Correio braziliense, n. 20473, 10/06/2019. Política, p. 3

 

Diálogos da Lava-Jato vazados

Luiz Calcagno

10/06/2019

 

 

Poder » Site divulga trechos de mensagens atribuídas ao então juiz Moro e ao procurador Deltan Dallagnol. Eles mencionam detalhes da operação que resultou na condenação do ex-presidente Lula. Ex-magistrado e integrante do MP denunciam ação ilegal

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, e o Ministério Público Federal condenaram a divulgação de conversas via aplicativos de mensagem da força-tarefa da Lava-Jato. Segundo texto publicado no site do MPF, hackers invadiram os celulares de promotores envolvidos na operação, entre eles, o procurador Deltan Dallagnol. “Ainda não se sabe a extensão da invasão, mas se sabe que foram obtidas cópias de mensagens e arquivos trocados em relações privadas e de trabalho”, afirma o comunicado. O invasor teria conseguido, também, “documentos e dados sobre estratégias e investigações em andamento e sobre rotinas pessoais e de segurança dos integrantes da força-tarefa e de suas famílias”. A Polícia Federal investiga a interceptação das conversas há pelo menos uma semana.

Além das conversas entre membros da força-tarefa, o material copiado dos celulares inclui diálogos entre Moro, então juiz, e o procurador Deltan Dallagnol, que violam a independência entre o MP do Paraná e a Justiça. Consta, no artigo 145 do Código Processual Civil, que há suspeição do magistrado para julgar um caso quando, entre outros motivos, ele tiver aconselhado alguma das partes. O conteúdo foi divulgado pelo site de notícias The Intercept Brasil. Tanto o texto do MPF quanto uma nota divulgada por Moro criticam a publicação do veículo por não ouvir as pessoas citadas. Na publicação do site, os repórteres afirmaram que não procuraram as partes “para evitar que eles atuassem para impedir sua publicação e porque os documentos falam por si”.

A matéria do Intercept, divulgada dias após o ministro ter afirmado que o celular havia sido invadido por um hacker, foi dividida em uma introdução e três partes. Em uma delas, a conversa se restringe a Dallagnol e outros promotores. Eles ficam alarmados com a notícia de que o ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski liberou a entrevista do ex-presidente Lula para a jornalista Mônica Bérgamo, da Folha de S.Paulo. Passam algum tempo discutindo estratégias para impedir ou diminuir o impacto do material jornalístico e, depois, comemoram ao saber que o ministro Luiz Fux concedeu liminar impedindo o encontro. Segundo o site, isso demonstraria o envolvimento ideológico dos integrantes da força-tarefa.

Triplex

Em outro trecho, o Intercept revela que Dallagnol não tinha certeza sobre as provas usadas para vincular o triplex atribuído a Lula às propinas da Petrobras, mas se sente mais à vontade após encontrar a publicação de uma reportagem, que não mencionava a OAS ou a Petrobras. Na última parte da publicação, o site revela as conversas entre Moro e o procurador. O então juiz cobra mudanças na ordem das operações, que as ações ocorram com mais velocidade e chega a puxar a orelha do procurador. “Em 31 de agosto de 2016, Moro mais uma vez escancarou seu papel de aliado dos acusadores ao questionar o ritmo das prisões e apreensões. ‘Não é muito tempo sem operação?’, perguntou o então juiz ao procurador às 18h44. A última fase da Lava-Jato havia sido realizada 29 dias antes — a operação Resta Um, com foco na empreiteira Queiroz Galvão”, escreveram os repórteres.

O ministro da Justiça e Segurança Pública se manifestou. Além de lamentar não ter sido procurado, ele ressaltou a invasão de hacker e disse não ver “anormalidade” em sua atuação. Em seu perfil no Twitter, o ministro tentou minimizar a matéria. “Muito barulho por conta de publicação por site de supostas mensagens obtidas por meios criminosos de celulares de procuradores da Lava-Jato. Leitura atenta revela que não tem nada ali apesar das matérias sensacionalistas”, escreveu.

Dellagnol também se manifestou pela rede social. Em dois momentos, divulgou trechos da nota do MPF, mas depois se posicionou. “Como o assunto foi polêmico, gerou algumas interpretações equivocadas. Para esclarecer, o MPF elaborou um documento de perguntas e respostas que explica em detalhes”, postou, pedindo a seguidores que divulgassem um link.

