Correio braziliense, n. 20473, 10/06/2019. Política, p. 2

 

O lobby da jogatina

Rodolfo Costa

10/06/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Poder » Com aval de representantes da equipe econômica, políticos ligados à Frente Parlamentar Mista pela Aprovação do Marco Regulatório dos Jogos no Brasil se movimentam para regular o setor. Crise econômica estimula propostas, apesar dos riscos

A necessidade de novas fontes de arrecadação vai dar o empurrão que falta para o Congresso retomar o debate sobre a legalização dos jogos de aposta, também conhecidos popularmente como “de azar”. Os movimentos dos lobistas entraram em cena na trilha dos debates sobre o Pacto Federativo, capitaneados pela Frente Parlamentar Mista pela Aprovação do Marco Regulatório dos Jogos no Brasil, tudo com aval da equipe econômica do governo. O Ministério da Economia segue a orientação do presidente Jair Bolsonaro, que, durante “live” em abril, disse que cabe ao Parlamento se pronunciar sobre o tema.

O potencial arrecadatório com a exploração de jogos de cassino é relevante. Um estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) a pedido do Ministério da Fazenda, em 2015, aponta que, com a devida regulamentação para todas as modalidades e ambiente propício ao desenvolvimento, os jogos podem movimentar R$ 174,7 bilhões, com arrecadação estimada em R$ 58,8 bilhões anuais.

O assunto veio à baila há duas semanas, numa reunião no Ministério da Economia entre membros do Executivo — incluindo da Secretaria de Governo da Presidência da República — e congressistas da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Pacto Federativo. O lado governista avaliou não ter condições de cumprir com o acréscimo de 1% de recursos da União ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM) no primeiro decêndio de setembro, mês que, historicamente, o fundo registra queda no repasse às prefeituras. A sugestão feita pela equipe econômica foi discutir o repasse de “dinheiro novo”. Ali, trataram da distribuição de recursos do pagamento de 30% do bônus de assinatura do leilão do pré-sal a estados e municípios. A medida foi incorporada ao substitutivo da PEC 34/2019, aprovado na Câmara. E também falaram dos jogos.

A legalização dos jogos foi proposta da equipe econômica pensando em um Pacto Federativo a médio e longo prazos. A partir daí, a informação começou a circular pelo Congresso e integrantes da bancada em defesa da aprovação do marco regulatório dos jogos engataram uma articulação que envolve a discussão com governadores e prefeitos. O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), tem enviado secretários para conversar com membros da frente, presidida pelo deputado João Carlos Bacelar (Podemos-BA). Deputados da bancada vão se encontrar com o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB-RJ), para discutir o assunto.

O prefeito teria chamado os integrantes da Frente para a conversa, uma vez que a legalização pode fornecer receitas para o município, em grave crise fiscal. A frente identifica nele alguém que auxiliará na pressão sobre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para pautar o PL 442/1991, que legaliza os jogos. O texto está pronto para ser colocado na Ordem do Dia, mas o demista é contrário à matéria, que, para alguns, prevê uma legalização mais liberal. Maia é defensor da liberação de cassinos em resorts, agenda defendida pelo ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio. O tema, porém, não é prioridade no momento.

A liberação como propõe o PL 442/91 é polêmica e não é unanimidade entre os integrantes da bancada presidida pelo parlamentar. O deputado Eduardo Bismarck (PDT-CE), outro membro da frente, concorda que é preciso discutir a legalização, mas sem o jogo do bicho. “Não me sinto confortável em liberar essa modalidade. Mas se o rico pode ter acesso aos cassinos, o pobre também deve ter. Acho que o debate pode começar com o pontapé inicial dos jogos em hotéis e resorts”, avalia.

Regulação

Apesar do aval da equipe econômica, propor a legalização dos jogos pelo PL 442 não é o recomendável para o atual momento do país, alerta o titular da Secretaria de Acompanhamento Fiscal, Energia e Loteria (Sefel) do Ministério da Economia, Alexandre Manoel. “Não temos estrutura regulatória adequada, com carreira própria, para liberalizar, de uma hora para outra, todos os jogos com aposta.” A pasta dispõe de 17 técnicos para a discussão do mercado de loterias e promoção comercial.

O presidente do Instituto Brasileiro Jogo Legal, Magno José Santos, defende que a arrecadação com a liberação das diversas modalidades de jogos pode fornecer o financiamento da estrutura regulatória. “Estamos falando de um potencial de geração de 1,3 milhão de empregos. Não podemos legalizar apenas uma ou duas modalidades e deixar as outras na criminalidade, se não vamos fomentar estruturas verdadeiramente criminosas, como milícias”, sustenta.

Coordenador Acadêmico do Programa Executivo FGV/FIFA/CIES em Gestão de Esportes e único membro brasileiro da International Association of Gaming Advisors (IAGA), Pedro Trengrouse é a favor do PL 442. “Seria um grande avanço para o Brasil. Mesmo que haja pontos importantes a serem revistos em discussão técnica mais profunda, que certamente acontecerá no Senado, é importante avançar nesse tema para que se possa, finalmente, regular o jogo no país. O caminho se faz caminhando, e a aprovação do texto seria um bom passo”, avalia.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Vícios para os clientes

 

 

Luiz Calcagno

10/06/2019

 

 

 

Os maiores interessados na legalização dos jogos de aposta deixam de fora uma parte importante do debate: os prejuízos que cassinos e casas de jogos trazem à população em decorrência do vício. Para Carlos Salgado, psiquiatra e conselheiro da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead), nos moldes do que ocorre com o cigarro e as bebidas alcoólicas, os danos provocados pela compulsão tenderão a trazer mais ônus para o Estado. Isso porque atingem os jogadores e seu entorno familiar.

Salgado explica que, o cérebro do jogador compulsivo funciona de modo semelhante ao de pessoas dependentes de álcool, cigarro e outras drogas. Para o psiquiatra, legalizar os jogos fará com que mais pessoas que sofrem dessa tendência de comportamento se tornem dependentes.

“A doença tem sede no sistema de reconhecimento e gratificação que temos naturalmente. É comum usuários de jogo serem usuários, também, de álcool e outras drogas. A pessoa nasce com essa a tendência. É um sorteio na vida”, explica Salgado. “A casa de jogo franqueada, liberada, propicia a chance de mais gente se expor e descobrir uma tendência oculta a essa adesão de forma patológica. Do ponto de vista psiquiátrico, medidas restritivas são importantes”, acrescenta.

De acordo com ele, a restrição de jogos no país faz com que a ocorrência de novos casos no Brasil seja menor. “A tendência de liberar o cassino é sob o pretexto de emprego, economia e turismo, mas é uma porta para as pessoas ficarem presas no jogo. Jogadores mais conscientes, dizem que só duas pessoas ganham: o dono do cassino e o mentiroso. Não tem como ganhar. A coisa é montada para que o sujeito perca. Há um domínio do resultado por parte da empresa”, alerta.

Laerte (nome fictício) perdeu R$ 300 mil em decorrência do vício em bingo. Por pouco não perdeu o emprego e a família. Integrante do Jogadores Anônimos do Brasil de João Pessoa (PB) ele afirma, com um certo orgulho, que está há sete anos sem jogar. “A vida perde o valor. O aniversário de um filho, uma filha, uma data festiva, um compromisso religioso, tudo isso perde o sentido. Você até pode estar presente, mas, mentalmente, quer ir para a casa do jogo. Seus hormônios do prazer só funcionam assim”, conta.