar a alguns membros do Ministério Público, essa medida traria enorme fragilidade ao processo judicial. Os embargos de declaração são a oportunidade para que uma das partes relate ao juiz a ocorrência de alguma obscuridade, ambiguidade ou contradição na sentença proferida, bem como para alertar sobre a omissão da decisão a respeito de algum ponto essencial.

A restrição aos embargos de declaração contrariaria, assim, a própria exigência constitucional de que as decisões judiciais sejam fundamentadas. Tal exigência é uma garantia do cidadão, por assegurar que a solução dada no caso concreto tem apoio na lei e por permitir a revisão e o controle do exercício do poder decisório do juiz. Vale lembrar que a qualidade da decisão judicial, tanto por sua clareza como por sua fundamentação, é de vital importância para o Estado Democrático de Direito. O poder estatal deve sempre ser exercido dentro dos seus específicos limites e finalidades.

Outra oportuna mudança realizada no Senado foi a exclusão de todos os dispositivos que alteravam o Código de Processo Penal (CPP, Decreto-Lei 3.689/1941). Existe no Congresso uma proposta de reforma do CPP e, portanto, é preferível reunir todas as possíveis alterações do Decreto-Lei 3.689/1941 no projeto específico sobre o tema. Com essa alteração, os senadores evitaram um problema pelo qual o Congresso é muitas vezes criticado – e não sem razão.

Com frequência, o Legislativo cria diversas leis sobre um mesmo tema. A multiplicação de leis dificulta a compreensão da própria legislação. Torna-se tarefa de especialista identificar quais são as regras legais aplicáveis a uma determinada matéria. Isso também propicia a ocorrência de contradições dentro do ordenamento jurídico, já que é grande o risco de que as várias leis tratem do mesmo assunto de forma diferente. Foi, portanto, muito razoável que o Senado não tenha feito mudanças no Código de Processo Penal por meio do projeto de lei das Dez Medidas Anticorrupção.

Mesmo que o projeto de lei ainda contenha excessos, sua tramitação no Senado revela a importância de que o Congresso tenha total autonomia para estudar e revisar os assuntos de interesse nacional, mesmo nos casos de projetos que são de iniciativa popular.