Segundo a nota do MPF, há o temor de que a invasão coloque em risco os promotores, e que os fatos sejam deturpados e utilizados para a divulgação de fake news. Consta, ainda, que “a força-tarefa da Lava-Jato estará à disposição para prestar esclarecimentos sobre fatos e procedimentos de sua responsabilidade, com o objetivo de manter a confiança pública na plena licitude e legitimidade de sua atuação (...)”. “Há a tranquilidade de que os dados eventualmente obtidos refletem uma atividade desenvolvida com pleno respeito à legalidade e de forma técnica e imparcial, em mais de cinco anos de Operação”, afirma o órgão. “A atuação sórdida daqueles que vierem a se aproveitar da ação do ‘hacker’ para deturpar fatos, apresentar fatos retirados de contexto e falsificar integral ou parcialmente informações atende interesses inconfessáveis de criminosos atingidos pela Lava- Jato”, segue a publicação. O episódio vai repercutir nas principais discussões do Congresso.

_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Alertas para ação antiética

Simone Kafruni

Hamilton Ferrari
10/06/2019
 

 

Se comprovadas, as conversas entre o então juiz federal Sérgio Moro e o procurador do Ministério Público Federal (MPF) Deltan Dallagnol no âmbito da Lava-Jato levantam suspeitas sobre a imparcialidade do atual ministro da Justiça. Segundo o código processual civil, artigo 145, “há suspeição do juiz que aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa”. Para especialistas, a troca de mensagens é  “antiética” e, se comprovada, vai dificultar a permanência de Moro como ministro.

Para Conrado Gontijo, criminalista e doutor em direito penal pela Universidade de São Paulo (USP), se for confirmada a autenticidade das mensagens, será um dos maiores escândalos da história do país. “Se houve este tipo de comunhão entre o Poder Judiciário e o Ministério Público é uma violência ao estado democrático de direito”, afirmou.

Segundo ele, Moro ter coordenado trabalhos investigatórios, articulado estratégias de divulgação para a mídia, sugerido alteração no cronograma das investigações foram ações “distantes das que um juiz deve ter”. O criminalista ressaltou, ainda, que se ficarem comprovadas as denúncias, o ministro da Justiça, Sergio Moro, “não terá condições de permanecer no cargo”.

O advogado criminal e ex-advogado de Temer Antônio Cláudio Mariz de Oliveira afirmou que a suspeita de colaboração entre Justiça e MP na Lava-Jato é antiga. Segundo ele, todos os requerimentos do Ministério Público eram deferidos. “Ao contrário da grande maioria dos da defesa, que recebiam indeferimentos”, lembrou Mariz.

Marcelo Nobre, advogado e ex-membro do Conselho Nacional de Justiça, disse que as informações são graves porque indicam imparcialidade na condução do processo judicial. “É preciso que os dois tenham direito a defesa e se expliquem à sociedade brasileira”, afirmou. De acordo com o especialista, a postura de Moro e Dallagnol coloca em xeque o maior processo de corrupção. “É inadmissível que um juiz imparcial tenha combinado com a acusação o que seria feito. Se tivesse vazado informações trocadas entre o juiz e a defesa, qual seria a reação?”, questionou.

Amadorismo

Maristela Basso, professora de direito internacional e da USP, explicou que, caso o trâmite processual seja conduzido de forma imparcial, a Justiça precisa favorecer o réu, o que pode provocar, no caso da Lava-Jato, uma nulidade em cadeia das decisões. “Se confirmada a veracidade, compromete a operação e torna suspeita a conduta do MP e do juiz”, alegou.

Ela explicou que pode ocorrer a liberação de presos e demonstra como o amadorismo pode derrubar um processo judicial da magnitude da Lava-Jato. “Sem falar dos danos morais e patrimoniais de todas as pessoas, que podem até ter responsabilidade, mas se beneficiam da condução irregular do processo”, disse Maristela. “O MP deve apurar a conduta do seu representante, que deverá ser afastado”,disse.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi um dos condenados na Operação Lava-Jato. Após investigações da força-tarefa, foi preso em abril de 2018, o que o impediu de concorrer às eleições presidenciais. A defesa do petista disse, em nota, que é “urgente” a necessidade de soltura de Lula, dada a condução ilegal do processo penal.

“Ninguém pode ter dúvida de que os processos contra o ex-presidente Lula estão corrompidos pelo que há de mais grave em termos de violações a garantias fundamentais e à negativa de direitos. O restabelecimento da liberdade de Lula é urgente, assim como o reconhecimento de que ele não praticou crime e que é vítima da manipulação das leis e dos procedimentos jurídicos para fins de perseguição política.”