O Estado de São Paulo, n. 45933, 22/07/2019. Política, p.A5

 

Bolsonaro privilegia bases eleitorais

Felipe Frazão

22/07/2019

 

 

 

 

Início de governo é marcado por atendimento de pautas de grupos que deram maior apoio à eleição do presidente, como militares e evangélicos

 

Nos primeiros 200 dias do seu governo, o presidente Jair Bolsonaro tomou decisões que agradaram aos segmentos que mais deram apoio para sua eleição no ano passado: militares, policiais, evangélicos, ruralistas e caminhoneiros. A prioridade dada a esses grupos virou motivo para ataques de partidos da oposição, que veem no gesto do Planalto um fator que mantém a polarização política no País.

Como prometido, o presidente tratou prioritariamente da facilitação da posse e porte de armas de fogo, uma pauta dos armamentistas (caçadores, atiradores esportivos e colecionadores), mas que divide opiniões entre as polícias, as Forças Armadas e no meio evangélico.

Entre as benesses, Bolsonaro abriu crédito para caminhoneiros; negociou regras mais brandas de aposentadoria às polícias e carreiras federais da segurança pública; ampliou o financiamento de comunidades terapêuticas, em sua maioria ligadas a igrejas; e deu aval para manter isenta a contribuição previdenciária sobre a produção agropecuária exportada (mais informações nesta página).

Na sexta-feira, Bolsonaro pressionou publicamente o Congresso para debelar uma nova ameaça de greve dos caminhoneiros, insatisfeitos com a atualização da tabela do piso mínimo do frete. Ele pediu apoio a deputados e senadores para aprovação de projeto de lei que, entre outras medidas, aumenta a validade da carteira de motorista de cinco para dez anos.

Os evangélicos receberam os últimos acenos do presidente, como o afrouxamento de regras fiscais e o compromisso público de indicar para uma vaga no Supremo Tribunal Federal um jurista “terrivelmente evangélico”. O nome mais cotado é o do advogado-geral da União, André Mendonça, um presbiteriano. Em negociações com a frente parlamentar evangélica, também reduziu exigências na prestação de contas de filiais de igrejas.

 

Popularidade. O presidente decidiu manter um tom de campanha eleitoral após assumir o governo e, diante da queda nos índices de popularidade, tem pedido a parlamentares desses segmentos sugestões de iniciativas de apelo popular. “Essas pequenas medidas têm um alcance enorme no Brasil e trazem a população para o nosso lado”, disse Bolsonaro, durante encontro com a bancada evangélica, na semana passada.

Ao Estado, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que Bolsonaro adotou um estilo de governar “sinalizando para suas bases eleitorais”. A oposição critica a postura do presidente. “Bolsonaro fez a opção de governar para os identificados com o bolsonarismo propriamente dito. Governa para um núcleo duro ligado a ele, deixando vários segmentos da sociedade sem atenção e fazendo até o contrário da demanda desses setores, alguns que votaram nele”, diz o senador Humberto Costa (PE), líder do PT.

O líder do PSB na Câmara, Tadeu Alencar (PE), diz que a desaprovação ao governo decorre de uma falta de respostas a quem não faz parte dos nichos de apoio. “Quem ganha eleição deseja um ambiente de governança de menos combustão para implementar sua pauta, mas ele faz o contrário: aposta numa tensão permanente.”

O cientista político Carlos Melo pondera que presidentes eleitos sempre privilegiaram suas bases e que o Estado é corporativo. Ele cita, por exemplo, que o expresidente Fernando Henrique Cardoso nomeou intelectuais para compor o governo e que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva levou ao poder sindicalistas, adotando parte de bandeiras do setor, como a política de valorização do salário mínimo.

“É uma praga no Brasil. Seja que governo for, você tem os amigos do rei apaniguados de alguma forma. Pode-se dizer que são as bases eleitorais, setores que fizeram campanha e elegeram o Bolsonaro, portanto, precisam ser recompensados. Mas isso não é republicano, não é impessoal, não é um governo de técnicos, sem privilégios, como se prometia fazer”, avalia Melo. Como exemplo, ele cita a pressão das carreiras de segurança pública para escaparem das mudanças propostas na reforma da Previdência.

Parte desses grupos ganhou ainda o direito de indicar ministro na equipe de Bolsonaro, caso dos ruralistas, responsáveis por emplacar a titular da Agricultura, Tereza Cristina. Apesar de não ter sido um nome levado ao presidente pela bancada, a ministra da Família, Mulher e Direitos Humanos, Damares Alves, atendeu ao anseio da bancada evangélica. A bancada da bala encampou projetos do ministro da Justiça, Sérgio Moro. E os caminhoneiros, mesmo sem congressistas, ganharam atenção dedicada do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas. Os militares das Forças Armadas, berço político do presidente, compõem o maior segmento do governo, com cargos em toda a Esplanada e no Planalto.

 

“É uma praga no Brasil. Seja que governo for, você tem os amigos do rei apaniguados de alguma forma. Pode-se dizer que são as bases eleitorais, setores que fizeram campanha e elegeram o Bolsonaro, portanto, precisam ser recompensados. Mas isso não é republicano.”

Carlos Melo

CIENTISTA POLÍTICO

 

 

PAUTAS ATENDIDAS PELO GOVERNO

 

Policiais

Bolsonaro se envolveu pessoalmente na articulação para abrandar as regras de aposentadoria das carreiras federais da segurança pública, reduzindo em R$ 1 bilhão a reforma pretendia pelo governo com o projeto. Também autorizou por decreto a convocação de 1,5 mil concursados para os quadros da PF e PRF, além do previsto inicialmente nos últimos concursos dos dois órgãos.

Ruralistas

Foram revistos os limites de unidade de conservação e houve criação de um conselho para discutir multas ambientais e estimular a conscientização, ao invés da sanção. O governo também facilitou a renegociação de dívidas de até R$ 200 mil e autorizou a posse de arma a fazendeiros em toda a extensão de suas terras.

Armas

Foram editados sete decretos sobre o acesso a armas de fogo. Entre idas e vindas, o governo liberou a importação de armas mesmo havendo similares fabricadas no País e permitiu a compra de mais armas de uso permitido por colecionadores e atiradores profissionais esportivos, entre outros.

Caminhoneiros

Para evitar uma greve, o presidente pressionou a Petrobrás a suspender reajuste de 5,7% para o preço do diesel, o que provocou na época perda de R$ 32 bilhões em valor de mercado para a estatal. Os reajustes passaram a ser feitos a cada 15 dias (antes, eram condicionados ao preço internacional do produto).

Militares

Além das nomeações para cargos-chave no Executivo, Bolsonaro decidiu não atrelar as mudanças no sistema geral de Previdência ao de pensões da categoria – reivindicação dos generais das Forças Armadas. Em vez disso, encaminhou em separado um projeto de lei ao Congresso, cuja tramitação está parada.

Evangélicos

Prometeu indicar um ministro “terrivelmente evangélico” para uma vaga no Supremo Tribunal Federal. Também elevou o teto de arrecadação (de R$ 1,2 milhão para R$ 4,8 milhões) que obriga igrejas a informar sobre movimentações financeiras diárias e desautorizou proposta do secretário da Receita, Marcos Cintra, para tributação do dízimo.